sexta-feira, 19 de março de 2010

COVAS DEVERIA SER PREFEITO?


COVAS DEVERIA SER PREFEITO? – I
O EVENTO NOSCHESE

Paulo Matos (*)

Quem garante isso, que o então janista Mário Covas deveria ter sido empossado prefeito em 1961, é Nelson Noschese, ex-vereador, quase 94 anos, lucidez a toda prova.  Candidato a vice-prefeito nessa eleição, ele se culpa pela derrota à Prefeitura de Mário Covas nas eleições desse ano, na sucessão de Silvio Fernandes Lopes.

Segundo Clovis Rossi, foi Janio quem “puxou” Zuza, seu apelido de infância, que seria seu adversário nas eleições paulistanas em 1985 - senador mais votado da história da República em 1986, que fora cassado pela Ditadura de 1969 a 1979.  Foi ele, descendente de espanhóis de Pontevedras, que liderou a rejeição à proposta de cassação de Márcio Moreira Alves em 1968, semente do Ato V.

Nelson conta que para muitos na época quem deveria assumir a Prefeitura era Covas – chamado em A Tribuna de “girafa”, por seu pescoço longo. Era o candidato do prefeito Silvio, seu executor de políticas públicas nas obras, alterando a ótica vigente e abrindo espaços populares. La Scala havia falecido antes da posse, em oito de abril, após a eleição em 24 de março.  Mas quem recebeu o cargo foi José Gomes, o vice mais votado, em 14 de abril.

Covas, que tinha o apoio de Janio Quadros e concorreu pelo PST, o Partido Social Trabalhista, perdeu para Luiz La Scala Júnior, do Partido Social Progressista de Adhemar de Barros, o PSP, o candidato do prefeito nesse pleito. Segundo sua biografia, Covas teria dito ao pai que queria ser prefeito de Santos aos 14 anos. Ocupou vários cargos, como deputado federal, prefeito de São Paulo e Governador do Estado em 1994, mas não este. Faria 80 anos em 21 de abril de 2010.

“Parte da culpa da derrota de Covas foi minha”, considera Noschese - o que teria ocorrido em face da sua escolha como vice. Sua culpa: ter vacilado entre o apoio a ele e a La Scala, hoje nome de Rua na Vila Mathias, a antiga Avenida número 705, denominada Luiz La Scala Júnior pela Lei nº 2.386, de três de agosto de 1961, sancionada pelo Prefeito Municipal, José Gomes.

Luiz La Scala Júnior era tio-avô do jornalista Francisco La Scala, secretário de Comunicação do prefeito Papa e foi presidente do Conselho deliberativo 
do Clube Internacional de Regatas de 1951 a 1959. Alto funcionário da Prefeitura, entre outros cargos técnicos, La Scala foi diretor de obras do governo Silvio Fernandes Lopes e faleceu antes da posse em oito de abril de 1961, após acidente automobilístico no dia quatro, um dia após sua diplomação.

La Scala era filho do líder sindical anarquista Luiz La Scala, fundador da Federação Operária Local de Santos, a FOLS, introdutora do anarcossindicalismo na cidade. E depois vereador, colega do ex-vereador, prefeito e deputado Oswaldo Justo, de quem era amigo. Foi presidente da Câmara em 1948 e vice-presidente em 1949 e 1950, nome de uma Praça na Ponta da Praia.

COVAS DEVERIA SER PREFEITO? – II

Paulo Matos (*)

Aconteceu que seis dias antes da posse, em oito de abril de 1961, o ainda prefeito Silvio Fernandes Lopes assina o Decreto 2.043: era o luto de três dias pela morte de La Scala, que falecera neste dia e que fora seu revolucionário secretário de Obras. Era quem acudia a queda de terra nos morros pessoalmente e com terra na mão.

Foi como depôs a irmã do “engenheiro popular”, famoso por seu trabalho nos bairros e nos morros no governo do prefeito Silvio Fernandes Lopes, Luiz La Scala Júnior, na velha casa da Rua Julio Conceição, nos anos 90. É o ex-vereador Nelson Noschese que conta a história e suas dúvidas. Ele foi empossado para o mandato de vereador de 1948 a 1951, na 15ª Legislatura, mas não a cumpriu integralmente.

A trajetória de Nelson Noschese inclui a passagem por cargos na Câmara de Registro como vereador, com posse em 1/2/1977, na oitava legislatura, até 1983. Lá foi também vice-prefeito. Em sua época, era prefeito de Santos, Rubens Ferreira Martins, que governou de abril de 1947 a outubro de 1948. E julho de 1950 a dezembro de 1950, quem fez o único túnel da cidade, que leva seu nome.

Nelson Noschese, Contador de origem, 94 anos, ex-vereador, três filhos, três netos e dois bisnetos, é loquaz e bem humorado. Nascido em 21 de agosto de 1916, seu pai Raphael Noschese era presidente do PTB, partido em que se elegeu. Poderia ser o prefeito, sua campanha ao lado do vencedor Luiz La Scala Júnior, vice-presidente da Câmara em 1948, 1949 e 1950, estava na rua, apoiada pelo vereador Fernando Oliva.

E foi o vice que assumiu nessa eleição: José Gomes - que o venceu na disputa dos vices e que tivera 33 mil votos, mais do que o prefeito eleito com 28 mil (31% do total). A cidade tinha 91 mil eleitores e La Scala era apoiado pelo PSB/PTB, Covas pelo PTN/UDN (22 mil votos).

Concorriam ainda  presidente do Santos F.C., Athiê Jorge Cury pelo PDC – Partido Democrata Cristão (18 mil votos) e o então deputado federal Antonio Ezequiel Feliciano, que havia conquistado a Autonomia com seu projeto e corria como candidato independente, terminando com seis mil votos. Os candidatos a vice eram, além de Gomes e Noschese, Jaime Peres e Newton Aragão. O vereador e professor Fernando Oliva considerava “interessante” para La Scala a candidatura a vice de Noschese ao seu lado.

Afinal, as candidaturas a vice eram independentes do titular. Mas acusado de trocar Covas por La Scala e com as pressões da maçonaria para que José Gomes ficasse como seu vice, ele que havia desistido, Noschese foi acusado de traição e acredita ter assim prejudicado Covas, a La Scala e a si mesmo.

COVAS DEVERIA SER PREFEITO? – III
- O EVENTO NOSCHESE

Paulo Matos (*)

Conforme contou Nelson Noschese, “foi José Gomes, no Saldanha, que me pediu para assumir a posição de vice de La Scala, que ele iria desistir”, conta. “Um advogado do PTB dizia isso nos comícios, que eu traira Covas e fora para La Scala, foi terrível para todos, para mim inclusive”, diz Noschese. O vice que iria desistir desistiu de desistir.

O empossado em 1961, ao invés de Covas, foi o vice ligado a La Scala, que havia falecido, José Gomes. E que concorrera com ele ao cargo, na época em eleições independentes – com uns quatro mil votos de diferença, 32 a 28 mil votos. Nelson Noschese acredita que foi interferência de Jango, o presidente da República, do mesmo partido de Gomes, o PTB, que fizesse com que isto ocorresse. Gomes governou de 14/10/1961 a 15/6/1964, quando seria cassado, diz o então candidato a vice-prefeito, na época em eleições independentes e não associadas ao candidato ao Executivo.

Anunciava o jornal “O Diário” em 16 de junho de 1964: “Cassado José Gomes – empossado Ridel”, notícia que fora anunciada na noite do dia 14. O prefeito era cassado junto com o Presidente da Câmara, João Inácio de Souza. E o gesto traduziu-se como mais um episódio de destruição de vidas, pois José Gomes morreu em difíceis condições, assim como sua família – apesar de ser acusado pelos ditadores de plantão de “corrupto”.

A desenvoltura e lucidez de Nelson Noschese aos 94 anos são dignas de nota, para não falar digna de Registro – que é a cidade para onde ele foi após ser colocado em disponibilidade pelo Interventor Clóvis Bandeira Brasil, junto com umas 150 pessoas. Seu “crime”: ser amigo do prefeito anterior.

Era a tradicional “vindita”: “Eu ganhava quatro mil e passei a ganhar 400”, diz Noschese. “Vendi tudo e fui morar em uma pensão no Gonzaga com mulher e filha, depois fui para o litoral”, conta, ele que era chefe do Departamento de Receita, atual secretaria. Ele dá o nome de quem apontava os funcionários que deviam ser punidos: Alberto Costa Filho.

Mas o que ainda entristece Nelson é que ficou apenas 40 meses no cargo de vereador, em que assumiu na segunda lista - após a cassação dos 14 vereadores comunistas -, foi ter que entregar, por acordo partidário, o cargo no Legislativo ao então presidente do PTB, Benedito Neves Góis, renunciando para que isso ocorresse - em 30/9/1948.

Benedito, que assumiu em 12/10/1948, seria substituído depois por Fausto Saddy. “Fosse hoje eu não cumpriria o acordo partidário”, diz Noschese, que na época tinha 32 anos. Havia disputado a legenda com Benedito e depois da cassação dos 14 vereadores comunistas, no recálculo dos cocientes, disputou nova eleição com Benedito e venceu – assumindo o cargo.

  COVAS DEVERIA SER PREFEITO? – IV
- O EVENTO NOSCHESE

Paulo Matos (*)

O vereador e vice-prefeito de Registro Nelson Noschese já foi vice-presidente da Associação dos Combatentes de 1932. Na época revolucionária era escoteiro e atuou no quartel central e posto de alistamento do movimento, a atual escola Barnabé, na Avenida São Francisco – onde colaborava na equipe liderada pelo padre João Batista de Carvalho, líder local do movimento. Por conta disso recebe ainda hoje cerca de 400 reais, como “ex-combatente”, conta.

Estafeta. Esta era a função do então contador Nelson Noschese, que aos 16 anos mergulhou de cabeça nos ideais do movimento constitucionalista de 1932. "Era como se fosse o office-boy de hoje. Levava correspondências, buscava doações e fazia de tudo um pouco", diz ao jornal A Tribuna em nove de julho de 2004.

Diz ainda a matéria que “... Noschese defende a atuação dos que fizeram a engrenagem do movimento funcionar, como enfermeiras, costureiras, cozinheiras e outros. Não fomos ao front, mas somos combatentes porque colaboramos com a revolução. Sem a retaguarda não existiria a guerra".

Conforme o aposentado, que já foi vice-prefeito e vereador em Registro, todo o esforço não foi em vão. "Conseguimos a Constituição e, embora tenha tido uma parcela pequena nesta luta, fiquei satisfeito com o resultado". Sem trajes ideológicos, Nelson Noschese diz que simpatiza com Maluf, Adhemar (“a mulher dele era uma santa”) e Jânio Quadros, “gente que mostra a cara”. Quando nasceu, morava no Paquetá, na Rua Constituição, também na Rua Brás Cubas 248. É filho de família simples, com seis irmãos.

Sua lista de atividades profissionais é extensa, pois foi dono de mercearia, empreiteiro de obras, trabalhou em cooperativas, escritórios contábeis, teve salsicharia e restaurante, entre outras atividades. A maior foi conquistar votos, com leveza e raciocínio. Segundo ele, tem como aspecto marcante a facilidade de conquistar amigos, estabelecer relações. “Hoje eu poderia sim ser candidato”, diz, respondendo ao desafio do entrevistador. “Só não sou candidato porque não me elegeria, teria uns mil votos, insuficientes para me eleger”, diz.

“Mas se eu voltasse ao litoral, depois de algum tempo me elegeria ainda”, argumenta. Foi lá que ganhou forças para sobreviver e fazer nova carreira. Quando desempregado praticamente pelo Interventor Bandeira Brasil, colocado em disponibilidade e com salário reduzido, foi ajudado por Laudo Natel, então governador nomeado do Estado, e por um amigo de nome Mauriti Isidoro de Oliveira. Havia sido instalada no Vale do Ribeira uma empresa estatal de nome SANLEVADE e o superintendente era Mauriti.

O amigo de Nelson Noschese Mauriti o convidou para ser o superintendente financeiro da SANLEVADE em Registro e ele foi, depois mandou trazer a família de Santos. E por seu desprendimento e boas relações com a comunidade, foi logo ocupando cargos. Foi presidente da Comissão de Esportes e do MOBRAL, um programa de alfabetização de adultos federal da época. Indicado para ser vereador no bloco do então prefeito José de Carvalho, eleito foi líder do Governo e enfrentou pesadas batalhas na Câmara na defesa do Chefe do Executivo.

“Tinha até enfrentamentos corporais naquela época”, diz, em plenário “e eu era um bom líder” revela. E conta que ia ser candidato a prefeito indicado por Carvalho, que ocupava o cargo, “mas ele conseguiu passar a estratégia de divorciar-se de mentira e lançar a esposa, o primeiro a aplicar este golpe no Brasil, continuando a mandar na Prefeitura.

“O prefeito era um tipo assim que nem o Ademar de Barros – ex-governador do Estado do PSP - Partido Social Progressista, de procedimentos pouco ortodoxos como o exposto por Adelaide Carraro no livro “Eu e o governador”, em que ele pede uma comissão na ajuda que dá ao reformatório.

Ademar era o mesmo partido do prefeito Silvio Fernandes Lopes. “Não sei se me entende”, diz, a respeito da comparação com aquele apelidado de “rouba, mas faz” – e tinha grande popularidade. Segundo ele, a oposição da época, que tinha até um advogado, era competente e renitente e tinha dele um resistente tenaz.

Paulo Matos 
Jornalista, Historiador pós-graduado e Bacharel em Direito 
E-mail: jornalistapaulomatos@yahoo.com.br

Blog: 
www.jornalsantoshistoriapaulomatos.blogspot.com
Twitter: www.twitter.com/jorpaulomatos 
Fone: 13-97014788

Nenhum comentário: