segunda-feira, 31 de agosto de 2009

ANSELMO

ANSELMO

Paulo Matos (*)


Desmascarado e com um velho e desgastado discurso anticomunista típico e datado, Anselmo – o líder da Revolta dos Marinheiros de 64, insubordinação militar que quebrava a hierarquia e teria provocado o Golpe Militar - não volta sozinho. Os jornalistas que o entrevistaram muniram o Ministro Tarso Genro dos elementos para endossar sua tese e negar a Anistia a um delator covarde, atrelado à direita há quase meio século, antes mesmo do Golpe. Foi o que se caracterizou dezenas de vezes em um cuidadoso e articulado trabalho jornalístico. Sergipano, não tem semelhanças com Jonas, morto a pontapés, personagem obscuro e sorrateiro.

Confuso na tese que encampou, Anselmo justificou as delações às ameaças de morte que recebeu dos algozes que o teriam torturado, mas deles se tornou amigo. Admirador do delegado torturador da OBAN Sérgio Paranhos Fleury, Anselmo defende com entusiasmo os quadros da direita, aliados seculares. Seu advogado deveria retirar seu pedido de Anistia – que é para heróis e não para covardes -, em face do fracasso do depoente em justificar-se, mesmo tendo sido seminarista e ajudante do capelão. Quando protesta contra o atendimento da Anistia apenas à esquerda que confessa que não foi, nega o espírito da recomposição nacional após o enfrentamento.

O torturador Fleury se tornou seu amigo e lhe salvou a vida com uma operação plástica, depois de concluída a destruição da esquerda, como antes havia feito mesmo o agente infiltrado Cesar, mesmo sendo seu carcereiro. Traidor emérito, Anselmo alegou ter mudado de lado em um “click”, subitamente repudiando os ideais da Revolução Socialista sem nenhum estimulo Com um prolixo discurso de direita, insiste em sua tese de mudança ideológica mal contada e mal urdida de quem nunca foi.

Formado na fé católica, Anselmo quer salvar-se do fogo dos infernos, desde já dizendo que nunca foi marxista para não atrapalhar seus planos de ida para o céu de Bento XVI. Só não explicou como vive sem as verbas dos carrascos ate hoje – subliminarmente enunciando sua manutenção em quadros. Teria sido de Marighela o discurso que fez às vésperas do Golpe, análises que ele não teria mesmo condições de elaborar. Para ele, até FHC é “socializante”.

Com Anselmo ressurge todo um arcabouço capaz de deixar o relato de do livro “1964, um golpe de classe“, de René Armand Dreyfus - o plano de reversão de um projeto coletivo de reforma social no Brasil, os preparativos do Golpe de 64 - coisa de criança. Cooptado pelo sanguinário Fleury, de quem foi “cachorro”, delator, o único erro da esquerda que aponta corretamente foi sua admissão, permitindo sua ação deletéria da luta armada. Dela faz parte a ressurreição deste antigo líder da Revolta dos Marinheiros de 64, responsável por massacres. Armava ciladas para os antigos companheiros, agente da direita que foi e é. Quando encurralado, diz que sua memória “apagou”.

Eles, os quadros da direita, estão voltando por cima para o genocídio final ao estilo das superproduções cinematográficas dos gringos. Aparecem um de cada vez. Agora, Anselmo, velho rato de esgoto, o que entregou a própria mulher Soledad - e seu filho no ventre - aos carrascos, para não perder a oportunidade de matar seis ex-companheiros. Anselmo reapareceu depois de solicitar sua Anistia. Como os resistentes.

A volta de Anselmo será apresentada como “modernidade”, sem rancores, só a lembrança e as lágrimas. A postos, a proteção de Gilmar Mendes e do STF. Logo uma campanha lhe fará uma festa e uma homenagem, nesta era de falsos heróis. Eles voltam e outros se revelam em suas alianças e comportamentos, traem seu passado, voluptuosos espécimes da vergonha que se juntam aos que nos mataram e torturaram.

São tristes estes tempos. Eles dominam, se expandem, infiltram-se, protegidos, são feitos aliados do que colocamos no poder. Se abraçam e se armam por trás das cortinas para o golpe final, como Pinochet. É a ascensão ideal de uma proposta social privatista e egoísta que mata e destrói, que cultua o “Tanatos” - que para implantar-se necessitou de episódios trágicos como o Massacre da Lapa e do cabo da Marinha no esmagamento de ideais coletivos.

Anselmo reaparece. Mas sem nenhuma reação? O filme “O mistério do Expresso Oriente” daria a fórmula, em que todos e não um passageiro eliminaram um criminoso. O sentimento de dor e frustração dos filhos, netos, esposas e amigos são inevitáveis, em uma época em que a solidariedade e a bondade serão objeto de uma próxima Reforma Lingüística para sua extinção, conjugações de alienados que são com seus pensamentos antiquados de restauração das sociedades igualitárias. A modernidade sem honra se chama Anselmo.



(*) Paulo Matos Jornalista, Historiador pós-graduado e Bacharel em Direito

E-mail: jornalistapaulomatos@yahoo.com.br

Twitter: www.twitter.com/jorpaulomatos

Blog: http://jornalsantoshistoriapaulomatos.blogspot.com

BETH FEIA

BETH FEIA

Paulo Matos (*)

Beth se foi. Bastou dizer Beth para compreender o significado do triplo vocábulo. Quem era essa Beth? Ora, ela construiu seu espaço no silêncio, na afeição, no cuidado do trato, no amor. As pessoas eram doces, solidárias e sensíveis em 68, lá na turma que fazia acontecer a cidade e o mundo na Ponderosa do Demétrio, há mais de 40 anos.

Mas Beth Feia, como chamavam aquela grande alma, para diferenciá-la da Beth Bonita, era mais doce e solidária, espalhando flores em tempos de cassetetes, canhões e cadeiras-de-dragão da tortura. Era transcendente, além da experiência metafísica, sem a imanência limitada, compreensão além.

Beth era essencial àquele meio, que sem seus valores não sobreviveria. Ela nunca viveu para si e nem nunca se preocupou com ela mesma, seu objetivo era o mundo e as pessoas. Cuidava daqueles seres passivos diante da grandeza do sol, pequenos, falantes, nervosos e pretensiosos, enquanto ela sabia que o que alimentava sua existência era ajudar, se calava. Cuidou da mãe, de Fabi, de todos enquanto existissem. Agora, chegou sua vez de encerrar sua missão divina na terra, emérita defensora da igualdade.

Não era bela, mas mesmo assim seu coração se repartia, sua preocupação constante era ajudar alguém. Não era a Beth Bonita do Edmir, o líder estudantil que fazia química e integrava a Junta Governativa do Centro dos Estudantes. Mas foi a Beth Feia que criou o belo bebê que ele fez com uma militante paulistana que surgiu por aqui enfeitiçando corações, morena jambo de voz doce.

Este bebê se tornou Fabi, hoje Mesquita, que Beth Feia fez crescer bela e intelectualmente formada nas causas da Revolução necessária. Casou-se com o médico humanitário Fábio e hoje habita terras distantes com ele no ideal de cuidar das pessoas com AIDS. Indonésia vítima do Tsunami, lugares miseráveis da terra onde existem seres humanos. Beth comprava livros em quantidade, acima da sua e da nossa possibilidade de lê-los, alimentando nossa fome de conhecimento.

Beth andava sempre compenetrada de seu dever maior de ser antes de ter, de ajudar antes de usufruir, modesta restrita ao seu espaço de servir, apenas – o que lhe garantia a vida. Teatro, história, crítica de arte, filosofia, poesia de Maiakovski a Vinicius nestes tempos de Maurice, estratégias de ação política. Era Beth aliada daquela turma aventureira do ideal que bebia, ria, discursava e chorava nas madrugadas sem ação trazendo angústia, em tempos de fossa.

Era ela, que liderou movimentos na esquerda, não a das ações objetivas e conjunturais, não das palavras de ordem de repúdio aos ditadores, mas como para socorrer companheiros, inclusive este que vos escreve. Quando me acidentei com Edmir há 40 anos, no final de 1969, internado, ela reunia os recursos e os entregava à minha mãe – que como todos têm dela doce lembrança.

É ai que as peças se juntam e mostram unidade na ação, incorporam valor e sublimam a história dos personagens de um tempo vital da construção de uma identidade, de uma fome e desejo de justiça e revolução. Beth Feia. Edmir, eu, Fabi, Fábio, minha mãe que conseguiu me fazer sobreviver para continuar, a cidade e o mundo no reflexo de Paris de 68 da Sorbonne e Naterre.

Como Thomas Mann escreve sobre Schopenhauer e sua altiva misantropia, mas que jamais renega sua idéia do homem: sua sensibilidade espiritual, sua doutrina, que era vida, conhecimento, pensamento e filosofia não são apenas ocupação da cabeça, mas da integralidade do ser, coração, sentidos, corpo e alma, em uma palavra – o que dela faz uma artista. Beth. Adeus. Outros virão e saberão de tua memória, La Passionária da nossa história que soube existir. Eles, os egoístas, ah, eles não passarão!



(*) Paulo Matos Jornalista, Historiador pós-graduado e Bacharel em Direito
E-mail: jornalistapaulomatos@yahoo.com.br
Blog: http://jornalsantoshistoriapaulomatos.blogspot.com

segunda-feira, 24 de agosto de 2009

TRISTES TEMPOS DE MÁQUINA - O espaço divino das árvores da cidade

TRISTES TEMPOS DE MÁQUINA
- O espaço divino das árvores da cidade
Paulo Matos (*)
Agosto, 2009

Nestes tempos do centenário de Burle Marx, o maior paisagista brasileiro e descendente do mestre, genial cultor da beleza vegetal e de suas combinações cromáticas originais, a repressão às árvores nas calçadas segue intensa em nome do “progresso” que, insano, asfalta. Na ótica da limpeza e da assepsia, da suposta ordem sem conteúdo humano da recusa de fazer jardins em volta dos vegetais, nivelados com a sujeira em função da terra. São tristes estes tempos de transformação de jardins em garagens, como já se quis fazer nesta cidade.

Nos 55 anos do Parque do Ibirapuera na Capital, nascido de um horto florestal, nossa saudação à natureza. Em anexo, um pedido de socorro. As árvores foram declaradas inimigas, mostras da natureza que são. Dizem-nas “inapropriadas” pela expansão de suas raízes, que quebram as calçadas, os que tomaram os espaços à força para construir pouco-generosos espaços de cimento cinza ou negro de asfalto quente. Perdemos um seqüestro, este saudável, o de carbono, contribuímos para a crise global.

Com a retirada das árvores, perde o ambiente com a ausência de absorção de água pelas raízes, na impermeabilização progressiva pelo asfalto aquecendo o clima urbano. O que há de se mudar, ao invés do tipo de árvores, como designam os técnicos que ordenam podas abrindo espaço às pragas como epífitas destruindo as árvores e provocando seu corte – com perigo de quedas de galhos durante vendavais e tempestades.

Não é casual nem isolada esta tendência das pessoas reclamarem até do excesso de folhas que caem, um belo fenômeno da vida rejeitado, na mostra da sociedade se desumanizando. São tristes estes tempos de desvalorização do conteúdo humano do urbano, a beleza dos jardins e do verde, em que as pessoas se recusam a cuidar além de sua porta. Saudades dos tempos solidários.

Com a saída das árvores substituídas por espécimes esquálidos que raramente sobrevivem em nossos dias, perdem as agradáveis sombras e o frescor do ar, aumenta o barulho e o aquecimento global - o que ocorre com a retirada de árvores frondosas em função dos incômodos. Ou mesmo por razões supostamente estéticas, como na Avenida Ana Costa, onde centenas de árvores de mais de 50 anos foram arrancadas insanamente nesta ótica. Vem ai a devastação dos jamboleiros do Canal 3.

À expansão natural das raízes de espécimes chamadas fototrópicas, que ficam na superfície da terra e quebram os passeios em busca da luz, a reação dos moradores é cercar de cimento os espécimes da natureza, enforcando-os e retirando-lhes a possibilidade de oxigenarem-se através da terra. O reverso são as geotrópicas, que tem raízes que penetram no solo. Com as podas sem preparação, temos 60% das árvores contaminadas por pragas.

De quebra, perdemos com esta expansão do cimento gentis canteiros nas calçadas, trazendo flores à paisagem e ao convívio das pessoas - que só não gostam deles na porta de suas residências. Um grande número de árvores vive hoje sufocado pelo cimento e existem milhares de pedidos de remoção de árvores frondosas, por motivo de suas raízes quebrarem as calçadas impostas sobre seus sustentáculos. São tristes estes tempos de máquina.


(*) Paulo Matos
Jornalista, Historiador pós-graduado e Bacharel em Direito
Fone 13-38771292–97014788

1968 EM FLASHBACK - O CONTO


A AVENTURA NA REBELIÃO DE EROS

PAULO MATOS


O ASSALTO AOS CÉUS



Esta é uma história real que conta uma face do agitado ano de 1968, da Revolução Estudantil que varreu o mundo, na ótica de um jovem integrante de 17 anos, por acaso este autor.

É uma história de amor e revolução, música e poesia, lembrança de quem ingressou em uma volúpia revolucionária nesse ano e que, ao final do ano seguinte, “sai do ar” em um acidente de carro.

A história mesmo começa lá pela página seis... Mas já tinha chegado o Ato Institucional número Cinco da Ditadura Militar, com intensa e cruel repressão aos movimentos populares - e a luta armada a opção.

Era o clímax da luta e o fato ocorria na mesma hora que em São Paulo matavam Marighela, o líder da reação armada, a Ação Libertadora Nacional.

Mas Paulinho estava fora do jogo, um trauma de crânio junto com Edmir, um dos líderes do movimento estudantil na cidade, membro da Juventude Comunista do PCB.

Após a coma de um mês, Paulinho recupera-se e busca reconstituir a trajetória, o que consegue contando-a em “flash-back”, procurando reconstituir sua cabeça que saiu do ar. Afinal, o que foi 1968?

Antes, em 1871, maio, no mesmo mês que 1968 explodiria Paris, os trabalhadores tomavam o poder na cidade, recusando a capitulação vergonhosa do exército francês diante da Alemanha.

Mas os militares, que foram derrotados na guerra externa, foi ágil em massacrar com requintes de crueldade o povo de Paris, em bárbara repressão jamais vista. De 21 a 28 de maio, 20 mil franceses foram chacinados, após esboçarem uma nova sociedade, em novas regras de convivência.

Ao escrever sobre episódio, construindo a teoria da necessidade da organização operária para tomar o poder, Karl Marx disse que a Comuna de Paris, o efêmero da direção da sociedade pelos trabalhadores, foi um frustrado “Assalto ao Céu”.

A humanidade jamais desistirá sejam tantas e quantas as derrotas e castigos. É do espírito humano a vitória da vida sobre a morte, de Eros sobre Tanatos. É nesse espírito nossa aventura, que foi real.


O AUTOR

Paulo Matos é Jornalista, historiador pós-graduado e bacharel em Direito, formado pela Universidade Católica de Santos. Escritor, Paulo Matos tem 56 anos.

Autor do livro lançado em 2004 no tema da luta antimanicomial, “Anchieta, 15 anos – a quarta revolução mundial da psiquiatria”, no registro do ato que resultaria na Reforma Psiquiátrica brasileira, foi militante político do movimento estudantil e popular desde a puberdade.

Paulo Matos escreveu centenas de crônicas em diversos jornais e revistas e é autor de livros sobre transporte coletivo urbano, o livro ( “Transporte coletivo em Santos, história e regeneração”, editado pela Prefeitura de Santos, no governo do Prefeito Oswaldo Justo, em 1987). E sindicalismo portuário (“Caixeiro, conferente, tally clerk – uma odisséia em um porto do Atlântico”), uma detalhada história da construção sindical escrito junto com o também jornalista Mauri Alexandrino, editado em 1997 pela Prefeitura de Santos, Prefeito David Capistrano.

Paulo Matos é autor também de ensaios sobre arquitetura (“Santos/ Jurado, a ilha e o novo”), sobre o arquiteto e construtor do edifício Parque Verde Mar, em Santos, e de uma dezena de prédios em São Paulo, que o tornaram famoso pelo estilo arquitetônico, João Artacho Jurado) e história, em que ganhou o Prêmio Estadual Faria Lima de História em 1986, promovido pelo Governo do Estado – em um trabalho que conta a trajetória do movimento operário livre em Santos desde seu nascimento após a Abolição, fins do século XIX.

Com o titulo “Santos libertária, imprensa e movimento operário, 1879/1920”, este havia sido seu Trabalho de Conclusão do Curso de Jornalismo e foi ampliado e apresentado como sua monografia de pós-graduação em história em 1992, depois de ganhar o prêmio estadual Faria Lima de história em 1986 – buscando patrocínio para publicação da obra histórica inédita sobre o período em que se originaram os sindicatos no Brasil e em que Santos era um dos três principais pólos.

Formado em Direito em 2002, apresentou como Trabalho de Conclusão de Curso a monografia “Catracas, cobradores e direitos sociais”, em que mostra todas as infrações legais praticadas pelos empresários do sistema de transporte coletivo em Santos - de cuja luta participou há 20 anos, como membro da coordenação da Associação dos Usuários - tendo sido vítima da Lei de Segurança Nacional em 1984.

Como militante da organização popular, foi o coordenador da legalidade dos ambulantes de praia e de sua legalização pela primeira vez no país, em uma luta iniciada em 1983 e conquistada em 1986. Membro da coordenação da Associação dos Usuários do Transporte Coletivo, em 1984, foi indiciado na Lei de Segurança Nacional, então o último do país, sendo demitido, anistiado político em 1998.


O QUE FOI 1968?


Depois de mais três décadas, 1968 ainda está em estudo, garantem os especialistas em análises sociológicas, históricas, psicológicas, pois explodiu em diferentes formas no mundo, a favor e contra o marxismo e o stalinismo, contra o racismo, a guerra, a Ditadura Militar brasileira que torturava e proibia, enfim.

O espírito de 1968 correu sem a Internet, que não existia. Foi a globalização da revolta, ansiosa por um mundo novo, produzida pelo espírito de Eros, a exarcebação da libido. Foi profético.

No pós-guerra iniciou-se imediatamente outra guerra, esta fria, antes mesmo de contados os mortos de Hiroshima e Nagasaky, no genocídio norte-americano. A possibilidade de o Japão render-se a União Soviética desenhava uma possibilidade em que a história seria outra – e o mundo diferente, com a expansão das áreas sob controle do regime comunista. Para evitar esta possibilidade é que foram detonadas as bombas atômicas, na afirmação da vontade imperial de Tio Sam.

Impostos pela força visível do poderio militar, a Carta de São Francisco que estruturou a Organização das Nações Unidas, afirmando a Declaração dos Direitos do Homem das revoluções francesa e norte-americana do século XVIII, não eram instrumentos de paz, como aparentava.

Logo vieram os conflitos da Coréia e do Vietnã, no enfrentamento entre a organização popular comunista e as oligarquias locais apoiadas pelos Estados Unidos. Colocava-se frente a frente este país e a União Soviética, até a pouco juntos contra o nazi-fascismo de Adolf Hitler.

A concorrência entre os modelos econômicos mostrava que a antiga Rússia, em 50 anos, ascendera econômica e militarmente com sua economia planificada, deixando de ser um país feudal para ingressar na supremacia mundial.

Mas a concorrência bélica fraudou o que seriam benefícios para as populações maltratadas pelos czares, fortalecendo, diante das ameaças do império norte-americano, o militarismo. O ideal de igualdade interna foi substituído pela competição.

A formação de classes dirigentes havia sido uma decorrência do conflito dos grupos que fizeram a Revolução de 1917, da oposição operária de Alexandra Kollontay e os setores organizados que até então reuniam em um só grupo Stálin, Lênin, Trotsky, Kamenev, Bukharin e o resto. Era a teoria das vanguardas, da qual se arrependeriam após sentir o stalinismo matando a todos, após a morte de Lênin em 1924 – o Pai da Revolução bolchevique.

A Rússia colocou o primeiro homem em volta da terra, Gagarin, que disse que ela era azul. Na competição, porém, estava a própria destruição do sistema igualitário com que sonhou Marx. E o autoritarismo substituiu a democracia popular, oferecendo privações e prisões, repressão.

A Checoslováquia quisera humanizar o socialismo com Alexander Dubcek, que fez a ”Primavera de Praga” em 1968. Invadida pela União Soviética, Dubcek terminou a vida como jardineiro, cargo designado para penitenciar-se de ter construído a possibilidade da primavera em seu país.

O livro “Civilização na Encruzilhada”, de Radovan Richta, anunciava o controle do mundo pelos que se apropriassem das novas e fascinantes descobertas científicas, prenunciando o que ocorreriam hoje com o neoliberalismo invadindo sem armas todos os lugares do planeta, na globalização dos de cima que não é a preconizada pela Internacional de 1864 e 1868, que reuniu as lideranças dos trabalhadores e os apólogos da Justiça Social.


UMA HISTÓRIA REAL

1968 EM FLASH-BACK
UMA AVENTURA NA REBELIÃO DE EROS

A imagem no espelho, já em casa, pela primeira vez após aqueles tempos enevoados, só lembranças do hospital. Perguntas a mim mesmo: o que teria ocorrido, na verdade? Falavam-me de um acidente de automóvel. Cheguei a cogitar sobre um acidente de trabalho, naquele meu grau de envolvimento nas ações contra o regime, às vésperas do confronto armado.

Sentia-me participante da fase final da Revolução de 1968. Aquela que, iniciada há um século no Congresso da Internacional Socialista, transformaria a sociedade, econômica, social e culturalmente.

Isso foi a pouco mais de três décadas, no paradigma de Paris. Eu era um soldado integral desse processo. Não acreditava que tivesse sido um acidente, final inverossímil daquela grande história.

Como 1968 durou tão pouco e significou tanto, para tantos ? Seria a rebeldia secular? Em 1868, depois de reingressar no curso de Direito da São Francisco, em São Paulo, o poeta Castro Alves explodia libertário no Rio de Janeiro para derrubar a escravidão, na causa que concretizou sem ver o fim, até hoje incompleta.

Foi contra essa marca que se rebelou 1968. Castro estava nessa. Os dois, o da poesia e o da ilha do Caribe, mesclando materialismo com romantismo, buscando a liberdade além da mera formalidade – adequação ao futuro, desconstrução, desafio como aquele ao Tio Sam.

Aquela marca na garganta, já cicatrizada, da traqueotomia - um rasgo feito na carne para poder respirar, com as vias aéreas tomadas pelo sangue -, revelava que algo de fato acontecera. Há três meses fora do ar, já era fevereiro de 1970. Lembrava das tentativas de fuga do hospital, contidas. As lembranças remontavam 1968.

A emoção do enfrentamento com a repressão, total e absoluta – real e psicológica, juvenil, de Eros -, soldados nas ruas com cassetetes e bombas, agentes e fardas em toda parte, o medo com sabor de atitude, o enfrentamento temido.

A angústia com a consciência da desumanidade vigente, a miséria, a opressão. Éramos realistas, agíamos, exigíamos o impossível em 1968. Éramos também um pouco Byron, melancólicos.

Foi aquela minha saída da Ponderosa, o nosso point, como se diz hoje, de carro, com o Edmir. Era o final do ano de 1969, novembro, quatro. Panfletos, esquemas, planos, palavras de ordem.

Quase meia-noite, chovia. Havia ido buscar Nadir na escola, pela primeira vez. A conhecera e me apaixonara um dia antes, quando eu e o Lélio Kolhy levamos uma turma de jovens para visitar o Pavilhão Soviético na Bienal paulistana. Tarefas para levar consciência aos alienados, como chamávamos os jovens desinteressados da política.

Depois, levamos a turma ao Teatro São Pedro, para assistir a peça de Ibsen, O inimigo do povo, com o Serafim Gonzalez. E começamos um namoro, prejudicado (ou ilustrado?) por aqueles trágicos fatos que ocorreriam. Que ela acompanhou junto, ao lado do leito. Os amores eram platônicos, ideais, pouco carnais. Abaixo o MEC-USAID ! Gabeira desce do Jornal do Brasil em que escrevia e vai fazer revolução e história, apaixonado pela Marcha dos cem mil. Coisa daqueles tempos, há tanto tempo, congelada em fotogramas rígidos.

No cinema, Malle, Truffaut, Polansky, Resnais e Forman retiram seus filmes do Festival de Cannes, em apoio ao movimento estudantil que toma Paris. Jean Luc Godard, Sartre, Gravas e Russel, Cohn Bendit e Bertolucci, entre outros, ajudaram a luta armada no Brasil, em sua fase de organização, doando fundos. Cantávamos a Marselheise após a vitória no grêmio do Colégio Canadá. Era 1968.

Na Europa, em 1868 repercutia Zola e seu livro Thèrése Raquin de um ano antes. Explode em Portugal o antimonarquismo e o anticlericalismo opressor, no auge da Questão Coimbrã.

Era o conflito das novas idéias resultantes do positivismo de Comte, do socialismo científico de Marx, do evolucionismo de Darwin com os velhos românticos de Lisboa – onda evolutiva carregada pelo novo trem ligando os lusos a Paris, a luta para superar o atraso político, moral e científico, iconoclasta.

Emanações de Vítor Hugo: era o momento da revolta, na luta da alegria e do presente para superar o egoísmo e o passado - com nostalgia do Congresso da Associação Internacional dos Trabalhadores de 1868. Como dizia o refrão de seu hino,

Bem unidos, façamos / desta luta a final / Uma terra sem amos/ a Internacional

1968 reprisava este tempo, foi uma época de transformações, erupções radicais, que esbarravam no bem-estar keinesiano da Europa, como notou Hobsbaw. Mas aqui não era assim, na colônia imperava a pobreza e a miséria, ao som dos Beatles.

Ensaiam os primeiros passos os grupos guerrilheiros, ALN, VPR - na proposta da derrubada, pelas armas, de um governo que já justificava a reação, matava nas ruas. E que tinha interrompido o fluxo de mobilização popular e evolução social, pelo Golpe Militar de 1964.

Ditaduras totalitárias e paraísos libertários eram exaltados: quem nascera no fim da Segunda Grande Guerra estava no auge da juventude. Senhores, patrões chefes supremos, nada esperamos de nenhum! Sejamos nós que conquistemos, a pátria mãe do bem comum... A Internacional ecoava.

Com 15 anos, recém saído da infância, a consciência revolucionária no calor da puberdade me empurrou, diretamente, da meninice para a militância apaixonada no movimento estudantil. Foi lá minha puberdade. Era Eros, 1968. Marcuse explicava essa unidade do impulso juvenil, que quis mudar o mundo.

Tempos em que trago a lembrança guardada em mim, na memória do vírus no sangue que, cedo ou tarde, me levará. O adquiri nas transfusões de sangue no hospital, após este acidente que encerra e principia uma etapa, nestes tempos difíceis. Mas que me fizeram feliz neste, como disse Marx, assalto ao céu. Sobrevivi e - creio – criei, ajudei a fazer o 1968 de tanta virulência. Ora, é esta mesmo uma farsa literária, um conto travestido de reportagem! Apenas narrativa.

Naquela noite do dia seguinte ao que conhecera Nadir, segui no rumo inevitável a Ponderosa, como todas as noites. Ingressando nas madrugadas, quando a noite começava - nas latentes discussões teóricas e práticas no restaurante do espanhol, fugido de Franco, Demétrio. As ações partiam dali : era o foco da rebelião, para nós universal, sob vigilância policial – cenário de aventura e amor comum.

Sandálias, barbas e cabelos compridos de calças Lee misturavam-se com clássicos no vestir, hectolitros de chope, bossa nova e jazz – rock e yankees go home – fora os Beatles, admitidos. A fossa sempre presente, cada papo era uma reunião, era ação ou angústia, seu novo nome.

O combate à ditadura ainda não conhecia o pior, que viria depois. No fim da noite, fechado o Ponderosa e expulsos os noctívagos, era a vez do Sujeirinha, aberto a noite toda – para suportar nossas glórias e lamúrias, declarações. Um filme na fita, o papo decadente de fim de noite.

Participem da faxina. Aqui, não há empregadas. É maio, é Paris.

Na Ponderosa que se reuniam os estudantes organizados na contestação, secundaristas e universitários. Também os políticos, parlamentares que logo iriam para o saco das cassações arbitrárias – os deputados da oposição, Corte Real, Gastone Righi – que namorou a luta armada e a deixou em 1968, junto com Aloysio Azevedo -, Francisco Prado, Esmeraldo Tarquínio, Mário Covas.

Cidade libertária, Santos foi a que teve maior número de cassações. E a única do país a sofrer as penas de um navio-prisão, o Raul Soares, em 64, histórias dramáticas. No início do século XX, foi um dos três principais centros anarco-sindicalistas do país, a Barcelona Brasileira. Nos anos 60, era a Cidade Vermelha, Moscou Brasileira. Pagou pela fama.

Lideranças clandestinas. Policiais, DOPS, a polícia política, atores, diretores, escritores, jornalistas, cantores, cineastas, gente da resistência - um mundo. Diziam que na Ponderosa residia a esquerda festiva, mas de lá que saíram alguns heróis para a luta armada em busca do sonho, no assalto aos céus.

Não eram exatamente os que carregavam o livrinho vermelho de Mao-Tsé-Tung. Ou o Guerra de Guerrilhas, do Che. Ou Revolução na Revolução, de Castro / Régis Debray, o jornalista francês que se apaixonou pela Revolução. Outros saíram para a droga. Eros ou Thanatos. As paixões não envelheciam.

Era na esquina da Avenida Ana Costa com a Rua Tolentino Filgueiras, no Gonzaga, o bairro turístico de Santos, que ficava a Ponderosa Ranch. A placa interna de madeira tosca, como que fatiada de uma árvore, introduzia ao restaurante. Uma denominação retirada de uma série televisiva da época - a da família Catright. Ponderosa era o nome de sua fazenda no faroeste americano.

Ponto da esquerda juvenil e adulta da cidade, das correntes intelectuais, dos artistas de todos os matizes, da música ao teatro e a literatura. João Russo dirigia A questão da espera, emoção e revolução, poemas e canções, Moacyr Felix, tempos inexoravelmente múltiplos de luz.

Na pasta, naquela noite, panfletos em elaboração e o poema de Vinícius, que levei para ler com Nadir, figura doce, de óculos redondos que conhecera no festival musical, irmã de Guilherme, meu colega de trabalho. Fui buscá-la na escola, pela primeira vez. E retornei à nascente de tudo, o Ponderosa.

Era quatro de novembro de 1969, data do acidente, o regime já fechara e os tempos alternavam fossa com euforias, presentes nas nossas ações revolucionárias. E nas notícias que chegavam, rompendo o bloqueio das vitórias censuradas no campo. Cantava aqueles tempos o poetinha Vinicius:

“São demais os perigos desta vida para quem tem paixão. Principalmente se uma lua surge de repente e se deixa no céu como esquecida. E se ao luar, que atua desvairado, vem se juntar uma música qualquer, então é preciso ter cuidado, porque deve andar perto uma mulher... Deve andar perto uma mulher que feita de música, luar e sentimento. Uma mulher que é como a própria lua: tão linda que só espalha sofrimento, tão cheia de pudor que vive nua...”

Ao chegar, logo saí com o Edmir, para tarefas, ele o presidente do Centro dos Estudantes, da Juventude Comunista do PCB então clandestino, cujo grupo renascera a entidade meses antes – membro da Junta Governativa junto com Paim e Cebola. Ao volante, inexperiente, no fusca azul emprestado. Tarefas a executar, chuva, velocidade. Um trólebus na contramão do fluxo em direção a Ponta da Praia, na avenida Epitácio Pessoa - pista única. A brecada, o rodopio, o choque com o poste, contaram-me depois inúmeras vezes.

O trauma crânio-encefálico, coma, para mim. Ele, comprido, de óculos, se quebraria todo. Na mesma hora e momento, o ex-deputado comunista Carlos Marighela, baiano e líder da resistência armada à ditadura na Aliança Libertadora Nacional, era fuzilado em São Paulo. Fora entregue pelos dominicanos, sob tortura.

Mais de 500 presos, devastação. Era o féretro do sonho de tantos, entendido por tão poucos, de modificar a sociedade brasileira. Vinte e cinco anos depois promovi a homenagem ao herói Marighela, no Sindicato dos Petroleiros, aos 24 anos de sua morte - integrando os tempos. Há, essa mania de fazer história!

1968

D. Helder Câmara, arcebispo de Olinda e Recife e líder da Igreja Católica progressista, promovia em todo o país, neste ano, o movimento Ação, Justiça e Paz, - em Santos, no ato do colégio São José, em que só se ouvira sua voz gravada em som ruim. Mas era ele.

Há 20 anos, em 1948, metade da Câmara santista era cassada, impedida de assumir, junto com todos os parlamentares do PCB eleitos no país, embora disfarçados no PST - no clima da guerra fria que se iniciava com a cassação do Partido Comunista Brasileiro e o rompimento com a União Soviética.

Da sala Torres Homem, da Santa Casa, o maior hospital da cidade, poucos saiam vivos. Foi onde fiquei, após o acidente. Entravam os traumatizados cerebrais, quatro de cada vez, três iam para o necrotério, várias séries, menos eu.

Recebi extrema-unção de um padre apressado. Brincam comigo, dizendo que fui recusado no céu e no inferno, retornando à vida milagrosamente. Ainda iria escrever muito, perturbar a vida de muita gente poderosa, estudar Direito e sentir emoções que já não existem, no universo de um Quixote pairando na imaginação que sentia real.

Foi a boa-vontade dos que me recolheram no local do acidente que me garantiram vivo. E também do Dr. Stamato, o neurologista, que veio na porta do hospital e subiu os degraus comigo no colo. Despertei após mais de dois meses, para alívio de mamãe, perene comigo. E da companheirada que atravessou dias e noites ao meu lado, que ocupava o hospital nas madrugadas, que organizou espetáculos para pagar a conta. Agentes policiais, visitas constantes. Tragédia no fronte.

A caminhada da recuperação demoraria: havia sido atingido o centro motor do cérebro, do lado esquerdo. Quase aniquilado o lado direito - em que perna e braço moviam-se com dificuldade. Pensamentos confusos, tentava escrever, sem poder, as primeiras letras com a mão esquerda, destro que sou, quase conseguindo. E tentando entender Marcuse, Mc Luhan. Queria recomeçar, recompor, rearticular. Mas em um instante, tudo havia mudado. Onde estavam a luta e a poesia ?

Eu falava mal como o Topo Giggio, diziam, um ratinho em moda nos desenhos da época. Depois viria o Sig, o ratinho do Millor no Pasquim, denunciando o burguês Topo. Angustiado, queria voltar. Para o que? Tudo havia desaparecido. E eu buscava a retomada, ainda hoje. Tentei montar com companheiros remanescentes, depois de sair do hospital, uma rádio clandestina para combater a ditadura. O projeto não se concretizou. Era outra a época, mudada pela força.

Herdaria, daqueles tempos calorosos de emoção, um vírus no fígado que descobri recente, resultado das inúmeras transfusões de sangue que recebi, então. O HCV - ou vírus da Hepatite C, não era conhecido, ainda, só seria descoberto em 1980. Não produz efeitos por duas ou três décadas, até que, alterando a estrutura das células hepáticas, estas se recompõem desorganizadamente. Vem o câncer e... espero, sem pressa: trago a lembrança gravada em mim. Espero que as novidades científicas a respeito do genoma me tragam a cura.

O que ocorrera ? Onde estavam os companheiros ? E a revolução, as tarefas ? Quem tinha caído, quem morrera ? Ninguém me respondia. As poucas visitas, cuidadosas, pareciam seguir conselhos médicos de não me preocupar. Caladas, cuidados, silêncio.

Não havia coisa pior, se soubessem! Em um lapso de tempo, tudo havia mudado com as derrotas sucessivas dos grupos organizados, da derrota das forças democráticas, na devastação operada na esquerda, durante meu sono. Depois de 2 ou 3 meses do acidente, eu estava de volta, a procura do passado, em vão.

Era necessário recompor relatos, raciocínios, elaborações, a ordem dos fatos. Era preciso não deixar morrer a lucidez, recobrar a consciência, a revolta, o que fiz. Só agora, em 2000, escrevo aqueles tempos de 1968, de novas exigências, em que tudo começou.

Em 25 de maio de 1997 desaparecia Maurice Armand Marius Legeard, o criador e mantenedor do Clube de Cinema de Santos, um dos primeiros do Brasil, surgido no intelectualismo progressista do pós-guerra, em 1948. Chapinha e companheiro deste 68 de flores e chumbo, nosso formador intelectual, ele é parte desta memória. Como Patrícia Galvão, do teatro e da militância dos anos 40, seu modelo e paixão, era o militante do ideal.

MAURICE
Personagem de época, no poema de Narciso de Andrade, comunista dos anos 40

Tigre feroz das madrugadas, Maurice não briga mais. Podeis passar levianos, com vossos passos melífluos, Maurice não briga mais. A cidade está tranqüila, na Conde D’Eu e no Outeiro, nas catacumbas do Itararé, nos antros podres do Gonzaga. Maurice não briga mais. Podeis acordar mais tarde, habitantes da grande noite, damas das vielas e das esquinas, frágeis infantes das calçadas, Maurice não briga mais.

Este é o recado que traz o vento frio da madrugada, da madrugada rubra do cais - Maurice não briga mais. Catraieiros do mercado, que levais vossas catraias, ao outro lado do estuário, sem temor da cerração, Maurice não briga mais. Proprietários dos botecos, deixais vossas portas abertas, servi vosso conhaque nas mesas, liberai o papo franco pelas manobras do álcool, Maurice não briga mais. Kurosawa, Bergmann, Fellini, que tristeza, que tristeza, Maurice não briga mais...
(POETA NARCISO DE ANDRADE, DEPOIS DA IDA DE MAURICE, UM JEITO DE 1968)


A ida de minha família para o Gonzaga, em seguida, no pequeno apartamento da Rua Luiz Suplicí, era assim algo novo, inédito. Era como chegar ao mundo. Eu vinha do Campo Grande, um bairro quase da periferia. E o novo bairro era o centro da agitação santista. Foi uma passagem na frente da Ponderosa, na Avenida Ana Costa das palmeiras imperiais, a que cheguei por acaso.

Estudava na extensão do Colégio Canadá, à noite, no prédio do Grupo Escolar Cesário Bastos, na Vila Mathias. Fui ao iluminado Gonzaga, encontrei Maurice e uns desvairados e... fiquei! Nenhum delírio poderia criar um sonho semelhante, diria o Maupassant que conheci menino, nos livros.

Lá me enturmaria com jovens adeptos de uma tal de justiça social, outros maduros dirigentes, que gostavam de cinema, livros, filosofia, artes plásticas, essas coisas abstratas. Depois da primeira prisão no Centro dos Estudantes, já em 1968, um animalesco professor de história, que diziam ser o homem do Serviço Nacional de Informações no pedaço, exigiria da diretora Jandira minha expulsão da escola.

Seu nome é conhecido: Coronel Erasmo, que depois seria secretário estadual de Segurança e faria barbaridades na repressão ao Congresso da UNE. Uma unanimidade de ódio, indivíduo da pior espécie. Abril, 17: 68 municípios se tornam área de segurança nacional. Santos, dos navios iluminados do romance do santista Prata, Ranulpho, se incluía.

Neste revolucionário 1968, Santos ainda elegeria Esmeraldo Tarquínio prefeito, em novembro. Socialista, negro, advogado, poliglota, intelectual, jornalista e cidadão do mundo, poeta, cantor de orquestra e bom papo.

Fizemos sua campanha em cima da oficina do espanhol atípico Luiz Garcia Jorge, que estava lá e que veio equivocado de Barcelona – como o Dick de “Casablanca”, atraído pela água mineral de uma cidade no deserto. A cidade perderia Tarquínio antes que ele pudesse assumir, em sua volta 14 anos depois, quando se previam possíveis as eleições.

Na época, eleito no final de 1968 foi impedido de tomar posse, cassado pela Ditadura Militar em 1969, junto com a autonomia – figura genial. Foi meu amigo e meu padrinho de casamento, o homem mais puro que conheci, disse o vereador Oliva. Conhecera Martin Luther King, o líder negro da Marcha dos Pobres sobre Washington, 4 milhões de seres. Mas eu inicio a narrativa em novembro, 69 – e vou em flash-back para 1968, para contar e entender.

1968: barricadas fecham as ruas, mas abrem o caminho. É maio, é Paris.

Janis Joplin e Jimi Hendrix, ícones de uma geração, explodiam e desapareciam, eram os ideólogos do sexo, drogas e rock and roll, que restaram. A esquerda aqui era só alcoolista. Ovos na ópera de Milão, no Teatro Alla Scalla. Franco Basaglia libertava a loucura, os internos destruíam simbolicamente o manicômio no movimento pela sua supressão – que ainda hoje luta para concretizar. Escutávamos os discursos de Mao na rádio Pequim, antenas na janela, com o líder chinês acusando o revisionismo soviético.

Estudantes aderem à luta armada, parcelas da Igreja Católica. Fidel Castro dá a receita e o apoio, Marighela é o líder. Hair chega no Coliseu santista, a Bahia nos dá régua e compasso, com Gil, Bethania, Gal, Caetano. E a Miss Universo, com Marta. A vitória Vietcong no TET de janeiro é música para a esquerda brasileira, no ano que terminaria com a violência do Ato Institucional número 5 – prisões, cassações, repressão. A ditadura queria cassar o deputado Márcio Moreira Alves por seu discurso, que repetia a rebelião grega de Lisistrata. A Câmara não deixou e a coisa fechou mesmo.

O circo russo chegou à cidade. Não alimente os animais. Eram os jovens tchecos na luta contra os invasores, que aqui tinha defensores da preservação da ortodoxia comunista. Uma aberração autoritária, que dividiu ainda mais a esquerda. Escreviam nas paredes de Varsóvia:

“Lênin, acorda ! eles ficaram loucos !“

Coração a mil: minha primeira prisão no Centro dos Estudantes, no final de 1968, quando eu mal completara 16 anos, tinha sido um reforço ideológico. Acusaram, a mim e ao Thomézinho, de usar os travesseiros - os que colocamos sobre os cartazes da passeata impedida pela polícia de um mês antes - para fazer bolas de fogo. E atirar no Governador-interventor Abreu Sodré, na visita que este fazia à Sociedade Italiana, em frente. Está nos autos. O Dr. Zerbini inaugura o ciclo de transplantes do coração, neste ano em que o órgão estava na moda.

Em 1968, éramos brigadistas internacionais, como Eric Blair - ou George Orwel, o codinome do autor da Revolução dos Bichos, odiada pelos ortodoxos do PCB. Fazíamos dupla eu e o Thomé, o Nilton – o precoce literato Thomézinho -, que também já se foi, dois meninos, preso comigo. O Thomezão, Zé Carlos, nossa referência, era o irmão maior - professor de cursinho em SP, morava ao lado da Filo - USP na Maria Antonia. Referências. Íamos para lá, às vezes. Lucíola, foi naquele ap! A capital paulistana era uma aventura, para nós.

No auge, o festival musical do Teles no Clube XV, com renda para o Congresso da União Nacional dos Estudantes. Luz na terra, luz na fábrica, a vitória do protesto de Sá e Godoy: A miséria desarmada / no meio das trevas espera... Discursos panfletários na premiação, os medrosos do júri se retiram, a jornalista Vera ficou. É véspera do AI- 5, anunciado. Como viver sem este som, esta vibração?

O POEMA DE H. LEAL

Era como gostava de ser chamado meu amigo Hugo Leal, que conheci na eleição do GEVC, o grêmio do Canadá, em 68. Era o vice de Daniel Gomes Rodrigues, na época do temível diretor Edésio Del Santoro, figura. Dentre seus milhares de poemas que produzia profusamente, ficou este na lembrança. Consta que elaborado na barraca de praia do GEVC no Boqueirão (que ficou dia e noite por três meses no local, com grande movimento alcoólico noturno), conjuntamente com os amigos Roberto Barsotti, a indefectível dupla Tabajara e Marinho, Daniel e outros menos chegados.

“Certo dia, o poeta saiu de casa. Nem mesmo o espírito santo e as sete divindades do oriente, numa união caótica de forças, poderia designar qual seu rumo. Na ocasião, o poeta era único, imutável, insofismável. Recebera o certificado de sui generis, juntamente com um par de galhadas metafísicas! E a máquina de fazer poemas, aniquilada pelo peso dos adornos, transmutou-se em alambique.

Fez de seu bucho sindicato das branquinhas, que das mais marcas e quantidades, circulavam por suas veias. Mais um bêbado surgia... Certa feita, um amigo do poeta, atacado de uma dessas fossas de fazer inveja a Franz Kafka, entrou num desses ...botecos avançados. E o poeta lá estava.

E gritava, alheio a tudo e a todos, sua cantilena plena de contundente imbecilidade, “eu fracassei, eu fracassei”... E em sua volta, o couro mudo dos paus d’água babava sua concordância num cataclisma moral inenarrável. Súbito, o sacerdote da cachaça calou-se: fez um gesto com as mãos, como para afastar de si o epitáfio de cornudo. E murmurou “eu fracassei, eu fracassei...” e mais nada: estava morto. O amigo do poeta, então, ajoelhou-se e rezou. Rezou porque vira o óbvio, o ululante, o inenarrável. O poeta não fracassara, tornara-se um gênio na mais triste das poesias.

E a côrte dos bebuns, em uma última homenagem, sorveu o seu penúltimo gole, assistida de longe pelo sol de um novo dia...

SOBRE H. LEAL


(O poeta Hugo Luiz Moura Leal, meu alter-ego, como dizíamos, era o Rei do Balcão e as garrafas sua guarda pretoriana. Foi o vice-presidente do GEVEC, o Grêmio do Canadá, que elegemos em 1968 – e nessa condição nos conhecemos e nos tornamos irmãos – um dos primeiros que conheci neste ingresso à esquerda.

Intelectual formado no antigo curso clássico, entrou em Jornalismo em 1971, na onda de sucesso de Marshal Mc Luhan. E foi para SP. Falei com ele algumas vezes. Quando tentei contatá-lo em 1996, para falar-lhe de meu livro, da concretização dos ensinamentos que iniciei com ele, tive notícias de sua ida para a vida eterna.

Não poderia ser de outro modo, alcoolista genial profeta do etilismo, de saúde precária, em um corpo em que só funcionava a cabeça, eterno H. Leal, como gostava de ser chamado. Iluminava nossas rodas com suas palavras cadenciadas, sua voz grave quando impostava, ator que fora, declamador de bom tom, sempre com um poema na cabeça. Pequeno e franzino de óculos redondos de aros pretos, magro, roupas clássicas, sempre, desalinhadas.

Dinheiro amassado e espalhado pelos bolsos, buscados com as mãos inquietas de artista, balouçantes. Fumava sem parar, sempre encantado com uma frase de Nelson Rodrigues. Ensinou-me este, Vinícius de Morais, Augusto dos Anjos e outros poetas, que trazia na cabeça. Sempre com alguma paixão impossível e uma frustração recente, artista da fossa, por lindas mulheres que encantava com suas palavras, a quem dedicava poemas.

Hugo era a própria figura ressurgida da segunda geração romântica, que declamava em cemitérios o amor e a morte, que morria cedo e tuberculosa. Certa feita, em sua casa na rua Guaíbe, na Ponta da Praia, em uma festa numerosa, ao depararmo-nos com o término da cachaça, não teve dúvida: o álcool estava ali, 96 graus, com Fanta – como de hábito, a versão 68 do hi-fi dos anos 60.

Hugo ingressou no concretismo poético ao começar a utilizar a cannabis-sativa, mas nada como seus poemas de amor e ironia que recitávamos nos momentos mágicos da bebedeira. Mentiroso célebre, tornara-se. Em 72, apareceu todo rasgado e machucado dizendo que se envolvera em uma missão para libertar Carlos Lamarca, o líder do VAR-Palmares. Na verdade, não se engajara como outros companheiros na luta armada, era galhofa mesmo.

Deu muito do tom niilista de nossa derrota nessa caminhada revolucionária. Poucos mundos conheci como o e H.Leal, a quem a realidade era enfadonha e pouco interessava, em uma época de heróis comprometidos até o pescoço com as mudanças sociais. Escrevia poemas aos montes, pilhas de sulfite em sua máquina manual. Escreveremos juntos outra vez em outro patamar, breve).


Post Scriptum: Hugo Leal não morreu, vive em SP. A notícia de sua morte era falsa. Mas permanece o registro.



Sabor de rebelião, consciência às portas da revolução. Pinga com Fanta, foi tanta! O teatro militante, discursos, denúncia constante. Era preciso recordar, como foi? Em 5 de julho de 1968, a Santos libertária renasce, realizando a sua passeata, a primeira desde 1964.

Políticos, estudantes, intelectuais em massa, a população adere, sucesso absoluto - ainda sem repressão. Dois mil estudantes na Praça Mauá. Não é preciso ser triste para ser militante, disse Foucault. Mas a fossa predominava. Seria outra geração romântica? Não teríamos tempo.

Chega de tomar o elevador: tome o poder! (Paris)

Felinni, Antonioni, Glauber, o cinema fazia nossa cabeça, consolidando ideais humanistas. Truffaut, Godard, Shindo, Resnais, Kurosawa, Lumet, Polanski... Tempos de filósofos como Sartre e Andy Warhol, que expunha a banalidade da cultura de massas, no Brasil de Leila Diniz e Vladimir Palmeira, o vigoroso líder estudantil nordestino.

Em 16 de julho violenta repressão aos metalúrgicos de Osasco, em abril a ditadura tenta invadir a Faculdade de Direito da USP e os estudantes reagem com os coquetéis Molotov, garrafas com gasolina com chumaços de pano no gargalo, incendiados e lançadas.

Sejam realistas, exijam o impossível (Breton)

Em SP, a grande onda era jogar saquinhos de bolinhas de gude nas avenidas por onde vinham os soldados da cavalaria repressora. Era uma festa, com os cavalos caindo. Foi o tempo do VI Congresso da UPES - União Paulista dos Estudantes Secundaristas, no CRUSP – o Conjunto Residencial da USP. É decretada a ilegalidade da Frente Ampla, em julho, que reunia os ex-presidentes eleitos Jango e Juscelino, o comunista Prestes e até o líder do golpe militar, Carlos Lacerda. Mas nosso herói era Che, que pela revolução dera a vida.

Lá no CRUSP, o residencial da USP, existia um verdadeiro quartel-general da revolução, sem armas mas com muita informação, imprensa rodando direto as fórmulas da transformação. Pichações até no teto, mas sem as bobagens que se escrevem nas paredes de hoje. Comida boa e barata tinha no refeitório do CRUSP, um outro mundo para nós, de Santos. Depois do Ato 5, invadiriam o local com tanques, brutalizando o sonho de tantos. Mariga, esperança da concretização do sonho do assalto aos céus.

Fomos ao CRUSP eleger Marcos Palácios presidente da UPES, a União Paulista dos Estudantes Secundaristas. Era 1968 e havia no ar o melhor da sociedade e da fraternidade, da confiança e da amizade, diria depois Olgária Matos. No ano seguinte, nas repúblicas paulistanas de estudantes, antes solidárias, nas que se transformaram em aparelhos convivia-se com a desconfiança mútua e a tensão dos tempos de guerra. Mudara a química do ano mágico. A reação era violenta.

Revolução Cultural contra uma sociedade de robôs

Os jovens de 1968 tinham a proposta de aniquilar com o ancien regime, na tradição de 1789 e 1848, evoluindo a ordem que se baseia na subordinação do trabalho ao capital e à propriedade privada. Se irradiou a partir da França, terra do iluminismo e da utopia positivista, consolidadora do sistema de exploração do homem pelo homem. E chegou aqui pelo mar e por terra. Leila Diniz é liberdade, encanto de 1968. Nosso universo é encanto e desencanto.

Direitos negados, tempos de chumbo. Mas o tropicalismo de Gilberto Gil e Caetano Veloso revira a música brasileira, como na política, radicalizando. Mais tarde este cantaria enquanto os homens exercem seus podres poderes... E Vandré colocaria o poder militar na ordem do dia, cantando há soldados armados, amados ou não, quase todos perdidos de armas na mão, os quartéis lhes ensinam antigas lições, de morrer pela pátria ou viver sem razão.

E o que foi essa rebelião que tomou o mundo, sem uma Internet que a globalizasse - e que mesmo assim, em diferentes regimes e reivindicações similares? A ordem do dia era a felicidade e este desejo convulsionou o planeta em greves e manifestações estudantis e operárias, ocupações e enfrentamentos que, na França, oferecia flores aos soldados. É impossível racionalizar 1968.

A inteligência caminha mais do que o coração, mas não vai tão longe.

A agitação operário – estudantil na França, na sonhada aliança dos ideólogos, sacudiu o governo De Gaulle e sua plataforma de exigências. A sociedade vertical, estruturada há milhares de anos, era questionada por ansiosos jovens reformadores, exaustos de um sistema de vida voltado para o lucro e a acumulação, desejosa do prazer revolucionário. A arte e a poesia se incorporavam nesta rebelião, que rompeu com o convencionalismo das bandeiras ideológicas.

Em 1968 assassinaram Robert Kennedy, o Bob, irmão de John, também morto em 196l. Milhares de pacifistas sacodem os Estados Unidos, em protesto contra a guerra do Vietnã. Em 30 de abril estreava, em São Paulo, o espetáculo Hair - os hippies cabeludos do faça amor e não a guerra - make love not war, a era de Aquário.

O Santos Futebol Clube era bi-campeão paulista e a Revolução Cultural do líder chinês Mao-Tsé-Tung, que cultuávamos em nosso GELA - Grupo de Estudos (ou de Explosão) Latino Americano -, chegava ao auge. A euforia na ação, pichação, panfletagem, manifestação. É 1968.

Na França, se elegeu como líderes nominais da rebelião Marx, Mao, Lênin e Marcuse, que tinha 3 livros na lista dos mais vendidos de Veja, em outubro. Mas a revolta tinha pouco a ver com eles - não se explicava pela luta de classes. Na Checoslováquia era contra o stalinismo totalitário, nos EU contra a guerra do Vietnã, aqui contra a ditadura e pelo socialismo, no planeta todo contra o autoritarismo, de maneira geral. Mas 1968 terminaria com a vitória de De Gaulle na França e do ultraconservador republicano Nixon, antigo caçador de comunistas com Mc Carthy.

Dezembro, 13: o Brasil marcha a passos de ganso para a escuridão fascista. Desaparecem do cenário parlamentar, cassados, 110 deputados federais, 160 estaduais, 170 vereadores, 22 prefeitos, dez mil pessoas presas para averiguação. É a barbárie. Alexandre Vanuchi Leme, 22 anos, estudante de geologia da USP, cristão, é barbaramente trucidado pela Operação Bandeirantes, a OBAN de Fleury - grupo paramilitar da repressão, 5 anos depois. Foi até quando se estendeu o clima de rebelião de 1968, em que surgiu este cristão da teologia da Libertação que surgiu na França. E amante de Teilhard de Chardin.

1969: foi barra...

Em agosto, eu estava sentado na ante-sala do então Interventor na Prefeitura, junto com o Teles, em busca de apoio para o festival musical. E eis que chega a notícia: Costa caiu! Tivera um derrame cerebral e fora impedido de exercer a presidência. O vice era o civil Pedro Aleixo, mas este votara contra a edição do Ato 5, 8 meses antes – e os três ministros militares, apelidados de “Os 3 patetas”, deram o golpe.

General Aurélio de Lira Tavares (da Guerra), Almirante Augusto Hamann Rademaker Grunewald (Marinha) e o Brigadeiro Márcio de Souza Melo (Aeronáutica) baixaram o Ato Institucional número 12 – colocando-os no poder ao invés de Pedro Aleixo, que seria o vigésimo Presidente do Brasil. No Artigo 1º. Fecharam o Congresso, revogaram a Constituição de 1967 e outorgariam a Constituição de 1969, “votada” por um Congresso decepado pelas cassações. E tome fechamento político e repressão.

Rivaldo Leão, torturado mais de dois meses no DOI-CODI, o português Gregório, Gilberto César, Edvaldo, Virgílio de Cubatão, Edmir, Armindo Sérgio, Aymar Biú. São alguns dos personagens de 1968 que se engajaram em tarefas mais pesadas, para tentar mudar a sociedade, nos anos seguintes - já que a ditadura não admitia a manifestação e matava nas ruas. Se reuniram com o comandante Marighela e reuniram armas, montaram esquemas e fizeram contatos com a ALN em São Paulo.

Presos e torturados, Gilberto atirou-se de uma sala do DOI-CODI na Rua Tutóia, em SP, para escapar do suplício. Quebrou a cabeça, foi demitido da Docas. Reintegrado, voltou para ser um decidido líder sindical dos marítimos, envolvido em cruciais batalhas.

Gilberto morreria afogado depois, pescando com o filho, em 1999, após colocar a vida à serviço da sociedade. Fui eu quem o trouxe para a militância política em 1968, quando trabalhei com ele na “Maruwan”, uma firma de exportação na Praça Barão do Rio Branco 14, 8º andar. Levei os amigos em sua terra, Itapema, para ensinar teatro. Ele adquiriu consciência e ingressou na luta de olhos fechados, herói.

Armindo ficou cego de um olho depois do tiroteio que envolveu a ele e ao Aymar, ligado ao AC – Agrupamento Comunista, de Marighela, depois Aliança Libertadora Nacional. Foi na saída da balsa do Guarujá, junto com dois agentes policiais que fizeram Armindo, trabalhador da Refinaria e historiador, levá-los à casa do ex-aluno da UFRJ, que fizera licenciatura em química. Aconteceu em 1974.

Levados para o DOI-CODI, torturados, Armindo ficou sem o olho e Aymar logo ficaria sem o juízo, passando anos a pichar os muros da região e até das estradas em redor “a GM (General Motors) provocou o câncer de Tancredo Neves”, aludindo à morte do presidente eleito pelo Colégio Eleitoral que pôs fim à era militar, em 1985. Fora preso em 1967 (junto com Vasco Nunes) e voltou a sê-lo em 1974, período em que foi para fazer a Universidade Federal carioca.

Aymar morreu no Hotel Caiçara, na esquina da Avenida Ana Costa com a Francisco Glicério, onde morava, em 96. Português, torturado, voltou à terrinha, amargurado, em 1975. Rivaldo, psicólogo, mestre em filosofia, ainda conta as histórias daquele tempo da ALN. Com amarga, mas prodigiosa memória, injustamente acusado por ter cedido aos torturadores. Coisa daqueles tempos.

Dormindo se trabalha melhor. Formem comitês de sonhos. (Sorbonne)

1968 foi um problema para os analistas e historiadores factuais, porque não tinha um programa político de tomada do poder nem de reivindicações, sua pauta era localizada. Eram manifestações por causas multiplicadas e heterogêneas, incomunicáveis.

Nesse encontro planetário, se propagava um vigoroso movimento libertário contra o colonialismo, o racismo, a guerra, as ditaduras, os códigos opressores e superados, as imposições arbitrárias. Foi um basta à tecnocracia e às formas sociais que iriam se agravar décadas após, trazendo sofrimento, que 1968 tentou evitar. Foi a consagração da utopia, More atrás. Nesse turbilhão, amor aos poucos, coração a mil.

O direito de viver não se mendiga, se toma ! (Nanterre)

Já se passaram mais de trinta anos. Parece que foi ontem, na frase-padrão, em que a juventude queria varrer do planeta os donos do poder geradores da infelicidade coletiva. O mundo repercutia na Ponderosa, nossa arena universal.

A opressão se torna mais opressiva quando se tem consciência dela, disse Marx. Mas também que quando o extraordinário se torna cotidiano, é a revolução - que no restaurante do Demétrio se tramava e se espalhava. Uma revolução cultural contra uma sociedade de robôs. Alguém declamava um discurso célere.


MARX, MAO, MARCUSE. PULAMOS O MURO DO COLÉGIO CANADÁ, EU E O THOMÉZINHO, PARA CHAMAR PARA A PALESTRA DE SÉRGIO SÉRVULO, PROIBIDA PELO DIRETOR EDÉSIO. CLUBE DE CINEMA DE SANTOS,
20 ANOS EM 1968.
SOU MARXISTA DA TENDÊNCIA GROUXO, ESCREVE PARIS.

No Brasil, em 1968, houve mais de um herói, um negador da hierarquia trágica. Foi Sérgio. O caso Para-Sar, quando os militares fascistas ordenaram a ele, comandante dessa equipe de salvamento da Aeronáutica, bombardear civis e provocar milhares de mortos, para justificar o estado-de-sítio. Jogando no mar de um avião lotado de vermelhos, então, comunistas como o arcebispo de Olinda e Recife, D. Helder Câmara e o ex-presidente JK.

Sérgio disse não, não aceitou matar. Tinha só 37 anos e pagou por isso até o fim da vida, em 1994. O chefe de gabinete do Ministro, que deu essa ordem, morreu um dia destes: chamava-se João Paulo Burnier.

Quase chegamos ao nazi-fascismo; foi assim que Hitler assumiu o poder. Mas Sérgio impediu, não aceitou a determinação hierárquica. Era o início da Operação Condor. 1968 fez gente assim, heróica, consciente, alerta, ansiosa por fazer história.

QUANDO O DEDO MOSTRA A LUA, O IMBECIL OLHA O DEDO

No Peru, o nacionalismo explode no golpe do general Alvarado, que derruba Belaunde Terry. Aqui, o general nacionalista e anticomunista radical, Albuquerque Lima, tenta se impor como sucessor de Costa e Silva, o general de então, que sucedera Castelo Branco.

Fracassaria: os titulares do golpe militar estavam em Washington, financiando o IBAD – o Instituto Brasileiro de Ação Democrática parte de um plano global para conter o avanço das esquerdas na América Latina.

1968: Desabotoe o cérebro tantas vezes quanto a braguilha (Teatro Orfeon)

Em Santos, trouxemos o censurado Plínio Marcos para apresentar a peça Dois perdidos numa noite suja, no Coliseu, um teatro antigo na Praça José Bonifácio, proibida pela censura. O dinheiro arrecadado iria para o Congresso da UNE. A prisão vem na saída, tentamos virar o carro da Polícia Federal, na Brás Cubas, que trancafiou Plínio. Alguém sai de revólver de dentro do fusca e desistimos, mas fomos atrás, zoando na porta da Polícia Federal a noite toda por este Plínio do porto, que se foi dia destes, pela liberdade.

Abaixo o realismo socialista! Viva o surrealismo!

Santos perde seus bondes abertos, em janeiro de 1968, parte de seus heróicos vínculos com seu passado libertário. Logo ficaríamos sem todos os elétricos sobre trilhos, para gozo das indústrias de petróleo e borracha, deixando saudades. Em outubro acontece o Congresso da UNE, para o qual levantamos fundos aqui, dia 12, em Ibiúna - ocupado pelo Exército e com 1.240 presos. Entre lideranças nacionais, o nosso santista Omar Laino. Elegem a luta armada como método de luta, a radicalização é a senha, contra a ditadura e pelo socialismo. Nossa pauta é o amor comum.

Um pensar que estanca é um pensar que apodrece. Reformas: clorofórmio

Rachamos em 1968, éramos linha chinesa, maoístas. Ou trotskistas, querendo ser libertários - anarco-sindicalistas hoje, na ideologia que Catalán já professava. No Brasil, a Marcha dos cem mil, a 26 de junho, no Rio de Janeiro – em repúdio ao assassinato de Edson Luiz de Lima Souto, 16 anos, pela Polícia Militar – é um orgasmo dessa geração, angustiante.

Dirceu com a camisa de Edson em sangue. O coletivo é o principal; abaixo a ideologia pequeno-burguesa ! Só os mais pobres iam morrer no Vietnã, no genocídio da juventude americana para defender interesses que não eram os seus. Dos 234 filhos de senadores e deputados em idade de prestar o serviço militar, apenas 28 se alistaram, só um saiu ferido.

MENOR DE 21 ANOS, EIS A SUA CÉDULA DE VOTAÇÃO (UM PARALELEPÍPEDO)

Tempos de grandes assembléias no Centro dos Estudantes, o segurança era o fortão Wagner Lino Alves, que seria deputado estadual do PT em 94 a 98. Era um dos 15 que foram para a LSN junto com Lula, em 80. Engajou-se em São Bernardo, nestes anos, para onde foi depois que acabou o sonho. Era minha dupla de panfletagem, grande pessoa. Foi o curto verão da liberdade, em 1968 - o da retomada do Centro dos Estudantes em agosto e seu fechamento em dezembro.

No processo judicial de fechamento do CES, alegam, como motivo, minha prisão – a primeira! - e a apreensão do material subversivo. Os travesseiros! Ora direis ouvir estrelas... Na França, o ano termina com a vitoriosa vitória de Charles De Gaulle, surge o terrorismo anti-sistema da Itália e na Alemanha, semente das Brigadas Vermelhas e do Baader-Meinhof.

EXAGERAR JÁ É UM COMEÇO DE INVENÇÃO (LETRAS/PARIS)

Voltamos meio confusos do acidente de 1969, mas não o suficiente para não tentar retomar 1968. O Brasil em 1970 era opressivo, a Copa do Mundo, o Ame-o ou deixe-o ufanista da ditadura - o último a sair apague a luz do aeroporto, ironizávamos. Uso um paletó de lã a 40 graus para esconder o jornal clandestino Resistência - e distribuí-lo. Escrevo para entender : onde foi parar 1968 ? Flash-back rápido em Nadir : voltaria a vê-la, agora, casada e com filhos.

O universo é outro, mas somos passadólogos, diria H.Leal, exímio declamador hoje nos palcos de São Pedro. Ninguém assistiu ao formidável enterro de tua última quimera, saltava-lhe sempre um Dos Anjos da garganta lubrificada à álcool. Uns morreram, outros dispersaram, em quase todos se perdeu o sentido solidário – aniquilados, pouca memória. Vale o resgate.

É PROIBIDO PROIBIR

Para Marcuse, o filósofo de 1968, o motor desse assalto aos céus de há três décadas foi o erotismo - a luta da vida (Eros) contra a morte (Thanatos), os deuses da mitologia grega, na elaboração Marx/Freud da sociedade de consumo.

Uma luta canalizada no impulso biológico da juventude contra o caminho da morte, apontado pela irracionalidade da sociedade industrial. Mascarada de racional, essa sociedade cria uma sociedade sem oposição, uma unanimidade condicionada, incapaz de aceitar qualquer manifestação livre. Mas a juventude é a explosão da vida - Eros - e acontece a rebelião em 1968, o flash-back secular.

Maio, 1968. A linguagem é a do cinema, aqui e no mundo. E na pátria dos irmãos Lumiére e da sétima arte, De Gaulle tenta atrelar a criação cinematográfica ao estado e ao regime. Substituindo a unanimidade de Henry Langlois na direção da Cinemateca Francesa, em fevereiro – reposto no cargo em 2 de maio, após uma rebelião. Foi uma pré-revolução de 1968, seu despertar. É este o flash-back da matiz de 1968, da busca da liberdade.

Amai-vos uns em cima dos outros

Na atual fase destrutiva e regressiva da sociedade humana, em que uma globalização que substitui o internacionalismo sonhado outrora impõe a crença no deus-mercado - que vomita empregos, conquistas sociais e seres humanos -, 1968 fez o alerta.

Modernamente, as prerrogativas humanas são usurpadas por atores sociais poderosos, que escapam do controle popular e atuam no cenário do chamado poder econômico. Conspurcando acintosa e impunemente, na fumaça falaciosa e venenosa da globalização, as consciências. Tal como os ingleses faziam com a China no século passado, enchendo-a de ópio. Quando os chineses protestaram, tomaram-lhe Hong-Kong. Vivemos o 1984 de Orwel.

Este século termina mostrando, como única possibilidade de sobrevivência da espécie humana, a superação do sistema vertical, autoritário e banal. Que, regenerando Rousseau, estabeleça um novo contrato social, nos limites deixados por Jean-Paul Marat - que ante o temor da burguesia em seu direito à propriedade, assegurou a mais sagrada: a vida. Salvaram-se todos os que ficaram, nunca tão vivos como dantes. Fica 1968 encarnado em mim, ad eternum. Urge resgatar essa memória, que aqui vai por um E-mail, em flash-back.



Seja jovem, cale a boca. 1968 disse não.

O FIM DA HISTÓRIA
(continua em 2068)

segunda-feira, 17 de agosto de 2009

O CONFLITO DAS IGREJAS E OS PODRES PODERES

O CONFLITO DAS IGREJAS E OS PODRES PODERES

Paulo Matos (*)


No cerne da questão e no âmago desta história, amarga lembrança de uma época, a feroz disputa capitalista entre desonestos extrativistas do dinheiro público, cultores da barbárie. Em uma visão otimista, ao final da contenda a mútua destruição dos contendores só pode beneficiar a sociedade. É positivo que as massas tenham conhecimentos sobre a podridão dos processos inerentes à gênese destas instituições, que disputam entre si o prêmio da pior e mais imoral trajetória.

Muito se tem proclamado sobre as denúncias de parte a parte sobre o conflito das igrejas Globo x Record, sem que se tenham lidos conceitos de valor senão na defesa de parte a parte. A princípio, é bom esclarecer que busca de uma conclusão sobre quem está certo é uma perda de tempo, para o que jamais teremos resposta porque a razão não está em lugar nenhum desta contenda. Mas estejamos alertas, porque ambos, donos de poderosos meios e comunicação, compõe o círculo do poder, tem forte penetração de seus líderes e já fizeram (e podem fazer) deputados, senadores e presidentes da República. Suas orações são diferentes, mas iguais em sentido. O pior é que o governo depende deles. Oremos. Mas a quem?

Trata-se de um embate feroz e a única conclusão possível até agora é que sem uma forte intervenção do Estado nas telecomunicações, como nos países desenvolvidos como a Itália antes da tragédia Berlusconi, estaremos nas mãos das baratas nesse concerto, abandonados à sanha dos mercadores. E como resposta ao estado de indigência intelectual das massas, atingidas por este liquidificador de informações e culturas que é a TV, basta a pergunta sobre o conteúdo desta que invade os lares e bestifica o populacho com novelas disseminadora de vícios e violência, uma rede de atos marginais a lhes palmilhar a trilha, deixando envergonhados, por sua timidez, os batedores de carteira.

A sociedade que transformou em mercadoria seus valores mais sagrados, como anunciou há 40 anos o psicólogo Cláudio de Araújo Lima em seus livros “Capitalismo e angústia” e “Amor e capitalismo” não pode protestar contra o ingresso de modelos de fé ao estilo Globo ou Record, ambas igrejas deste processo que enlouquece e mata milhões pela violência dos exércitos, das bombas, da propaganda que desperta desejos crescentes para coisas inúteis, que exerce o poder do fetiche multiplicando seus preços e sacrifícios, que enche o mundo de fumaça e de ídolos vazios e efêmeros que acirram as carências.

A ausência de um culto aos valores permanentes da filosofia e das artes cria devoções a elementos bárbaros que não acreditaríamos possíveis - e eles se impregnam deleteriamente a sociedade até que surjam salvadores com métodos assépticos. A igreja da Record com sua antiga teoria da prosperidade apenas percebeu o caminho para extrair dinheiro as massas e com ele exercer o poder que foi concedido na Revolução Francesa aos que o possuem – e exerce rumo ao poder que, nesta marcha, conquistará trazendo de volta a Idade Média.

É como o presidente-ditador nesta fase Getúlio Vargas, que às vésperas da Segunda Guerra e diante da ascensão de Hitler anunciava uma “nova ordem mundial” diante da desorganização liberal: era o “Estado Novo”. Uma tese que teve reações aqui dos comunistas, que com sua luta mostraram o outro lado, ao que ficamos e que nem por isso era muito melhor que o outro.

Aqui o egoísmo e a miséria impostos pelo capitalismo feroz e cruel, levando ao caos da ignorância e do desespero no conflito de classes que apesar de Fukuiama não acabou, a sociedade deságua em crises ridículas e reais sobre um conflito entre poderosos interesses privados, ambos com larga e longa mancha de atos anti-sociais de pregadores de ilusões. Montados em cavalos alados e espalhando a fé em bezerros de ouro, atrelados a crendices milenares crentes na imaterialidade do espírito e da alma, na existência de seres superiores na fé imposta a pobres coitados formados e educados para serem objetos de um processo opressão e exploração abjetos e nojentos – que mata e alucina com seus podres poderes.

A Catedral santista está fazendo cem anos, símbolo maior do catolicismo secular e tradicional em nossa cidade e que arrasta centenas de milhares de pessoas, agora enfrentando os pentecostais e neo-pentecostais evangélicos, com suas canções e soluções rápidas através do Espírito Santo. Quando inaugurada em 1910, os jornais de trabalhadores de cunho anarquista e que apontavam como inimigo maio o obscurantismo religioso, era intenso em sua explanação revolucionária.

Estes jornais escreviam, então, como no jornal “O Proletário”, anarcossindicalista: “No país em que faltam hospitais e escolas, pululam as igrejas”. Eles perderam a guerra da comunicação pós a invasão midiática brutal e avassaladora sobre as consciências, que convive agora com a estupidez de um debate que a sociedade deveria ter superado junto com o sistema cruel que o permite.

(*) Paulo Matos é jornalista, historiador pós-graduado e bacharel em Direito.

quinta-feira, 13 de agosto de 2009

A PRIORIDADE HISTÓRICA DE SÃO VICENTE - RESPOSTA AO JORNALISTA GERALDO NUNES DA RÁDIO ELDORADO

AMIGO GERALDO NUNES, BOM DIA:

Embora não o conheça pessoalmente, haveremos de nos conhecer. Sou seu fã e amigo das viagens históricas dominicais há tempos e "viajei", na acepção do termo, no comentário do programa de domingo sobre a influência francesa no Brasil e seus antecedentes históricos. Período sobre o qual me debruço com avidez - os 30 anos antes de Martim Afonso, que trouxe Braz Cubas - os "fundadores" (!) equívocos de São Vicente e Santos.

É sobre isso que quero contribuir, perante a informação de que São Vicente teria sido mesmo a primeira cidade do país, fundada em 1532 - o que não é real na minha visão histórica.

Na verdade, cabem observações que modificam este conceito, pois algumas das cidades do litoral têm como data de fundação a data real de formação do núcleo e não a fundação oficial.

São Vicente, por exemplo, foi fundada como núcleo civilizatório pelo "Bacharel da Cananéia", Mestre Cosme Fernandes Pessoa, intelectual da maçonaria judaica portuguesa degredado em Cananéia e que veio de lá fundando cidades.

Deixado lá em 1502, em 1506 fundou o Porto de São Vicente no atual bairro da Ponta da Praia em Santos, que constava de mapas internacionais, era o Porto dos Escravos. Escravos índios. Os comerciava, também. Meu livro (prêmio estadual Faria Lima de 1986 "Santos Libertária!) tem até tabela de preços.

Ocorreu que os boatos de dominação francesa que você falou se caracterizavam ainda mais posto que a comunidade do Bacharel, uma das primeiras senão a primeira comunidade produtiva do aís, fabricante de bergantins, barcos.

Essa comunidade era composta de índios (ele inaugurou o "cunhadio", casou-se com a filha do chefe Piquerobi), portugueses (ele) e espanhóis, heterogênea - perigo para Portugal. Combatido pelas tropas de ocupação de Martim Afonso em 1532, deu lugar à Guerra de São Vicente em 1537.

Logo, Martim Afonso, que deixou SV no dia seguinte para assumir as Índias de sabedoria milenar - comandada por pessoas que não tinham sequer o hábito de banhar-se - , deixou aqui sua esposa Ana Pimentel, aliás em Portugal, de onde nos governou.

Ora, o fundador é Martim Afonso ou o Bacharel? O poder ou a sociedade?


Paulo Matos
Jornalista, Historiador pós-graduado e Bacharel em Direito
Fone 13-38771292 - 97014788

terça-feira, 11 de agosto de 2009

1968 - DEPOIMENTO DE PAULO MATOS NO MISS

DEPOIMENTO
1968, o ano que não acabou


NESTA QUINTA-FEIRA SEIS DE AGOSTO DE 2009, O JORNALISTA PAULO MATOS DEU SEU DEPOIMENTO
NO MUSEU DA IMAGEM E DO SOM SOBRE A HISTÓRIA DA RESISTÊNCIA Á DITADURA MILITAR, UM PROJETO DO ARQUIVO NACIONAL, EM QUE ESTEVE INTEGRADO NA JUVENTUDE. INCLUI OS FATOS REPORTADOS EM SEU CONTO “1968 EM FLASH-BACK, UMA AVENTURA NA REBELIÃO DE EROS”

O PROJETO É LEVADO ADIANTE EM SANTOS PELA FUNDAÇÃO ARQUIVO E MEMÓRIA DA PREFEITURA EM PROGRAMA DE MEMÓRIA ORAL. OS FATOS HISTÓRICOS DE 1968, DE QUE MATOS FOI PERSONAGEM, DOMINARAM A PAUTA.

Aos 56 anos, militante estudantil do “ano que não acabou”, 1968, Paulo Matos é Jornalista, Historiador pós-graduado e bacharel em Direito, formado pela Universidade Católica de Santos. Anistiado político, é escritor e nasceu em 1952.

Casado com Adelma é pai de Paula, Pluma e Paulo Matos Jr. Matos foi militante de 1968 no Centro dos Estudantes de Santos, foi aluno da Extensão do Canadá no colégio Cesário Bastos, na Vila Mathias. De onde foi expulso após sua primeira prisão política -, quando ocorreu sua primeira prisão pelo DOPS, a Delegacia de Ordem Política e Social neste ano de 1968.

Em novembro de 1968, quando foi preso pela primeira vez pelo DOPS, ainda não era tempo da “Operação Bandeirantes”, a temível OBAN, nem do DOI-CODI, que torturavam e matavam à larga os adversários do regime militar. Mas em São Paulo o DOPS, sob a direção de Romeu Tuma, fez medo.

Mas existiu o delegado Sérgio Paranhos Fleury, da OBAN – uma força privada paramilitar. Paulo ajudou a reconstruir o Centro dos Estudantes (que havia sido fechado no fim do ano de 1968) em 1980, na chapa “Mobilização Estudantil” – na maior eleição já ocorrida na entidade, com um total de mais de 20 mil votos.

“Paulinho blá-blá-blá”, como lhe apelidou Dojival, candidato à presidência do Cento dos Estudantes pela chapa “Mobilização Estudantil” em 1980, membro dos movimentos de 1968, também participou das eleições do cento dos Estudantes de Santos após sua reconstrução de 1980, de que foi parte. Em 1982, integrou a chapa do MR-8, intitulada “Coração de Estudante”. O MR-8 era um grupo político nacional (comandou o seqüestro do embaixador Burke Elbrick em 1969), que tentou unir com a “Mobilização Estudantil” na reabertura do CES em 1980, sem sucesso – cedendo a vitória ao grupo do PCB “Todo mundo no centro”.

A pauta do Movimento Estudantil era o debate entre estas forças - pela federalização das escolas (Mobilização), que fazia uma grande campanha pelo boicote total às mensalidades, que recolheu mais e seis mil boletos. E pela ajuda do Governo federal às mantenedoras (Todo Mundo), que tinha como presidente Edu Sanovicz.

O jornalista escreveu e escreve crônicas quase diárias em seu blog, está presente no Twitter e no Orkut - com grande e ampla faixa de amigos no e-mail aos que se integra. Também escreve em diversos jornais e revistas. Transporte Coletivo, Sindicalismo, Arquitetura e luta social são os temas principais de seus livros, seus textos marcados pelo aspecto de defesa popular.

Atualmente, Paulo Matos está trabalhando e buscando editor para um texto sobre as autonomias políticas de Santos. “As Autonomias nacionais da Santos libertária” fala das autonomias cassadas em 1930 e 1969, 1937, 1947 e 1969 – antes em 1894.

O livro das Autonomias traz reportagem inédita e crítica sobre a Constituição Municipal santista de 1894 - que foi revogada em 1895, mas que lançou Santos na vanguarda mundial das legislações municipais, o segundo lugar do mundo a conceder o voto feminino.

Promotor da legalidade dos ambulantes de praia e diversos movimentos sociais, na seqüência de seu trabalho histórico e jornalístico, sua opção pelos “de baixo”, os trabalhadores e seus valores, é uma constante. Dos usuários de ônibus aos proletários do cais, assunto pelo qual recebeu prêmio estadual e no que elaborou seus trabalhos de conclusão de curso na formação universitária.

Paulo Matos é autor de livros sobre transporte coletivo urbano - “Transporte coletivo em Santos, história e regeneração”, editado pela Prefeitura de Santos no governo do Prefeito Oswaldo Justo (1984-1988), em 1987.

Matos escreveu também a história do porto e do sindicalismo portuário (“Caixeiro, conferente, tally clerk – uma odisséia em um porto do Atlântico”) - junto com o também jornalista Mauri Alexandrino, editado em 1997 pela Prefeitura de Santos, no último ano da gestão do Prefeito David Capistrano (1993-1996).

Poeta e contista premiado na Universidade com a memória de sua experiência em 1968 (“1968 em flashback/uma aventura na rebelião de Eros”), palestrista, Paulo Matos é autor também de ensaios sobre arquitetura. É autor do texto “Santos/Jurado, a ilha e o novo” -, que mostra o arquiteto e construtor do edifício Verde Mar João Artacho Jurado, editado pela PRODESAN - Prefeitura de Santos, em 1996.

Paulo Matos escreveu a monografia que ganhou o Prêmio Estadual Faria Lima de História em 1986, promovido pelo Governo do Estado (Secretaria do Interior/CEPAM), um trabalho que conta a trajetória do movimento operário livre em Santos desde seu nascimento após a Abolição, fins do século XIX. É o livro que narra o período em que se originaram os sindicatos no Brasil, a partir dos fatos ocorridos em Santos. A cidade foi um dos três principais pólos nacionais do movimento operário à época do sindicalismo livre.

Seu Trabalho de Conclusão do Curso de Jornalismo em 1983, denominado “Santos Libertária - imprensa e movimento operário, 1879/1920” foi ampliado e apresentado como sua monografia de pós-graduação em história em 1992 (“Imprensa operária na Santos Libertária – imprensa e história do sindicalismo livre/1879- 1920” ) e é a história do nascente movimento operário anarquista em Santos.

Na sua formação em Direito em 2002, apresentou como Trabalho de Conclusão de Curso a monografia “Catracas, cobradores e direitos sociais”, em que mostra todas as infrações legais praticadas pelos empresários do sistema de transporte coletivo em Santos - de cuja luta participou há 20 anos, como membro da coordenação da Associação dos Usuários, tendo sido vítima da Lei de Segurança Nacional em 1984 por essa militância.

Também como participante dos movimentos de organização popular, foi integrante do Movimento Estudantil e coordenador da luta pela legalidade dos ambulantes de praia, conquistada pela primeira vez no país, em uma luta iniciada em 25 de fevereiro de 1983 com a criação da entidade “Socó Unidade Ambulante de Resistência”, semente do atual Sindicato dos Ambulantes que os organizava - apesar dele não pertencer à categoria.

Este esforço garantiu a legalidade de centenas de “operários do sol” com suas centenas de guarda-sóis de ponta a ponta da praia, o primeiro lugar do país a legalizar e disciplinar este comércio. Esta legalidade foi conquistada em 1986, engajando no trabalho legal cerca de 1.500 trabalhadores após extensa trajetória de luta.

Matos foi membro da coordenação da Associação dos Usuários do Transporte Coletivo e em 1984 foi preso em manifestação e indiciado na Lei de Segurança Nacional, então o último do país, sendo demitido da CETESB - anistiado político em 1998.
nadá no colégio Cesário Bastos, na Vila Mathias. De onde foi expulso após sua primeira prisão política -, quando ocorreu sua primeira prisão pelo DOPS, a Delegacia de Ordem Política e Social neste ano de 1968.