sexta-feira, 27 de novembro de 2009

RAZÃO E LIBERDADE - Proibição alcoólica e direitos humanos

RAZÃO E LIBERDADE
Proibição alcoólica e direitos humanos

Paulo Matos (*)
O governo Lula enviou ao Congresso, corajosamente, a proposta de proibição da propaganda de bebidas alcoólicas na TV, solucionando um problema histórico. Mas o lobbie fez cair a urgência na votação, que já não se sabe se acontecerá. E porque devemos firmar nossa negativa a "liberdade" que quer essa indústria? Ora, porque o álcool mata - e cada anúncio destrói milhares de vidas próximas a nós.

O filósofo Montesquieu, um daqueles que deram a base da Revolução Francesa, no sentido da razão argumenta que a liberdade não consiste em fazer o que se quer, mas subordina-a à lei, em um raciocínio claro: se um cidadão fosse livre para fazer o que a lei proíbe, já não o seria, pois outros teriam também poder sobre ele. Compreende-se, então, que a liberdade não concebe a invasão do outro pela propaganda, que sabemos deletéria.

Esse raciocínio traz inerente a igualdade de direitos, que conquistaria o mundo, instituindo o direito comum a partir do final do século XVIII. Logo, a lei disciplina e garante a liberdade. Diz-se que quem bebe fica "cheio de razão" - e faz bobagens. E desgraças. É um produto inerente ao sistema econômico capitalista, afinado e cheio de ilusão. E sofrimento.

A propaganda de bebidas representa a negação da ordem social e do papel do estado. Que permitindo a injeção de veneno das ampolas de álcool deixa degradar seu corpo social e descumpre seu compromisso de protegê-lo. É socialmente suicida a admissão de um hábito que mata consumidores e suas vítimas. Que gera o dobro de despesas com a saúde do que arrecada com os impostos que produz.

A indústria do álcool movimenta bilhões de dólares, mas é o único produto no mundo que tem uma relação custo-benefício negativo para a sociedade. Os prejuízos sociais decorrentes do ato de beber são gigantescos, vide acidentes, prisões, agressões, absenteísmo, crimes. Quem lucra com isso? Como admitir esta lógica liberal da defesa de empregos, da produtividade e do lucro? Só se, no processo de exclusão das massas improdutivas e excedentes, adotarem Malthus – o inglês que no fim do século XVIII propôs superar a insuficiência de alimentos com projetos de ampliação das taxas de mortalidade.

A propaganda alcoólica pela TV, dentro dos lares, atinge indiscriminadamente homens, mulheres, adolescentes e crianças, plantando ilusões de sucesso. Admitir lucro social dessa atividade econômica é inexplicável, fruto de poderosos lobbies. Cerca de 90% dos iniciantes têm menos de 18 anos, convencidos pela propaganda mentirosa de gente saudável e bonita que bebe.

Para o filósofo Hegel, liberdade é a necessidade compreendida, o conhecimento da necessidade. Não é só teoria, como para Spinoza, mas história – o conhecimento histórico da necessidade. Que não implica em escravizar-se a ela conscientemente, mas a determiná-la.

Necessidade coisificada, fetiche, induzir ao consumo alcoólico é negativo. Não é a liberdade um conceito fictício, abstrato e metafísico, mas vital na existência de bilhões de pessoas. Como na máxima de Louis Blanc, de que a liberdade não é só direito, mas poder – que exige seja exercido com regras, para exercício coletivo.

A liberdade não pode mais se tornar apenas privilégio dos mais fortes – favorecendo o predomínio do poder econômico e a escravização do homem pelo homem. Cabe ao estado intervir no equilíbrio entre liberdade e autoridade. Liberdade é ousar criar e transformar, não escravizar-se.

Liberdade, enfim, é o domínio humano sobre a natureza e sobre a própria natureza. A propaganda alcoólica é inadmissível como a tortura, proibi-la um ato de defesa social. Devemos argüi-la real e suprema, no império da sociedade humana – antes que seja tarde.

(*) Paulo Matos é Jornalista, Historiador pós-graduado e Bacharel em Direito
E-mail: jornalistapaulomatos@yahoo.com.br
Blog: http://jornalsantoshistoriapaulomatos.blogspot.com
Orkut: http://www.orkut.com.br/Main#Profile.aspx?rl=ls&uid=3193061565782244472
 F.13-38771292 – 97014788

quarta-feira, 25 de novembro de 2009

JUDEUS E SOCIALISMO

JUDEUS E SOCIALISMO

 ISRAEL É O IV REICH

*Celso Lungaretti

Os judeus criaram os kibutzim.

Para os jovens, explico: tratou-se da experiência temporariamente mais bem sucedida, em todos os tempos, de comunidades coletivas voluntárias, praticantes do igualitarismo -- na linha do que Marx e Engeles classificaram como "socialismo utópico".

O verbete da Wikipedia, neste caso, é rigorosamente correto:

"Combinando o socialismo e o sionismo no sionismo trabalhista, os kibutzim são uma experiência única israelita e parte de um um dos maiores movimentos comunais seculares na história. Os kibutzim foram fundados numa altura em que a lavoura individual não era prática. Forçados pela necessidade de uma vida comunal e inspirados pela sua ideologia socialista, os membros do kibutz desenvolveram um modo de vida comunal que atraiu interesse de todo o mundo.

"Enquanto que os kibutzim foram durante várias gerações comunidades utópicas, hoje, eles são pouco diferentes das empresas capitalistas às quais supostamente seriam uma alternativa. Hoje, em alguns kibutzim há uma comunidade comunitária e são adicionalmente contratados trabalhadores que vivem fora da esfera comunitária e que recebem um salário, como em qualquer empresa normal".

O BUND E A REVOLUÇÃO SOVIÉTICA- Os judeus também desempenharam papel relevante no movimento socialista, principalmente por meio do Bund, que existiu entre as décadas de 1890 e 1930 na Europa.

Vale a pena lembrarmos como eles contribuíram para a revolução soviética, aproveitando um excelente artigo de Saul Kirschbaum, responsável pelo Programa de Pós-Graduação em Língua Hebraica, Literatura e Cultura Judaicas da USP :

"A crescente urbanização e proletarização dos judeus, que deixavam para trás suas aldeias empobrecidas em busca de novas perspectivas de vida, fez emergir o movimento socialista judaico na segunda metade da década de 1870. Nos dez anos que se seguiram, desenvolveu-se a luta organizada dos trabalhadores pela melhoria de suas condições. Associações de operários organizaram greves em várias cidades da região de assentamento judaico. Representantes da intelligentsia, em sua maioria estudantes, começaram a formar círculos de trabalhadores para a disseminação de idéias socialistas.

"Aglutinando todos esses esforços, a idéia de que os judeus em geral e os trabalhadores judeus em particular tinham seus próprios interesses, e por isso precisavam de uma organização própria para atingir seus propósitos, disseminou-se rapidamente entre os ativistas. Por fim, representantes dos círculos socialistas reuniram-se em Vilna em outubro de 1897 para fundar a União Geral dos Trabalhadores Judeus na Lituânia, Polônia e Rússia, conhecida em ídiche como Der Bund. O Bund não se via somente como uma organização política, e devotou grande parte de sua atividade à luta sindical. Seu programa, formulado no primeiro encontro, via como objetivo principal a guerra contra a autocracia czarista.

"O Bund também não se considerava um partido separado, mas parte da socialdemocracia russa, que existia na forma de grupos e associações dispersos. Por causa de sua força, o Bund teve papel decisivo na criação, em março de 1898, do Partido Socialdemocrata de toda a Rússia, que viria a tornar-se o Partido Comunista.

"As atividades do Bund cresceram e sua influência sobre o público judeu aumentou depois que começou a organizar unidades de autodefesa no período dos pogroms de 1903 a 1907. Desempenhou papel ativo na revolução de 1905, quando tinha atingido 35 mil membros.

"Mas o Bund não foi o único partido a atuar entre as massas judaicas. A extensa atividade política que se seguiu à fracassada revolução de 1905 permitiu a ação de outros três partidos judaicos: o Partido Sionista Socialista dos Trabalhadores, (...) o Partido Judaico Socialista dos Trabalhadores (...) e finalmente o Partido Socialdemocrata dos Trabalhadores.

"A revolução que irrompeu na Rússia no início de 1917 pôs fim ao regime czarista e implantou uma república chefiada por um governo provisório. O novo governo aboliu as discriminações e outorgou aos judeus plena igualdade de direitos. Os partidos judeus, que tinham restringido ou mesmo totalmente suspendido suas atividades durante o período reacionário que se seguiu a 1907, despertaram para grande atividade. Após a proibição imposta durante os anos de guerra sobre todas as publicações em caracteres hebraicos, as editoras em hebraico e ídiche retomaram suas atividades, e surgiram dúzias de periódicos e jornais.

"...a Revolução Soviética provou ser possível uma abordagem nova e bem-sucedida para os conflitos nacionais, por meio da criação de um estado multinacional - uma nova forma de diferentes povos conviverem num mesmo território sobre uma base de igualdade nacional. Abordagem que, na época em que vivemos, parece ter sido esquecida e negligenciada em toda parte."

DE MÉDICO A MONSTRO - Durante longo tempo, a propaganda reacionária apresentou o movimento socialista internacional como uma conspiração judaica para dominar o mundo.

Na segunda metade do século passado, entretanto, Israel viveu sua transição de Dr. Jeckill para Mr. Hide. Virou ponta-de-lança do imperialismo no Oriente Médio, responsável por genocídios e atrocidades que lhe valeram centenas de condenações inócuas da ONU.

Até chegar ao que é hoje: um estado militarizado, mero bunker, a desempenhar o melancólico papel de vanguarda do retrocesso e do obscurantismo.

O premiê de Israel, Binyamin Netanyahu, acaba de determinar ao seu gabinete que estude a possibilidade de propor alterações à legislação de guerra internacional a fim de adaptá-la à necessidade de "conter a expansão do terrorismo no mundo".

Uma tese que conhecemos muito bem, pois martelada dia e noite nos sites e correntes de e-mails das viúvas da ditadura: a de que o combate ao terrorismo justifica violações dos direitos humanos. Eufemismos à parte, esta é a essência da proposta do premiê israelense.

E, se os totalitários daqui tudo fazem para salvar de punições aqueles que cometeram crimes em seu nome, os de lá não ficam atrás: Netanyahu determinou também a criação de uma comissão para defender as autoridades de Israel das acusações de crimes de guerra que lhes possam ser feitas por tribunais internacionais.

Ou seja, face ao repúdio universal dos massacres que perpetrou em Gaza na última virada de ano, Israel se prepara para radicalizar sua posição: defenderá genocidas, ao invés de os punir, como qualquer nação civilizada faria; e quer mudar as leis da guerra, para que passem a considerar lícitas e justificadas campanhas em que morrem 1.400 de um lado e 13 do outro.

Israel não tem mais nada a ver com os ideais que inspiraram os kibutzim e o Bund.

Está mais para um IV Reich. Nazista, como o anterior.

*Jornalista e escritor, mantém os blogues:
  Náufrago da Utopia
  O Rebate

 A OPINIÃO DE PAULO MATOS

CASTOR, SOBRE A QUESTÃO: QUANDO EU ERA PEQUENO EU LÍ O LIVRO "A QUESTÃO JUDAICA", DE MARX, EM QUE ELE EXPRESSA A QUESTÃO COMO FORMA INTRÍNSECA DA IDEOLOGIA JUDAICA ACIMA DA IDEOLOGIA SOCIAL, DANDO-LHE, PORTANTO, CARÁTER SECULAR E DE RAIZ - O DA DEFESA DOS PRÓPRIOS RUMOS DO GRUPO SOCIAL E NÃO DA SOCIEDADE COMO UM TODO NA CARACTERÍSTICA TEOCRÁTICA E NÃO DIALÉTICA. É MAIS OU MENOS ISSO. DESCONHEÇO QUE EM ALGUM MOMENTO ELES SE INTEGRARAM COMO RELIGIOSOS A MOVIMENTOS COLETIVISTAS, MAS HOJE PELO MENOS METADE DO ESTADO DE ISRAEL SUPEROU ESTA FÉ E SÓ NÃO ALCANÇA O PODER EM FUNÇÃO DE BUROCRACIAS EXISTENTES EM TODOS OS ESTADOS DO PLANETA. ENFIM, É ISSO.

Paulo Matos
Jornalista, Historiador pós-graduado e Bacharel em Direito
E-mail: jornalistapaulomatos@yahoo.com.br
Twitter: http://twitter.com/jorpaulomatos
Fone 13-38771292 - 97014788

CARTA LEITOR - POLICLÍNICAS

CARTA LEITOR - POLICLÍNICAS

Paulo Matos (*)

Senhor editor:


A necessidade de sediar a saúde nos núcleos, como em Cuba, é uma exigência. Mas daí a obrigar a comprovação de residência no atendimento das policlínicas nega seu caráter universal. Agrava ainda mais este quadro que a população de bairros em que não existe policlínica, como a Pompéia, tenham recusado o atendimento na Policlínica do Gonzaga. A indicação é, segundo eles, de que estes moradores sejam atendidos na Policlínica do José Menino - em tratamentos que se devem evitar seja dado às pessoas que procuram estes núcleos de socorro social. Esta deve ser a compreensão de seus atendentes, pois não se admite e nem se pode admitir que seres humanos sejam rejeitados, notadamente quando fragilizados.

Pessoas iguais não podem ser diferenciadas por bairros, como se isto determinasse sua natureza. O cadastramento dos cidadãos nas policlínicas presentes em todos os bairros deve ser irrestrito, mapeando-se suas condições sociais e seus males, retomando antigos projetos de evolução do atendimento público com prontuários individualizados, otimizando os tratamentos e racionalizando o atendimento, o que será possível fazer em equipes de rua no desenvolvimento do programa Saúde da Família. Mas dai a se impedir seu atendimento, hoje possível até nos bancos independentemente da agência da conta do cliente, é atraso.

Paulo Matos
Jornalista, Historiador pós-graduado e Bacharel em Direito
E-mail: jornalistapaulomatos@yahoo.com.br
Twitter: http://twitter.com/jorpaulomatos
Fone 13-38771292 - 97014788

BICICLETAS, CAMINHOS DE VIDA

BICICLETAS, CAMINHOS DE VIDA
Paulo Matos (*)

É preciso criar caminhos para as bicicletas, abrindo vida e saúde, evitando acidentes e tragédias. O grito de tanto tempo ecoou na instalação da primeira ciclovia, depois daquela na entrada da cidade que foi desfeita, mais de uma década depois de sua instalação. Corrigindo a injustiça da existência de mais veículos de propulsão humana em duas rodas do que automóveis em Santos – e estes terem cem vezes mais lugares para andar do que os ciclistas, transporte natural, vigoroso e necessário, não poluente e suave nestes tempos de engarrafamentos cada vez mais graves e cruéis. O que falta considerar para sua implantação em todas as rotas ?

A invenção da bicicleta na Inglaterra do século XIX , pelo barão alemão Karl Von Drais, diz-se aperfeiçou o invento de um fotógrafo francês, melhorada depois por um escocês. No começo tinha rodas iguias, para que voltou, depois aquela forma da roda dianteira grande, de 1,50 m e a detrás pequena, de 0,30 m.. O que foi invertido pela bicicleta americana que veio a seguir, encaminhando a invenção do automóvel. No fim do século XIX, início do XX, vieram as competições e elas se disseminaram como transorte fácil e agradável, se espalhando pelo mundo – como nos países asiáticos que mostram verdadeiras hordas de ciclistas.

Benéfica aos músculos e pulmões, instrumento de lazer e de trabalho, de crianás e de idosos de todas as classes sociais, disputam lugar com os carros, ônibus e caminhões velozes em pistas estreitas, com grande número de vítimas – resultado da irracionalidade humana. Espalhando-se em número crescente, exigem e merecem caminhos, porque após tantos empenharem-se para criar a bicicleta, foi aqui que ela melhor se adaptou – onde temos a terra plana e o clima agradável, não agressivo.

Hoje, são centenas de milhares os usuários de bicicletas – e temos ao lado, na vizinha cidade de Guarujá, distrito de Vicente de Carvalho, a segunda maior concentração de bicicletas do país. Elas atravessam nossa cidade como fazem as de Praia Grande e Cubatão e São Vicente, em viagens de ida e volta, sem contar as de Santos que se dirigem para alguma destas cidades – mostrando a exigência de um projeto metropolitano de ciclovias. Recusá-las é irracional. Vamos à frente em duas rodas, ligando e interligando os caminhos de vida em toda a cidade. Vamos chamar os prefeitos, vereadores, deputados, clamar pela racionalidade lógica do direito humano às ciclovias. Vamos lutar pela vida.

Paulo Matos
Jornalista, Historiador pós-graduado e Bacharel em Direito
E-mail: jornalistapaulomatos@yahoo.com.br
Twitter: http://twitter.com/jorpaulomatos
Fone 13-38771292 - 97014788

JULIO CONCEICÃO, VIDA E MEMÓRIA DO ESCOLÁSTICA ROSA

JULIO CONCEICÃO, VIDA E MEMÓRIA DO ESCOLÁSTICA ROSA


Paulo Matos (*)

Transformador social, disposto a promover as mudanças nas relações vigentes na sociedade, Júlio Conceição foi executor da herança de João Otávio dos Santos, patrocinador do Escolástica Rosa. Altivo em seu busto no Orquidário, logo na entrada, ele permanece em vigília constante. Afinal, foram suas plantas que compuseram o acervo básico do patrimônio verde do José Menino, nascido nas primeiras décadas do século XX no Boqueirão. Era o Parque Indígena - sua grande obra. Não fosse a sua luta, socialista acadêmico que era, para eliminar as distâncias entre ricos e pobres.

Foi do escultor Guido Zampol a escultura que o perpetuou. A rua com seu nome atravessa os bairros da Vila Mathias e Encruzilhada. Embora interrompida em vários trechos, continua como o espírito deste Conceição que se espalhou e se espalha pela cidade, em ações múltiplas.

Em 1889, ele integrou o lançamento do Manifesto Socialista ao Povo Brasileiro - uma iniciativa vanguardista no Brasil, a primeira dessa matiz ideológica de que se tem notícia no país -, junto com Silvério Fontes, Carlos Escobar, Sóter de Araújo, Sales Braga e outros, solidariedade de raiz. Estes que iriam fundar o primeiro núcleo socialista do Brasil, o Centro Socialista de Santos, em 1895.

Foi Júlio Conceição, homem de visão social, o testamenteiro de João Otávio, de quem foi amigo, o cumpridor da vontade. Há poucos anos, os iconoclastas levaram a cabeça do monumento deste Otávio, situado no jardim da praia, homenageando este que deixou sua fortuna para construir o Instituto de Educação Dona Escolástica Rosa.

Artistas como Serafim Gonzalez e seu filho Daniel refizeram a decapitada obra de Caetano Fracarolli, há pouco, nestes tempos outros, lá colocada em 1960. Foi o pensamento e a vontade de João Otávio, levado adiante com esforço por Conceição, que não pôde ser refeito.

A intenção de salvar gerações, pelo aprendizado de ofícios no Escolástica Rosa - homenagem maior de João Otávio à sua mãe -, não foi cumprida pelos que herdaram seus bens. Após atuar decidido na superação da chaga maior da sociedade brasileira, a escravidão, missão para a qual Santos foi vital no país, Júlio desejou abrir horizontes para os construtores do futuro. E para tanto escolheu alguém que pudesse levar adiante sua vontade - debalde, apesar do esforço deste Conceição.

Intelectual, socialista acadêmico da geração de Silvério Fontes, Júlio Conceição foi o rico cidadão - ecologista, estudioso, escritor, abolicionista - que criou jardins vegetais e humanos. Foi dele o capital que ajudou a fundar A Tribuna, em 19 de dezembro de 1899. Financiando Olímpio Lima, após terem lhe tomado A Tribuna do Povo, que fundou em março de 1894. Que, aliás, fechou e que, assim, não se justifica a comemoração centenária do jornalão de hoje.

A dívida de vinte contos, o capital inicial de A Tribuna, ele perdoou em favor dos filhos de Olímpio, após o desaparecimento deste, em 1907 - que levou o órgão à leilão. É quando entra em campo o Nascimento Júnior e depois o Giusfredo, que lhe leva a filha e o jornal. Mas esta é outra história. Júlio Conceição foi também um dos primeiros donos do Parque Balneário.

Benfeitor, amigo e testamenteiro de João Otávio, Júlio Conceição foi vereador em 1889, presidente da Câmara na época da Monarquia, substituído por Américo Martins dos Santos, convivendo com este membro do Clube Republicano no mesmo cargo. E é personagem do fato curioso da duplicidade de governos na cidade, nestes tempos de transição. Presidiu a sessão de 21 de novembro de 1889 e aderiu à nova ordem republicana, quando já existia o governo provisório da República na cidade, na polêmica acompanhada no Diário.

A Câmara funcionava na Cadeia Nova, hoje Cadeia Velha, na Praça dos Andradas - o Paço Municipal, prédio tombado e destombado que já se quis demolir - desde 1869 até 1896. Quando mudou-se para o casarão do Valongo, construído durante a Guerra do Paraguai pelo Comendador Ferreira Neto, que o iniciou em 1836.

Em 1889 já se haviam iniciado as obras do porto, no ano anterior, por Gafré e Guinle. Também se desenvolve a grande campanha sanitária, com a construção da primeira rede de esgoto, nos planos dos engenheiros Garcia Redondo e Augusto Fomm Júnior. Júlio adquire a área do seu Parque.

Júlio Conceição foi também, como João Otávio, de quem era amigo, um grande financiador da campanha abolicionista, na qual Santos teve um papel determinante no Brasil, pois acolhia os escravos fugidos de toda a província paulista. A cidade tinha 20 mil habitantes e 2 mil casas e o município encampara a limpeza pública.

Quando José Inácio da Glória viu sua farmácia ir à leilão - ele que com Xavier da Silveira, um dos líderes paulistas do abolicionismo, mantinha o jornal A Imprensa, militante da causa -, foi Júlio Conceição, provedor da Santa Casa, que a adquiriu e a devolveu a José Inácio, para que este continuasse sua militância abolicionista. É que este mais dava remédios aos pobres que os vendia.

Quanto ao Instituto de Educação Escolástica Rosa - para o que João Otávio deixou herança, no trabalho do testamenteiro Júlio Conceição -, o que vemos é que o problema da infância desvalida se agravou, paralelamente à atitude de descaso com o último desejo de João Otávio que ele pretendeu deixar como exemplo.

Um propósito - o de ajudar a infância pobre e abandonada - que, embora desejado por este benemérito, foi ano a ano se desfazendo e desmentindo, cronificada hoje. Foi sobre ele que o professor e historiador Alberto Monforte discursou em sua posse na cadeira número 72, cujo patrono é Júlio Conceição, há 13 anos - registrados neste 11 de janeiro, do tradicional Instituto Histórico e Geográfico de Santos.

Segundo a publicação editada pela Prodesan, Santos/Jurado, a ilha e o novo, deste autor junto com a arquiteta Gegê Leme - destacando e descrevendo a obra arquitetônica de Artacho Jurado, no Boqueirão -, se denota o ousado estilo arquitetônico do edifício Verde Mar. Construído no início dos anos 50, na área do Parque Indígena.

O Parque Indígena era um patrimônio de 22 mil metros quadrados de terreno, com 200 mil orquídeas, pomares, aves e animais, considerado o maior orquidário ao ar livre do mundo, então. Preparado desde 1909, em terras adquiridas da chácara de Carneiro Bastos, foi inaugurado em 1932 e durou até 1938, quando faleceu Conceição.

Em 1944, a área seria loteada e seria iniciada a expansão imobiliária. Em 1945, nasceria o Orquidário, com suas plantas. Contam que no entardecer, as pessoas vinham assistir à revoada dos pássaros naquele éden. Os leões de sua entrada monumental foram para a sede do Jabaquara Atlético Clube, outra das glórias de Santos.

Foi Alfredo Vasquez, do Cine-Foto Clube, quem nos informou sobre Inácio Manso, valiosa peça do Parque Indígena, o jardineiro de Júlio Conceição. Quando o acervo vegetal foi para o Orquidário, ele foi junto, tornando-se zelador e funcionário público, aposentado em 1979 e falecido em 1986.

Os vegetais foram preparados em um terreno no canal 8, em que existiu o campo do Libertários F.C - o mais antigo da várzea santista, ainda hoje com sede própria na rua João Caetano, no Marapé. Inácio e família moraram dentro do Orquidário e sua filha foi professora municipal. Natural de São Joaquim da Barra, nasceu a 27/11/1909 e veio para Santos com 22 anos, parceiro da poesia de Conceição.

“UM EXEMPLO DE AMOR AO TRABALHO, À ECOLOGIA E À FILANTROPIA”

É como Monforte lhe dedicou a oração.

O professor Alberto Monforte, professor e historiador, dono de acervo valioso sobre a história de Santos, teve o privilégio de conhecer Júlio Conceição, a quem aprendeu a admirar. Pesquisando, escrevendo e discursando sobre ele, revela que concretizou um sonho de juventude, homenageando este que viu como herói. E a quem cujas virtudes denominou como próprias de um ”santista de alma”. “Exultei”, diz, contando suas reminiscências, ao poder lembrar publicamente aquele que conheceu por meio do então professor Dr. Lacaz de Moraes.

Foi o professor Lacaz que, intentando proporcionar uma aula de história natural ao vivo, levou os jovens alunos a conhecer o Parque Indígena - a magnífica obra de Júlio Conceição, então o maior jardim particular ao ar livre do mundo, em uma área adquirida em fins do século passado e preparada por quase duas décadas, no bairro do Boqueirão.

Muita gente vinha ver, no por do sol, a revoada de milhares de pássaros do Parque Indígena, que beijavam diuturnamente milhares de flores. São lembranças colecionadas desde os tenros quinze anos desse Monforte, então integrante da primeira turma de ginasianos do então Ginásio do Estado, hoje Colégio Canadá, em 1938.

A experiência de Monforte ao conhecer Júlio Conceição, descrevendo as flores uma a uma como Aristóteles aos seus discípulos peripatéticos, é digna de registro. Sua visão grandiosa do não menos gigantesco Parque Indígena, na esquina da avenida Conselheiro Nébias com a praia - e que ia até depois da rua Angelo Guerra, que hoje divide a quadra, com fundos para a hoje denominada Epitácio Pessoa -, é magistral como a obra em sí.

É Monforte que conta suas reminiscências, em que estão o homem público, o abolicionista, o provedor da Santa casa e o testamenteiro de João Otávio. É a Santos em que o real e o mitológico se unem, em formidável concerto.

MINISCÊNCIAS
Alberto Monforte

"Quando ainda nos verdes anos de buliçosa juventude, recém-ingresso na puberdade, em meus quinze anos de irriquieta agitação, fazia parte de um grupo de jovens privilegiados - os que formavam a primeira turma de ginasianos do então Ginásio do Estado, hoje Colégio Canadá.

Nos idos de 1938, tive a felicidade deter, como educadores, um pugilo de mestres de alto gabarito e de profundo saber. Entre estes tantos ilustres professores, damos destaque ao excepcional médico e catedrático, Dr. Lacaz de Moraes, que nos propiciou aulas explendorosas.

Com uma capacidade didática rara e explicações claras e objetivas, eram acompanhadas de desenhos de traços rápidos e fiéis ao objeto a ser estudado. Certa feita, este grande mestre teve a feliz idéia de nos proporcionar uma aula de história natural ao vivo, em um dos poucos recantos onde poderíamos obter reais conhecimentos da matéria : o Parque Indígena.

Foi assim que tive o primeiro contato com um verdadeiro tesouro, incrustado em uma das mais belas praias santistas, o Boqueirão. Nosso grupo de irriquietos jovens, levados pela mão deste sábio mestre, foi levado a conhecer o Parque Indígena, criação do inolvidável Júlio Conceição.

Ao adentrarmos o portão monumental , ladeado por duas colunas, sobre as quais repousava majestática imponência - dois leões de pedra, guardiões das riquezas ecológicas entesouradas por este novo Academus, fomos recebidos por um simpático senhor. Já idoso, porém lépido e lúcido, que se nos apresentou como nosso anfitrião. E que daí em diante seria o guia, mostrando-nos as diferentes espécimes de plantas e árvores do seu Jardim Botânico.

Tal qual Aristóteles aos seus discípulos peripatéticos, ao caminhar ia dissertando sobre exemplares vegetais que constituiam parte de sua riqueza. A seringueira, a palmeira imperial, a roseira, a margarida, a açucena, os abieiros, as goiabeiras, a cana-de-açúcar, etc... Mas não ficou restrito ao simples mencionar nomes de cada espécie: entrou em detalhes físicos, quanto a forma do caule,das folhas, das flores e dos frutos, utilidades domésticas e industriais. Detinha-se com grande carinho explicando a cultura de suas orquídeas, das quais possuia uma infinita variedade, em número superior a cem mil.

Algumas orquídeas eram raríssimas e, com muito afã, procuradas e admiradas por colecionadores de distantes países. Porém, sua paixão estendia-se também aos animais, principalmente aves que mantinha livres a chilrear pelas galharias e que alegres vinham comer à sua mão, com um simples chamado.Com sua fidalguia e compreensão, nos orientava carinhosamente : podem colher e comer as frutas que quiserem, porém não machuquem as plantas e nem estraguem as frutas, colham apenas as que possam comer !

Júlio demonstrava profundamente seu amor à natureza, que ele adaptou em seu Éden paradisíaco. Onde recantos poéticos abrigaram gênios fulgurantes de nossa literatura. O nosso poeta maior, Vicente de Carvalho, elaborou e aprimorou lá versos melodiosos, cheios de ternura e autenticidade, como fugindo ao cativeiro. Uma epopéia que coloca a sua Santos querida no pódio principal das precursoras da abolição no país.

Foi também em suas alamedas, em que o sol radiante filtrava seus raios luminosos, entre as verdes ramagens a saudar a beleza da natureza, que o esfuziante poeta Martins Fontes cascateava seus versos rutilantes, cantarolando as incríveis estrofes de seu eterno Verão.

O Parque Indígena, fonte inspiradora dos nossos grandes vates, manancial de cultura, beleza e amor à natureza, representada pelas flores exóticas, perfumadas e coloridas, por suas frutas sumarentas e saborosas, por seus pássaros canoros e de plumagens multicôres, tinha sobre sí o carinho deste grande idealista, o nosso Júlio Conceição.

BIOGRAFIA

Nascido em Piracicaba a 12 de março de 1861, Júlio Conceição faleceu em Santos em 10 de setembro de 1938. Filho dos Barões de Serra Negra, foi casado com Dona Mariana de Freitas Guimarães Conceição, de cujo consórcio teve os filhos Lydia Conceição Leitão, casada com o Dr. Mário Leitão; Oswaldo Conceição, casado com dona Leontina Ayrosa Conceição. E Mauro Conceição, casado com Dona Betty Backeuser Conceição.

Veio para Santos com a idade de l8 anos. Homem de ação serena e por isso mais construtiva, iniciou sua atividade no ramo do comércio cafeeiro, pois na época Santos constituia-se no mais importante porto do país, voltado à exportação da preciosa rubiácea. Que, tomando lugar à borracha, passou a ser o sustentáculo da economia brasileira.

Homem abnegado e de grande coração, com o ganho de seu laborioso e honesto trabalho, deu grande exemplo com seus atos de filantropia e iniciativas locais, quase sempre originadas de seu idealismo e sentimento de pura fraternidade humana.

Assim, como cidadão prestante, foi solicitado a servir à coletividade sendo eleito vereador em 1897, aos 23 anos. Já em 1889, assumiu o cargo de Presidente da Câmara, equivalente às funções do Poder Executivo, então. Nesse ano, a febre amarela, terrível mal, grassou com grande intensidade, causando milhares de óbitos em São Paulo e Rio de Janeiro.

Em Santos, cidade que ainda não fora saneada, o que seria mais tarde pelo gênio de Saturnino de Brito, foi também vítima e teve parte de sua população dizimada pelo terrível morbo. E Júlio Conceição, já pelo seu cargo, pelo espírito de solidariedade, desdobrou-se em mil providências para abrigar os doentes desamparados. Criando hospitais de emergência, desafiando os perigos do contágio, como um itimerato general no campo de batalha.

Foi um grande abolicionista. Deu integral apoio aos organizadores do Quilombo do Jabaquara, refúgio dos escravos e baluarte da liberdade, foi companheiro infatigável de Quintino de Lacerda, Ricardo Pinto de Oliveira, Silva Jardim, Martim Francisco, Júlio Ribeiro e tantos outros - que a treze de maio de 1888 vibraram de entusiasmo e satisfação pela assinatura da Lei Áurea , cônscios do dever cumprido, pois, há meses que em Santos não havia cativos.

Vibraram também em quinze de novembro de 1889, quando viram concretizados os anseios republicanos pelos quais tanto pugnavam. A Câmara Municipal realizou sessão especial no dia vinte e um de novembro, sob a presidência de Júlio Conceição, que leu a moção de aplauso, em nome da Municipalidade ao vitorioso movimento revolucionário e voto de louvor, em ata, pela instituição do regime republicano, moção aprovada sob demoradas palmas.

Homem de muito ler, Júlio Conceição, também o era de escrever ; publicou inúmeros trabalhos de História, ao lado de numerosos artigos, nas campanhas que adotava, fosse pela salvação de nossa pesca marítima, fosse pelo saneamento de Santos, fosse contra a febre amarela ou pela proteção dos animais, além de fazer um belo estudo biográfico de Benedito Calixto.

Exercendo diversas atividades utilitárias, foi fazendeiro, usineiro e comerciante. Fundador e diretor do Banco Mercantil, também sócio da Campanha Ferro Carril. E junto com João Éboli e James Mitchel, ganhou a concorrência para a iluminação pública por eletricidade na cidade de Santos. Na noite de quinze de agosto de 1903, um sábado, inaugurava-se na avenida Ana Costa a iluminação pública elétrica.

Sua inteligência era clara e lúcida, tendo muitas vezes ocasião de provar sua cultura e a segurança do seu raciocínio, em artigos publicados na imprensa, em torno de vários assuntos. Pelos seus trabalhos e pesquisas, o Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo, fê-lo, em 1908, seu sócio benemérito.

Foi o idealizador, fundador e primeiro presidente do Instituto Histórico e Geográfico de Santos, cuja biblioteca e museu foram por ele iniciados. Foi agraciado pelo governo português com a Ordem de Cristo, comenda esta outorgada pelos inestimáveis serviços por ele prestados à laboriosa colônia portuguesa.

Tendo ingressado na Irmandade da Santa Casa da Misericórdia de Santos, em 1884, foi eleito provedor nos anos de 1897 a 1902, cargo em que se houve com o proverbial zêlo, despreendimento pessoal e elevado senso administrativo. Durante sua gestão, prosseguiram aceleradamente as obras de reforma do grandioso edifício do hospital, concluídas em 1902.

Ao lado de João Otávio dos Santos, como seu amigo, compadre, mentor e executor testamentário, seu nome ocupa lugar de relevo nos fastos da Santa Casa da Misericórdia de Santos, como irmão benemérito, pois concorreu para que fosse legado à esse nosocômio, a quantia de cento e vinte contos de réis (120:000$000), em dinheiro e os imóveis necessários para a criação e manutenção do Instituto Dona Escolástica Rosa.

Neste tópico gostaria de recordar algumas das palavras pronunciadas na Rádio A Tribuna, por ocasião do centenário do nascimento de Júlio Conceição, em março de 1964, pelo grande médico e emérito historiador, Dr. Edgard de Cerqueira Falcão:

“Lutador impertubável, Júlio Conceição, dentre inúmeras campanhas que sustentou, teve oportunidade de edificar um grande estabelecimento educativo, que, hoje em dia, nem de longe relembra o seu nome: o Instituto Dona Escolástica Rosa.

Testamenteiro de João Otávio dos Santos, foi lhe por este confiado o encargo de erigir em chácara de sua propriedade, no chamado Ramal da Ponta da Praia (atual avenida Epitácio Pessoa), certo recolhimento para que meninos pobres nele se preparassem para os embates da vida, o qual deveria receber o nome da falecida mãe do testador, Dona Escolástica Rosa.

Para chegar a bom termo, teve Júlio Conceição de vencer a hostilidade manifesta da Comissão da Santa Casa da Misericórdia de Santos, que deveria colaborar consigo no testamento do cumprimento do testamento de João Otávio. E toda a sorte de embaraços criados pelas péssimas condições do território pantanoso, sujeito à influência das marés que, represando o rio Conrado, inundava extensas áreas entre os atuais canais 5 e 6 mediante o rendilhado de seus braços...

Para se ter uma pálida idéia dessa luta titânica, desse esforço hercúleo de um verdadeiro herói, descreverei alguns dos tópicos de sua monografia sobre o Instituto Dona Escolástica Rosa:

“Acorde com o solene compromisso prestado em 24 de julho de 1900 perante o M. Juiz da Primeira vara, Exmo. Sr. Dr. Primitivo de Castro Rodrigues Sette, junto com o Primeiro Tabelião Major Joaquim Fernandes Pacheco, de bem e fielmente desempenhar a honrosa e privilegiada missão que me era destinada, de único testamenteiro e inventariante dos bens de meu amigo e compadre João Otávio dos Santos, venho ora dar por concluído meu encargo com a monografia, relatório e documentos que se seguem pela ordem cronológica dos assuntos..."

Grande se tornou este trabalho, eivado de acidentes e contrariedades desde seu início, por mais resumida que se queira fazer minha exposição, nunca poderei deixar de ser prolixo, não só pelo fato de fazer explanações naturais sobre assuntos das disposições testamentárias e de ensino prático profissional, como para justificar meus atos e esclarecer pontos de cavilosas insinuações que, calada e resignadamente, tenho sofrido ao longo do inventário...

Foi, sem dúvida, moroso o cumprimento deste testamento, porque não podia ser por menos. O que está feito não se fez por palavras, senão com tempo e meditação, trabalho e dinheiro. As pouquíssimas interpelações diretas, estas mesmo de estranhos, sobre a demora da inauguração do Instituto, tenho tido oportunidade de responder que as obras estavam sendo feitas vagarosamente, com o recurso da renda, em virtude da orientação a que sempre obedeci, com o aplauso do M. Juiz de Direito. DE NÃO VENDER IMÓVEL ALGUM PARA COM SEU PRODUTO ACELERÁ-LAS, RESTRINGINDO DE TAL ARTE O PATRIMÔNIO - QUANDO HAVIA IMPRESCINDÍVEL NECESSIDADE DE SEU AUMENTO...

..De mais, presidiu-me o ideal, não obstante o legado, inquestionavelmente insignificante para o fim de, acentuadamente, fazer uma grande e bem organizada instituição que, penso eu, servirá de modelo para o objetivo de outros estabelecimentos congêneres.Por tal forma orientado, satisfiz todos os encargos do inventário com os recursos disponíveis e adiantamentos monetários de minha parte, para não alienar, talvez desastrosamente, atenta à época, bens alguns de raiz pertencentes ao acervo, afim de atender aos encargos...

...Criaram não pequenos embaraços à testamentária uma ação de nulidade de testamento, movida pelos parentes de João Otávio; um sequestro nos bens do espólio, requerido pelos mesmos e uma ação ordinária de cobrança de honorários médicos. Quanto às ações de nulidade e sequestro, foram julgadas improcedentes. Em relação a de honorários médicos, não teve o espólio a mesma facilidade. O autor pedia 50 contos de réis mais $3.841.219 réis de despesas judiciais e juros.

Como é sabido, João Otávio, sofrendo asterioclerose, teve uma síncope que lhe trouxe a morte. Chamado dois médicos, em uma emergência aflitiva, como é natural, nada tiveram a receitar senão assistir à agonia de poucas horas.

A liquidação de contas com estes dois médicos não se tornou menos trabalhosa, pois só no fim de 8 meses de relutâncias e certa habilidade e diplomacia de minha parte, foi que consegui, sem mais demandas o resultado de pagar cinco contos de réis pelo serviço de ambos. A conta que me era apresentada sempre verbalmente montava a 28 contos de réis pelo atestado destes dois profissionais. Baseado neste acordo é que o espólio foi condenado a pagar os 40 contos de réis ao médico anterior.

Infelizmente, a herança, embora de aplicação sagrada e útil como a de João Otávio, sofreu, salvo honrosas exceções, cobiças e investidas de toda sorte, como se fossem bens reúnos ou associações de mão morta, a que muitos se atiram como causa natural...”

JULIO CONCEIÇÃO, APÓS TECER VÁRIAS CONSIDERAÇÕES SOBRE A COMISSÃO NOMEADA PELA SANTA CASA, PARA ACOMPANHAR O DESENVOLVIMENTO DO CUMPRIMENTO TESTAMENTÁRIO, E AS DIFICULDADES POR ELA CRIADA, CONTINUA:

“Não consegui o lisonjeiro resultado em que hoje se acha o espólio sem obstáculos de toda a espécie. É com verdadeiro pesar que aqui registro não haver o Governo do Estado, nem a nossa Câmara Municipal, isentado o espólio de seus pesadíssimos impostos, sendo os prédios destinados, como eram e são, a servir de patrimônio do Instituto Dona Escolástica Rosa, fundado para a educação e prática profissional de meninos pobres, e que mereciam do governo e de nossa edilidade a proteção e favores que geralmente se dispensam à estabelecimentos de instrução e humanidade... Em tais circunstâncias, o espólio, até o final, tem levado aos cofres públicos a sua pesada contribuição.

Até hoje o espólio não recebeu o mais insignificante favor de quem quer que seja...E mesmo propositalmente não procurei esta forma de auxílio, isto é, recorrer à magnanimidade de amigos ou à caridade pública, senão às solicitações de isenções de impostos aos poderes constituidos... De mais a mais, tenho feito o possível para que o Instituto funcione com o rendoso patrimônio e não dependa da caridade pública, de maneira a que o aluno que entrar para aquela casa seja altivo e não se eduque às expensas de donativos de intuitos caridosos, sem contudo deixar de ser reconhecido ao seu benfeitor.

O Instituto Dona Escolástica Rosa, com vida própria, deverá ter da Santa Casa os cuidados da boa orientação administrativa, ”... de tudo cuidando e zelando como de cousa sua que próprio fosse”, nunca fornecendo-lhe auxílio de espécie alguma proveniente do óbulo da caridade...

CONTINUANDO MAIS ADIANTE, VEMOS EM JÚLIO CONCEIÇÃO O ESPÍRITO DA FRATERNIDADE UNIVERSAL E UMA FILOSOFIA PROFUNDA DE AMOR QUANDO DIZ...

“Espero, porém, ainda em meus dias, ver os poderes constituídos voltarem sua atenção simpática para esse ramo da educação, preventivo e mais salutar, sem dúvida, do que as prisões da Ilha dos Porcos, do Instituto Disciplinar de SP e outros congêneres em nossa pátria. A ignorância gera a miséria e a miséria é muitas vezes a origem de paixões brutais : só se combate a ignorância com a instrução e se suporta a pobreza com resignação quando se sabe que a pobreza não é um vício e pode ser diminuida e vencida pelo trabalho e economia.

Tenho fé que verei em breve, além de peritos profissionais, sairem do Instituto Dona Escolástica Rosa, fugindo ao vício e ao crime, artistas educados, homens úteis à sociedade, com honroso diploma do ofício de sua vocação. Infelizmente entre nós, como em todo o mundo, conforme presenciamos, salvo raras exceções, os governos mais se preocupam com as prisões, militarismo e artes para a destruição dos homens, quando deveríamos sem duvida seguir outro caminho, o da instrução popular mais ou menos descurada”.

Por estes resumos de sua biografia, podemos aquilatar a grandeza da alma e a pureza de espírito que existiam nesse grande brasileiro, que pode deixar para seus póstergos o exemplo do mais acendrado civismo, do mais caloroso amor à natureza e do incomensurável devotamento ao bem estar da humanidade.

Júlio Conceição é um paradigma que deve ser apontado a todos os brasileiros nesta era de descalabro, de desonestidade generalizada e descrença absoluta nas palavras dos nossos políticos e governantes, para que num futuro próximo possamos, com o auxílio do Grande Arquiteto do Universo, ver a grandeza de nossa pátria reverenciada por todas as nações do planeta.

Santos, 19 de janeiro de 1985
Alberto Monforte

Paulo Matos
Jornalista, Historiador pós-graduado e Bacharel em Direito
E-mail: jornalistapaulomatos@yahoo.com.br
Twitter: http://twitter.com/jorpaulomatos
Fone 13-38771292 - 97014788

ESTE BRASIL

ESTE BRASIL

Paulo Matos (*)

O Brasil é um país dos fenômenos criativos, das cantoras e das batidas e letras como a da bossa nova que exportou com seus cantores e compositores, sem falar no cinema de Anselmo Duarte, do futebol do Santos e de Pelé, de tanta coisa boa que o mundo viu.

Este Brasil é muito mais, como cantava Paulinho da Viola, do que o “país do futuro” que nos repetem desde a infância. É um país que se mostra agora, saltando a partir de sua natureza que faz o mundo melhor aqui, mais feliz, lugar onde a geografia é mais ampla e mais bela sem necessitar do mundo lá fora para ser feliz.

O Brasil é tudo isso porque aqui se juntaram etnias para compor uma única raça, a humana, terra de migrantes de todas as partes desde árabes e judeus aqui em paz, negros, brancos, índios, asiáticos, mulatos, mamelucos e o que vier – que miscigenados ficam mais fortes nos garantiu o mestre Darcy Ribeiro.

Sim, o Brasil é o país moderno porque está extraindo energia pura e renovável do biodisel, nestes tempos de Kyoto, apto a tornar-se o maior pólo energético do mundo sem o temor do fim dos seus estoques, como o petróleo que descobre com o gás em imensas jazidas que o fazem auto-suficiente, que quer o Saci como símbolo e que já rejeita o sotaque estrangeiro.

Constrói uma nova era este país de Lula, pernambucano de Garanhuns que veio para a nossa Itapema chamada de Vicente de Carvalho em homenagem ao maior poeta, depois São Bernardo e ai para o Brasil descobrindo a simplicidade das coisas comuns como deixar a gente comer e produzir, em saltos magníficos que não são apenas simbolizados em vitórias esportivas ou conquistas guerreiras ou bombas mortais – mas assentados em conquistas reais e duradouras.

O país se ampliou para atender os carentes com este Lula que nos parece Plínio Marcos, este que ensinou régua e compasso e saiu daqui para o mundo com seu discurso teatral. Este é o Brasil reconstruindo mercados externos e readquirindo prestígio internacional, com a mesma desenvoltura com que brilha para os miseráveis oferecendo comida melhor e mais barata, tudo isso com propostas de paz sem invadir nem ameaçar, recusando soluções ensandecidas, mas crescendo para sua gente.

O Brasil de hoje distribui riquezas para o consumo de faixas imensas que não consumiam nada, dinheiro que volta ativando a indústria e o ensino, deixando para trás o passado de um tempo dominado pelos acadêmicos que se expressavam em diversos idiomas em Paris, Londres e NY, sem conhecer muito bem a língua daqui, nem mesmo o português ou o tupi. Ou o sotaque da Bahia, do Pernambuco, do Sergipe, do Ceará, o sotaque paulista arrastado, o paranaense e o catarinense cantado, o mineiro pronunciado como o caipira paulista, coral encantado.

Lula foi o maestro soberano como Antonio Brasileiro, desta ressurreição que projeta uma grande nação mais justa e igual de maior mar do mundo aonde chegam cada vez mais navios de carga e onde chegaram caravelas dominadoras da Cruz de Malta. O Brasil deste torneiro mecânico do SENAI é aquele que soube reunir vontades fortes, chefiado por este praticante de princípios teóricos que viabiliza em concreto encaminhando sonhos utópicos. Melhorando a vida de tantos que podem agora comer, produzir, estudar e crescer. O Brasil de hoje é o Brasil que arranca de fato suas fitas coloniais para dar, finalmente, seu grito de paz e amor.


Paulo Matos
Jornalista, Historiador pós-graduado e Bacharel em Direito
E-mail: jornalistapaulomatos@yahoo.com.br
Twitter: http://twitter.com/jorpaulomatos
Fone 13-38771292 - 97014788

FAVELA, CANUDOS E EUCLIDES

FAVELA, CANUDOS E EUCLIDES

Paulo Matos (*)

"Tivesse a favela outro nome seria outra sua miséria?" Parafraseando Shakespeare ou quase, a respeito das sempre comentadas favelas cariocas: na falta de soluções para elas e com 100% das atenções voltadas para as olimpíadas, acredito que a antiga solução do muro alto será adotada - para escondê-las dos visitantes, enquanto construímos estádios. Aliàs, o evento da passagem deste 5 de outubro nos remete às favelas e a um massacre histórico nesta data - do qual decorreram. Escreveu sobre o episódio Euclides da Cunha, do qual vivemos o centenário da morte aos 43 anos.

Nada complexo: o massacre ocorrido foi o do Arraial de Canudos, em cinco de outubro de 1897, há 112 anos - ocupado a cinco de julho de 1893 por uma dezena de pessoas. Era o Belo monte do líder de massas Antonio Conselheiro em 1897 - que de louco não tinha nada. Favela era o nome do morro que cercava a Fazenda Velha onde se instalou e cresceu Canudos, a estas alturas rica e auto-suficiente, esmagada pelo Exército com canhões Krupp quando tinha 30 mil pessoas. As tropas paulistas, parte dos 11 estados, passaram por Santos e foram homenageadas com jantar no Carioca.

Os índios, sertanejos e ex-escravos que fugiram foram para o RJ. E ao verem as casinholas nos morros disseram que "parecia o morro da favela". É isso. Que nossos títulos em 2016 sejam na saúde, educação, alimentação, moradia e transporte e, até, no esporte.


Paulo Matos
Jornalista, Historiador pós-graduado e Bacharel em Direito
E-mail: jornalistapaulomatos@yahoo.com.br
Blog: http://jornalsantoshistoriapaulomatos.blogspot.com
Orkut: http://www.orkut.com.br/Main#Profile.aspx?rl=ls&uid=3193061565782244472
Twitter: http://twitter.com/jorpaulomatos
Fone 13-38771292 - 97014788

terça-feira, 24 de novembro de 2009

Aldo Moro, Battisti e o “compromisso histórico”

Castor:

O texto do Mauro é de uma rara precisão histórica sobre importante momento, que centraliza o debate nas esquerdas - a ação "radical" QUE NÃO É e a negocial, da discussão parlamentar e do etapismo, do entendimento, da aceitação. A questão é paradigmática, estive dois dois lados já com 16 anos - quando fundamos o GELA/Grupo Explosão Latino Americana, associação de estudos e ação à equerda do movimento de então. O racha ainda não se havia dado. O Pardal fala em seu livro sobre o camarada Cebola de uma passagem do grupo. O estado burguês levou essa, na ação das Brigadas "Vermelhas". Pois sim, eram brancas, nem rosadas socialistas eram, muito menos "rabanetes" anarquistas vermelho-rubro.

É certo que já liamos Leon Trotsky e toda aquela dramática história da picareta de neve na nuca do Leon fugido de Stalin no México. Liamos Deuscher, seu biógrafo. Associavamos anarquistas, defendiamos a Linha Chinesa, cultuavamos Mao. Não tenho dificuldades para avaliar a questão e, em nome do progresso popular, fazer a assertiva de que um revolucionário apoia até festinha de escola para promover a expansão ideológica científica marxista-leninista em termos de consciência popular.

A consciência preconizada de vanguardas ampliadas até a incorporação da plenitude das gentes há de rasgar os privilégios e o aparelho estatal-militar burguês e libertar os seres humanos na sua marcha final ao comunismo. Isto é inexorável. Porém, os estágios são inevitáveis e devemos nos adaptar DESDE QUE NÃO PERCAMOS DE VISTA A FRAGILIDADE DAS ESTRUTURAS MONTADAS SOBRE O HOMEM, QUE O OPRIMEM E CERCEIAM. Matar Moro foi uma gagada. Em momento nenhum atrazaremos o processo, ah, isso não! Assim analisamos hoje, talvez na época diferentemente. Brigadas, Anselmo e quetais bloqueiam a estrada mas não impedem o caminho. É isso.

Paulo Matos
Jornalista, Historiador pós-graduado e Bacharel em Direito
E-mail: jornalistapaulomatos@yahoo.com.br
Twitter: http://twitter.com/jorpaulomatos
Fone 13-38771292 - 97014788


JORNAL DO BRASIL
Aldo Moro, Battisti e o “compromisso histórico”
20/11/2009 - 00:16
Por Mauro Santayana

O caso Battisti evoca trágica experiência política do século passado. Os episódios de 1978, que causaram a morte de Aldo Moro, ocorreram diante da insanidade dos extremos e da incapacidade de as elites se reunirem no centro político, que Berliguer e Moro propunham com o seu Compromisso Histórico.

Moro era um católico que estava à esquerda de De Gasperi e de Giulio Andreotti, próximo de pensadores franceses identificados na esquerda, como Jacques Maritain – que provavelmente conhecera, quando o filósofo tomista fora embaixador junto ao Vaticano, entre 1945 e 1948. Ele temia que o confronto ideológico, no movimento católico, impedisse o governo de centro na jovem República italiana. Como líder de sua corrente – a dos “doroteanos” – que dispunha de ponderável votação, Moro participou dos governos democrata-cristãos até 1976, quando a ala direita se impôs com a entrega do governo a Giulio Andreotti, seu principal adversário. Entre 1976 e 1978, Moro articulou a retomada do entendimento entre os comunistas e os democrata-cristãos em busca de uma saída histórica, proposta por Enrico Berlinguer em 1973. O entendimento era combatido com vigor por Andreotti, pelo Vaticano, pela Máfia e pelos Estados Unidos.

Havia 12 anos que, com a criação da República, e o confronto entre as duas correntes partidárias, sob a influência das duas superpotências, a Itália estivera à margem da guerra civil. Em 1978 – com a reabilitação do pensamento de Gramsci, e dez anos depois da invasão de Praga, que eles combateram – os comunistas italianos já estavam muito mais distantes dos soviéticos na construção do diálogo com os cristãos e do eurocomunismo. A situação estava madura para que a Itália se livrasse dos efeitos da Guerra Fria e buscasse um projeto nacional de desenvolvimento e de presença mais forte na Comunidade Europeia que se formava. Nos meses que antecedem o sequestro e a morte de Aldo Moro surge o estranho movimento das Brigadas Vermelhas. O grupo, conforme voz corrente, era liderado pela chefia misteriosa de um Gran Vecchio. Embora, na época, Andreotti não tivesse ainda 60 anos (nascera em 1919), seu porte encurvado dava-lhe aparência bem mais idosa. Há indícios de que as Brigadas teriam sido criadas por Andreotti, com a ajuda da Máfia, da CIA e dos serviços secretos italianos a fim de impedir, com atos de terrorismo, o “Compromesso Storico”, de centro-esquerda. Dele foi aliado intransigente Francesco Cossiga, hoje irado defensor da extradição de Battisti.

A quem, realmente, serviam as Brigadas Vermelhas, que seguiam, na retórica política, a Rote Armee Fraktion, do grupo Baaden-Meinhof da Alemanha? Sabe-se, pelo relato dos sequestradores de Moro, que os dois grupos se encontraram algumas vezes em Paris, mas os italianos tinham meta precisa: combater o entendimento entre comunistas e os democrata-cristãos de Moro. Qualquer amador em política poderia deduzir que o sequestro de Moro, por um grupo que se apresentava como de esquerda, seria um grande trunfo para a direita. É sempre bom lembrar o exemplo do agente cabo Anselmo, aqui no Brasil. Os brigadistas queriam a liberdade de 13 dos seus, em troca da vida de Moro. Cossiga e Andreotti a isso se opuseram, apesar dos apelos dramáticos do ex-primeiro-ministro ao governo e até do papa Paulo VI, de quem era amigo pessoal.

Battisti pertencia a um grupo à margem das Brigadas Vermelhas, mas a serviço do mesmo objetivo. É provável que esse grupo fosse constituído de fanáticos, que agiam sem outras ligações, ou de simples inocentes úteis, recrutados pelos seguidores de Gran Vecchio. Em qualquer caso, foi instrumento de interesses muito maiores do que ele, muito maiores do que os do pequeno bando de alucinados de que fazia parte. Com seus vagos ideais aos 22 anos, ou cooptado pelos agentes da direita, dissimulados como de esquerda, o que é comum, é um homem acabado, condenado à prisão perpétua e à privação do sol. É provável que o presidente Lula esteja informado dessas circunstâncias históricas, na hora de decidir o destino de Battisti.

Em tempo: Andreotti foi condenado, em 2002, a 24 anos de prisão por ter, em associação com a Máfia, mandado matar o jornalista Mino Pecorelli, que iria publicar documentos provando seu envolvimento no assassinato de Moro. Tendo em vista sua idade, a Suprema Corte livrou-o da cadeia.


Jornal do Brasil
Extradição: ato de soberania
Dalmo Dallari,

RIO - A concessão da extradição de um estrangeiro que se encontre no território brasileiro, para atender a um pedido formulado pelo governo de um Estado estrangeiro, é um ato de soberania do Estado brasileiro, que deve ser praticado com absoluta independência e tendo por base jurídica superior às disposições da Constituição brasileira. Evidentemente, devem ser levados em conta, na decisão do pedido, os compromissos assumidos pelo Brasil, tanto por meio de adesão a documentos internacionais como pela assinatura de tratados, mas o atendimento de tais compromissos não tem prioridade sobre a obrigação jurídica de respeitar e aplicar a Constituição brasileira. Agradar ou desagradar ao governo solicitante da extradição é um dado secundário no exame das disposições constitucionais, não devendo ter qualquer peso na decisão de conceder ou não a extradição.

Tudo isso deve ser levado em conta na decisão que será tomada pelo presidente da República relativamente ao pedido de extradição do italiano Cesare Battisti, formulado pelo governo da Itália. Na última sessão do Supremo Tribunal Federal, que tratou da questão, foram tomadas duas decisões fundamentais. A primeira reconhecendo a legalidade formal do pedido de extradição, ficando assim afastada a hipótese da existência de alguma ilegalidade que impedisse a apreciação do pedido. A Lei número 6.815, de 1980, que dispõe sobre a situação jurídica do estrangeiro no Brasil, diz no artigo 83 que nenhuma extradição será concedida sem prévio pronunciamento do plenário do Supremo Tribunal Federal sobre a legalidade do pedido. Como bem assinalou a eminente ministra Carmen Lúcia, o pedido de extradição começa e termina no Poder Executivo mas passa obrigatoriamente pelo Supremo Tribunal Federal, que, no desempenho de sua função precípua, que é a guarda da Constituição, verifica previamente se estão satisfeitos os requisitos legais. Essa decisão não é terminativa, não resolve se o pedido de extradição será ou não atendido, mas é de extrema importância para salvaguarda da Constituição e dos direitos que ela assegura.

A segunda decisão do Supremo Tribunal Federal foi no sentido de reconhecer que a palavra final sobre o pedido de extradição cabe ao presidente da República. É importante assinalar que o Supremo Tribunal Federal não determinou, nem poderia fazê-lo, que o presidente conceda ou não a extradição. Em termos constitucionais, a decisão sobre essa matéria enquadra-se no âmbito das relações internacionais do Brasil. E a Constituição é bem clara e objetiva quando estabelece, no artigo 84, que “compete privativamente ao presidente da República manter relações com Estados estrangeiros”. Diariamente os jornais brasileiros dão notícia de encontros, negociações e decisões no âmbito internacional, nas mais diversas áreas de atividades, como a economia, o meio ambiente, a proteção da saúde, o respeito aos direitos humanos e muitas outras questões que se colocam no relacionamento entre os Estados. E em todos esses casos o Brasil é representado pelo Poder Executivo, que tem na chefia suprema o presidente da República, a quem compete, privativamente, manter relações com Estados estrangeiros. Assim, pois, já tendo o reconhecimento da inexistência de ilegalidades, por força da decisão do Supremo Tribunal Federal, cabe ao presidente da República fazer a avaliação do conjunto de circunstâncias que cercam o pedido de extradição, levando em conta, sobretudo, as disposições da Constituição brasileira.

No caso em questão, em que o governo italiano pede a extradição de Cesare Batistti, existe um ponto essencial: os crimes de que Battisti foi acusado já foram qualificados anteriormente, pelo governo italiano, como crimes políticos. Com efeito, numa das ações do grupo a que pertencia Battisti foi morto um homem, Torregianni, e seu filho, que se achava no local, foi gravemente ferido, sendo obrigado, desde então, a locomover-se em cadeira de rodas. Um dado fundamental é que, desde então, o governo italiano vem pagando pensão mensal ao jovem Torregianni, por reconhecer que ele foi vítima de crime político. A legislação italiana prevê esse pensionamento somente para vítimas de crime político, excluídas as vítimas de crime comum.

E nos termos expressos do artigo 5º, inciso 52, da Constituição, “não será concedida extradição de estrangeiro por crime político ou de opinião”. Como fica evidente, o Presidente da República deverá decidir se concede ou não a extradição de Cesare Battisti, mas sua decisão não poderá ser arbitrária, devendo ser consideradas, obrigatoriamente, as disposições da Constituição brasileira. O fato de existir um tratado de extradição assinado pelos governos do Brasil e da Itália não se sobrepõe à Constituição, não tendo qualquer fundamento jurídico uma eventual pretensão do governo italiano de fazer prevalescer o tratado sobre a Constituição. Ao que tudo indica, deverá ser essa a decisão do presidente da República, que terá perfeito embasamento constitucional. Obviamente, essa decisão irá desagradar ao governo italiano, podendo-se esperar uma enxurrada de ofensas grosseiras ao Brasil e ao seu governo, como já ocorreu anteriormente, quando se anunciou que o pedido de extradição dependia de exame do Supremo Tribunal Federal e de posterior decisão do chefe do Executivo. Mas a decisão de negar a extradição não terá qualquer consequência jurídica negativa para o Brasil, que, pura e simplesmente, terá tomado uma decisão soberana, no quadro normal das nações civilizadas, regidas pelo direito.

Dalmo Dallari é professor e jurista.
23:29 - 19/11/2009

GAZA E PARISI

GAZA E PARISI


Paulo Matos (*)

Os israelenses apreenderam com os teratogenicos de Cubatão, cuja poluição maior do mundo, descrita em meu livro inédito "A tragédia de Vila Parisi", incluia este tal de fósforo branco, ocasionando as mal-formações congênitas. Era também uma guerra interna, só que de classe, igualmente na dispua de área cobiçada pelas empresas. Era a área de Vila Parisi, um antigo sítio de bananais, loteado em 1956 pelos irmãos Celso e Eládio Parisi - onde chegaram a morar 15 mil pessoas, que vieram do nordeste atrás dos empregos da COSIPA ao lado. Foi extinta em 1992. E Gaza, quando?

(*) Paulo Matos - Jornalista, Historiador pós-graduado e Bacharel em Direito
E-mail: jornalistapaulomatos@yahoo.com.br
Twitter: http://twitter.com/jorpaulomatos
Fone 13-38771292 - 97014788


Gaza: um campo de lento extermínio?


Thabet el Masri é diretor da unidade de terapia intensiva do Hospital Shifa, um hospital público da Faixa de Gaza. Em junho deste ano, começou a ficar preocupado com o aumento do número de bebês nascidos com malformações.

Por Silvia Cattori

Entrevistado pela jornalista italiana Silvia Cattori, falou sobre o aumento do número de crianças nascidas com malformações na região, cuja causa deve-se ao bloqueio israelense e às repetidas destruições da infra-estrutura palestina na região pelos israelenses com o uso, inclusive, de armas com fósforo branco..

Leia abaixo a entrevista do médico palestino, reproduzida do site Informação Alternativa:

Estamos interessados em conhecer o resultado do estudo realizado sobre este inquietante fenômeno e queremos saber qual a sua avaliação médica. Pode dar-nos informação sobre o relatório de anomalias congênitas pré-natais e pós-natais constatadas passados dez meses dos ataques sobre Gaza, em termos de número de casos ocorridos e em comparação com os dados de 2008?

Sim, pois eu segui, de forma contínua, o fenômeno do nascimento de bebês com malformação congênita. Registei o número de bebês nascidos com malformações congênitas em julho, em agosto e em setembro de 2009. Comparei estes dados com os números dos mesmos meses do ano de 2008. Eis os resultados: em julho de 2009, houve no Hospital Shifa 15 casos desse tipo, contra 10 em 2008; em agosto de 2009, houve 20 casos, contra 10 em 2008; em setembro de 2009, 15 bebês nasceram malformados, contra 11 em 2008. O número médio de nascimentos no Hospital Shifa é cerca de 1100 por mês [1].

– Conhecido o relatório, causou muita emoção e inquietude. Imediatamente, muita gente atribuiu o aumento de malformações nos fetos abortados e nos recém-nascidos à utilização, pelo exército israelense, de obuses de fósforo branco. Será assim?

Supomos que sim, mas não podemos confirmar que a utilização de armas químicas por Israel causou este aumento de malformações congênitas.

– Os bebês atingidos por malformações congênitas são todos originários de populações vivendo em campos de refugiados, populações particularmente submetidas a bombardeamentos israelenses? De que zonas são as mães?

Os bebês portadores de malformações congênitas vêm de todo o lado da Faixa de Gaza. Todavia, metade das mulheres que deram à luz bebês com malformações são originárias do campo de refugiados de Jabaliya.

– Na atual situação, que pode fazer para sossegar as mulheres grávidas que estão neste momento muito ansiosas?

Efetivamente, nada. Não há nada que possamos fazer para garantir que os seus bebês serão normais. Como poderíamos nós impedir a presença de substâncias químicas que podem causar defeitos de nascença?

– Há em Gaza embriologistas capacitados para fazer testes genéticos?

Infelizmente, não estamos equipados para fazer testes genéticos para saber se as anomalias congênitas são devidas a fatores genéticos ou a substâncias químicas. No fim de contas, trata-se de um problema genético e as substâncias químicas podem muito bem ser responsáveis por estas mutações.

– Que é feito dos investigadores internacionais que em 2006 recolheram amostras para serem testadas em laboratórios europeus? Houve resultados?

Esse é um grande problema! Se os fatores químicos são responsáveis, isso é muito difícil de provar. Como provar que são os produtos químicos que estão na origem das mutações? Como provar que os israelenses utilizaram substâncias interditas?

– Compreendemos que, enquanto médico, o doutor esteja muito preocupado e que, na atual situação desesperada, tenha necessidade de uma ajuda internacional…

Sim. Gostaria de sugerir algo que pudesse ajudar-nos, sem esgotar os nossos limitados recursos financeiros no domínio da pesquisa genética, que precisa de verbas avultadas. Dito de uma forma directa: seria extremamente útil convencer os israelenses a não voltarem a usar armas químicas como fizeram no Inverno passado.

– Que tipos de patologias tem observado nos bebês nascidos este Verão? Pode dar-nos exemplos de defeitos de nascença que constatou nesses bebês?

Verificamos problemas do sistema nervoso central, hidrocefalia e anencefalia, e ainda outro tipo de malformações como cardiopatias congênitas e obstruções do tubo digestivo. Os problemas renais são muito frequentes. As malformações visíveis são raras; os problemas são geralmente internos. Está a ver que problemas temos pela frente! As mães ficam sem defesa, nós nem temos resposta para as suas inquietações. Elas sabem que estamos sós nesta situação. Só lhes resta rezar!

– Não tem contatos com o exterior?

Não temos absolutamente nenhum contato com o exterior. Dei-lhe uma visão geral do problema principal. Como lhe disse, há uma probabilidade de que as substâncias químicas possam ser uma das causas da tendência de aumento de defeitos de nascença, pois estes aumentaram desde o assalto bélico de dezembro e janeiro passados. Contudo, esta conclusão é impossível de provar.

– Muito obrigada.

Tradução da versão francesa retirada de Todos por Gaza
A versão original, em inglês, encontra-se aqui.

[1] Em Julho de 2006, num artigo sobre as consequências da ofensiva israelense de junho de 2006 que atingiu a principal central de energia de Gaza, que alimenta a maioria da Faixa de Gaza, incluindo o fornecimento de energia aos hospitais de Gaza, ao aparato de abastecimento de água e de tratamento de esgotos, o doutor Thabet El Masri tinha enfatizado o impacto de uma potencial falha de energia no hospital:

"O doutor Thabet al-Masri, o chefe da unidade do hospital para bebês prematuros, explicou que há 33 bebês que exigem incubadoras para fornecer o equilíbrio muito sensível de humidade, temperatura e oxigénio essencial para o seu desenvolvimento. Normalmente, observou, o número de nascimentos prematuros é de 50-60%, mas talvez como resultado de ansiedade por causa do cerco de Israel, atualmente o número está próximo de 70%. Al-Masri enfatizou que a natureza do trabalho dentro da seção “premiê” é tal que não há meias-soluções. As vidas destes bebês estão dependentes do constante fluxo de eletricidade."

Fonte: Informação Alternativa

Jorge Risquet – A África é uma dívida histórica

Jorge Risquet – A África é uma dívida histórica

Por Elaine Tavares – jornalista no IELA

Fazia um calor sufocante no solar onde viviam Jorge, os pais e quatro irmãos - outros três já tinham morrido de doenças infantis hoje já desaparecidas em Cuba e perfeitamente curáveis - em Havana. A grande casa tinha 24 quartos e em cada um deles, sem banheiro, vivia uma família. Era gente demais, todos muito pobres, a maioria trabalhadores de diversos ofícios, alguns informais. O pai de Jorge trabalhava numa “tabaquera”, empresa de fabricação do charuto cubano. Mas foi essa babel que possibilitou ao menino de 11 anos começar a vida de professor, ganhando, inclusive, o suficiente para pagar o quarto onde morava a família toda. “Nós estávamos sempre nos mudando porque meus pais não conseguiam pagar os aluguéis”. Então, para ajudar nas despesas Jorge e a irmã improvisaram uma lousa no pequeno quarto onde viviam e ensinavam os demais garotos do solar que não podiam ir à escola, porque era longe e eles não tinha sequer um sapato para usar. Cobravam alguns trocados, mas com isso garantiam o aluguel.

O menino era Jorge Risquet Valdés, que mais tarde veio a ser um dos organizadores da educação na guerrilha cubana e um dos comandantes da campanha de Cuba na África, nos anos 60. Naqueles dias, ele, que era um dos melhores alunos da escola fundamental, já estava apto para passar ao ensino médio. Mas, para estudar na Cuba pré-revolucionária, era preciso ter dinheiro. Sem chance, ele, então com 13 anos, foi buscar os cursos oferecidos gratuitamente pela Juventude Revolucionária Cubana.

Apesar da pouca idade Jorge não era um analfabeto político. Os pais, trabalhadores do tabaco, tinham profunda consciência de classe. É que em Cuba, na produção de charuto era assim: as pessoas ficavam ali, enrolando as folhas, no mais completo silêncio. Por conta disso, os trabalhadores inventaram um bom jeito de se instruir e ficar por dentro da literatura revolucionária. Faziam uma “vaquinha” e contratavam um leitor, alguém que ficava ali, lendo, enquanto todos trabalhavam. “O leitor trazia uma lista de títulos e os trabalhadores escolhiam. Liam Gorki, Vitor Hugo, Cervantes Martí, Tolstoi e muitos outros”.

Pois foi por conta destas leituras que a família Risquet sempre esteve em dia com os temas do mundo. O irmão mais velho de Jorge, inclusive, alistou-se para ir à Espanha lutar contra a ditadura de Franco. Cerca de mil cubanos foram. Então, durante a segunda guerra e o horror nazista, Jorge já estava envolvido até os dentes na organização da juventude revolucionária. Quando em 1944 funda-se em Cuba a Juventude Socialista, Jorge está lá e toma para si a tarefa de organizar os jovens num grande bairro de Havana. No ano seguinte, durante o Congresso Nacional Constituinte da Juventude, ele, com 15 anos, é eleito membro do Comitê Central.

Aos 16 anos de idade Jorge comanda o jornal quinzenal “Mella”, que levava o nome de um grande comunista cubano, e ali ficou até os 20 anos. “Os trabalhadores cubanos sempre foram muito politizados. Para se ter uma idéia, quando Lênin morreu, as tabaqueiras pararam em sua homenagem, e nas guerras de independência do século XIX entregavam dinheiro – um dia de salário por semana – para comprar armas, tarefa que realizava o partido Revolucionário Cubano, fundado por José Martí, para preparar a terceira e última guerra de independência de Cuba. Em 1951, quando acontece o golpe de estado que eleva Batista ao poder, Jorge é um dos que se manifesta contra pelo rádio, na região de Matanzas onde encabeçava a Juventude Socialista e a polícia o persegue. Meses mais tarde vai para o exterior como representante da Juventude Socialista cubana na Federação Mundial da Juventude Democrática. Nesta função ele circula pela América Latina, Europa central e Leste europeu.

É em 1952, em Viena, na Conferência Mundial pelos Direitos da Juventude que Jorge conhece o jovem Raul Castro, então com 21 anos e representando a delegação cubana no evento. Dali eles atravessam a cortina de ferro e seguem para Bucareste, onde iriam organizar o Comitê Preparatório do Festival Mundial da Juventude. Lá ficam de dezembro de 52 a abril de 53. Raul segue para Paris de onde embarca para Cuba com dois guatemaltecos. Mas, o fato de os dois companheiros terem desembarcado cheios de livros “subversivos” fez com todos acabassem presos. Os guatemaltecos logo saíram por intervenção da embaixada do seu país, ainda sob o comando de Jacob Arbenz. Mas Raul ficou. Foi um brilhante jovem advogado quem entrou com um habeas corpus que tirou Raul da cadeia pouco menos de um mês do ataque ao quartel Moncada, que desataria a revolução cubana. O advogado bom de conversa era Fidel Castro. “Por pouco Raul não perde a ação de Moncada”.

Quando acontece Moncada Risquet está Bucareste, justamente nos dias do IV Festival Mundial e já começa a articular uma campanha internacional pela libertação dos prisioneiros, afinal Raul era um membro da juventude e organizador do festival. Foi por aqueles dias de organização de campanhas e festivais que Jorge conhece, em Bucareste, o jovem estudante de medicina Agostinho Neto que mais tarde viria a ser uma das mais importantes lideranças de libertação da África negra. Junto com ele, freqüentando os alojamentos latino-americanos – embora representassem Portugal – iam também a Marcelino dos Santos.

Em 1954 Jorge embarca para Guatemala, onde ia organizar um festival regional de apoio ao processo revolucionário, mas o golpe e a queda de Jacob Arbenz, impede que o mesmo aconteça. É naqueles dias que Risquet conhece Che Guevara, então vivendo no país. “A ditadura na Guatemala foi uma das mais ferozes. Foram 30 anos matando gente, mais de duzentos mil mortos”. Risquet logo sai da Guatemala em setembro de volta para Europa e Che segue para o México, onde encontraria Fidel.

Nos primeiros meses de 1955 Jorge veio para o Brasil, onde tentou organizar um encontro de estudantes no Rio de Janeiro, mas foi espinafrado por Carlos Lacerda. Foi Jânio Quadro, então governador de São Paulo, quem permitiu o festival, que acabou sendo bem pequeno, mas cumprindo com os objetivos.

A guerrilha em Cuba

Todo este trabalho organizativo na juventude comunista desde os 13 anos de idade acabou sendo a porta de entrada de Jorge Risquet para a atuação na luta que se forjava em Cuba. No ano de 1955 ele volta para a ilha clandestinamente e passa a comandar a Juventude de Havana. Por conta de sua atuação acaba preso em dezembro de 56 e chega a ser dado como desaparecido. Nestes dias é brutalmente torturado, tendo as unhas arrancadas, mas não lhe arrancam qualquer informação. Quando consegue sair, volta a atuar clandestinamente organizando a juventude. Depois sai de Cuba, disfarçado, para organizar reuniões com os partidos comunistas no México, Caribe e Venezuela. “A idéia era dar a conhecer sobre Fidel, quem ele era, o que pretendia, e buscar apoio para a luta em Cuba”.

Quando a guerrilha é instalada na Sierra Maestra, logo começa a expandir-se para outras regiões do país. Raul funda então a “segunda frente” e manda buscar Risquet para coordenar a criação de uma Escola de formação. A proposta era tornar os rebeldes sujeitos conscientes sobre contra o quê estavam lutando. “A gente trabalhava no sentido de fazer compreender que o combate era contra o imperialismo. E, naqueles dias, sob o comando da “segunda frente” tínhamos mais de 11 mil quilômetros quadrados de território liberado. As escolas proliferaram”.

Jorge Risquet fez-se então o primeiro formador político do exército rebelde no Oriente e quando a revolução triunfou ocupou o cargo de chefe do Departamento de Cultura do Exército do Oriente publicando revistas e preparando quadros para o governo revolucionário. E assim foi até 1965, organizando, na região oriental, o novo Partido Unido da Revolução, hoje chamado Partido Comunista. Mas, no mês de junho, ele recebe um chamado de Fidel. Diz o comandante que Che Guevara está no Congo, ajudando na luta por libertação, e que precisa de mais uma coluna de combatentes por lá. É quando começa a se formar o batalhão Patrício Lumumba, que seria comandado por Risquet.

A gesta africana

Enquanto Cuba encerrava a luta heróica contra a ditadura de Batista, lá do outro lado do mundo outro povo vivia a tarefa de se libertar das colônias européias. Em 1960, o Congo belga logrou sua independência sob o comando de um jovem negro, Patrice Lumumba. Mas, pouco depois de ser eleito primeiro-ministro e iniciar uma mudança radical no país em busca de melhorias para o povo, Lumumba foi preso, torturado e assassinado depois de um golpe de estado promovido com a ajuda da CIA, dos Estados Unidos. Também em 60 a França concede a independência ao outro lado do Congo, chamado de Congo francês. Mas quem fica na presidência é um vassalo, Folbert Youlou, que governa com mão de ferro até 1963, quando com revolta popular, o governo cai e acontecem eleições. Massemba Debat é eleito presidente. No lado belga, os partidários de Lumumba seguiam lutando contra a ditadura e os acontecimentos na parte francesa acendem esperanças de verdadeira libertação, até então não acontecida.

Em 1964, a região era um caldeirão explosivo. Mercenários brancos chegavam ao Congo belga com o apoio dos Estados Unidos e regressa ao poder Moises Tshombe, um conhecido anticomunista que ajudara na captura e no assassinato de Patrice Lumumba. É quando o governo do Congo francês pede ajuda a Cuba para que mande alguém capaz de treinar o exército local, uma vez que se aproximava a possibilidade de uma guerra entre os dois Congos.

Quem vai à África, em janeiro de 1965 é o próprio Che Guevara, que se encontra com Debat e com o então presidente do Movimento Popular de Libertação de Angola, Agostinho Neto, para ouvir dos dois comandantes como estava a situação. Assim, em abril do mesmo ano, Che retorna com um pelotão de 14 soldados cubanos – que semanas depois seriam 120 - chamado de Coluna Um, e entra na África pela Tanzânia. A proposta é treinar os lumumbistas e também os combatentes da Frente de Libertação de Moçambique. Meses depois, era a vez de embarcar para África a Coluna Dois, esta dirigida por Jorge Risquet, com mais 250 homens. “Nós fomos ajudar militarmente na integridade territorial, na luta contra o colonialismo, contra o racismo, contra o apartheid. Era uma obrigação histórica visto que daquele continente saíram mais de um milhão e 300 mil homens e mulheres, levados para Cuba como escravos. Em Cuba, estávamos começando a organizar nossa própria casa, mas não podíamos deixar de ajudar”.

Poucos anos depois da vitória cubana, o internacionalismo já aparecia como uma marca do novo governo. E foi muito em função desta participação de Cuba nas lutas de libertação africana que o processo revolucionário naquele continente cresceu.. Desde aqueles dias dos anos 60, 380 mil soldados cubanos passaram pela África, além de 100 mil outros colaboradores nas áreas da saúde e educação e outras. Dois mil e setenta e sete cubanos caíram em combate no solo africano e são considerados heróis nacionais. “Nós, em Cuba, não damos o que nos sobra. Compartilhamos o que temos, e assim foi com a África.” Também neste período, mais de 35 mil jovens africanos foram a Cuba estudar, sem qualquer custo. “Nossa contribuição também se dá na formação e assim vamos caminhando junto com a África que está a 10 mil quilômetros de Cuba, mas também está no nosso sangue”.

Jorge Risquet lembra que o internacionalismo é algo que faz parte da consciência do cubano, e não é coisa que ocorre só depois da revolução dos anos 50. Martí já ensinara que “pátria es humanidad”. Por conta disso vão-se encontrar cubanos lutando com Lincoln, pela libertação dos Estados Unidos, com Benito Juarez, pela libertação do México, com Simón Bolívar. “Na guerra do Vietnã mais de 400 mil cubanos se inscreveram, por livre vontade, para lutar junto ao povo daquele país. Só não foram porque os vietnamitas não quiseram. O internacionalismo é uma razão ética e política. Se nós em Cuba logramos ter assistência médica perfeita e educação de altíssima qualidade, por exemplo, é nosso dever levar isso aos irmãos que ainda não têm”.

A participação cubana na África se estendeu do Congo para Angola, onde também foram treinar jovens soldados e ajudar Agostinho Neto na luta contra o domínio português e os mercenários. Depois, nos anos 70, lá estavam outra vez os cubanos, sob o comando de Risquet, com instrutores militares, médicos e professores. “Passado meio século, a gente vê que Cuba esteve esse tempo todo na solidariedade com a África, desde o golpe contra Argélia em 1963, quando mandamos para lá todas as armas apreendida dos estadunidenses durante a fracassada invasão de Playa Girón, e retornamos com 100 crianças órfãs de guerra. Estivemos peleando com o fuzil na mão, mas também com a presença civil de médicos, professores e engenheiros”.

A Cuba de hoje

O povo cubano segue fielmente a lição de Martí, e considera toda humanidade como pátria. Por isso se desdobra em levar seus avanços na ciência e na educação para aqueles que ainda não lograram as vitórias que Cuba já conquistou. Atualmente existem 27 mil cubanos na Venezuela, e outros milhares espalhados por vários países, principalmente no campo da saúde. Seguem três mil em Angola, sendo que 900 são médicos, fazendo a diferença. Não foi à toa que Jorge Risquet recebeu a grata surpresa de ouvir, no auditório da Universidade Federal em Santa Catarina, o depoimento de dois angolanos sobre como haviam sido operados por médicos cubanos e alfabetizados por professores, também de Cuba.

Desde a revolução de 59, mais de 100 mil estudantes de vários países de África, América Latina e Ásia fizeram sua graduação em Cuba, todos com bolsa integral. “Quando tivemos um tempo bem ruim (a partir de 1991 com o desaparecimento da União Soviética e do campo socialista da Europa) nós perguntamos a eles se queriam ficar e dividir a pobreza conosco. Nunca os abandonamos”. Risquet conta que dos 55 países africanos, 54 têm relações com Cuba. Em Havana existem 20 embaixadas de países africanos e Cuba está em 30 deles. Todos estes países sempre votaram contra o bloqueio criminoso que os Estados Unidos tem contra Cuba e há comitês de apoio a Cuba em quase todos os países africanos. A Namíbia, recentemente, enviou dois milhões de dólares em ajuda a Cuba e até o Timor Leste ajudou, depois da passagem de um furacão. “A África sabe o tanto que Cuba lutou pela sua libertação e reconhece isso. Na Etiópia existe um monumento ao soldado cubano e na África do Sul, num outro monumento que recorda os mortos das lutas libertadoras, estão gravados os nomes dos 2.077 cubanos que deram seu sangue pela pátria africana. Outro dia, na Namíbia, o presidente Raul Castro foi recebido pelo povo, que cantava Guantamera (em espanhol). Isso mostra o quanto África ama Cuba”.

Jorge Risquet, que foi o homem de Cuba em toda a campanha militar africana tem agora 79 anos de idade. Desde aqueles dias em que dava aula para os meninos pobres do solar, onde vivia em um quarto apertado, já se vão 68 anos. É tempo demais. Mas, o garoto que correu o mundo a organizar a juventude comunista, que comandou batalhões na grande África, que fundou escolas e jornais, que foi Ministro do Trabalho, Deputado e Membro do Comitê Central do Partido Comunista Cubano, (desde sua criação há 44 anos) segue tão animado quanto naqueles dias gloriosos dos anos 60. Diariamente ele sai cedinho de casa e vai para o trabalho, no gabinete do presidente Raul Castro. É que há tantas coisas ainda para conquistar. Ele olha para a América Latina e vê tantas mudanças, a Venezuela, o Equador, a Bolívia, os povos em luta. E se emociona. “Cuba esteve um tempo sozinha por aqui, mas resistiu. Cuba resistiu a Bush. E vamos seguir acreditando na capacidade do povo de se organizar e conquistar sua liberdade. Veja a América Latina agora, nunca se viu um movimento como este. Mas, sabemos que o inimigo atua, o imperialismo tem planos e pode haver retrocesso. Aí está Honduras, a IV Frota, as sete bases militares ianques na Colômbia. Há que ver o perigo, mas há também que ser otimistas. Cada país, com seu povo, há de encontrar o rumo seguro para uma vida soberana”.

Existe vida no Jornalismo
Blog da Elaine: www.eteia.blogspot.com
América Latina Livre - www.iela.ufsc.br
Desacato - www.desacato.info
Pobres & Nojentas - www.pobresenojentas.blogspot.com
Agencia Contestado de Noticias Populares - http://www.agecon.org.br/