sexta-feira, 19 de março de 2010

1968 e o “Assalto aos céus”


1968 e o  “Assalto aos céus”

Paulo Matos (*)

Dizia-se e ainda dizem: estamos a serviço de qualquer governo. Eram assim os agentes do DOPS, pseudo-profissionais de trabalhos de escuta e acompanhamento do que chamavam “subversivos” do ponto de vista político, os que queriam transformar em 1968. E para fazê-lo era preciso derrubar os “gorilas” de 1964 e o capitalismo. 

O DOPS era uma delegacia específica para “subversão” (como a do consumidor, hoje) - e nos policiava. Nós fazíamos o que Marx chamou de “Assalto aos céus”, na crítica da efêmera tomada do poder pelos trabalhadores em 1848 na França, durante a “Primavera dos Povos” e a série revolucionária 120 anos antes – que irradiou até revoluções no Brasil como A Praieira. Em 1868, Castro Alves vinha para São Paulo: seria rebeldia secular?

Era o DOPS um grupo de policiais civis sem qualquer formação intelectual ou ideológica, igualitária ou não, metidos em uma tarefa que alguns queriam levar a sério, vejam vocês. Olha, se isto não é teatro de absurdo de Fernando Arrabal (1932-), que teve sua primeira peça encenada no Brasil em Santos e pela comunista Patrícia Galvão em 1948 (40 anos antes) eu não sei o que é. Eram ridículos, mas tínhamos medo deles. Éramos jovens. A coisa iria piorar bastante, ah, isto iria.

O processo que demandou desta falaciosa tentativa atentatória deste personagem contra o interventor estadual Roberto Costa de Abreu Sodré, em novembro de 1968, está nos autos do processo, se não me engano de número 169/71 da Primeira Vara. Em 1968, a predominância etária mundial era juvenil. 

E a Revolução mundial de Maio em Paris começou em março no Brasil, com Edson Luiz – e se fez mundial pelas liberdades. Em Paris, Marx, Mao e Marcuse, Conh Bendit; na Checoslováquia, Dubcek e a Primavera de Praga. Nos Estados Unidos, era Martin Luther King, o incendiário Martinho Lutero do século XX que fez uma marcha sobre Washington de quatro milhões de pessoas.

No processo se tenta justificar a retirada do histórico Centro dos Estudantes de Santos da propriedade estudantil, se tentou dar uma capa de legalidade à ação arbitrária. Nosso trabalho era, por boa parte das pessoas, constante, insistente e incisivo, como os guerrilheiros de Canudos multiplicados pela ação efetiva, sem as matracas da Revolução de 1932 que inflavam artificialmente as ações. Era trabalho com dedicação, esforço, risos e lágrimas, discussão, objetivos e certeza, no palco da Revolução necessária e imprescindível, como é cada vez mais a cada dia.

Reuniões temáticas, palavras de ordem. Na noite seguinte, ações. “Costa, Caetano=nazismo”, era o protesto contra a visita do ditador português sucessor de Salazar. ”Fora, Rockfeller!”, contra a visita do emissário do imperialismo ianque. “Libertem Max e Clóvis”: e o Comando de Caça dos Comunistas, coordenado por pessoas que descobrimos, escrevia em cima “Forca para os comunistas”.

“Abaixo a ditamole, viva a ditadura”. A direita ficava alvoroçada com o Ato V. Os identificamos depois. Distribuição das latas de “spray”. Nosso grupo paralelo (o GELA) queria radicalizar, tinha biblioteca, era trotskista, fazia caixa com folhetos de cinema para financiar ações. Que resultaram em prisões de companheiros no Guarujá, ação metropolitana. Certo, Degas e Alberto? Mas as nuvens iam ficar mais escuras, ah, isto iria. Mas já não tínhamos medo: era o “assalto aos céus”.

Max e Clóvis, que foram presos na saída da fracassada passeata, eram lideres do Centro Acadêmico de Filosofia e da AUBS, a Associação dos Universitários da Baixada Santista. Em data anterior ao evento de minha prisão, tinham saído do CES quinze minutos antes de uma passeata programada com o artefato. Ela foi impedida pelo excesso repressivo (não de terno, mas já de fardas, capacetes, cassetetes e metralhadoras/bombas de gás). Eles carregavam dois vidros (amônia e ácido), bombas-alertas contra a repressão.

Presos na esquina vigiada da Ana Costa com a Rua Pedro Américo, ficaram no quartel da PM e longo foi o tempo de luta para libertar Max e Clóvis, com vigílias, pedágios, panfletagens e tudo – em grande alarido, trabalho integral. Vai comparar estes tempos com os do DOI CODI/OBAN! Mas eles perderam: os “fichados” viraram históricos. Os guerrilheiros viraram governantes. Mas os tempos mudaram. E a Revolução ficou prá trás, com nossos sonhos e mitos. 

Paulo Matos 
Jornalista, Historiador pós-graduado e Bacharel em Direito 
E-mail: jornalistapaulomatos@yahoo.com.br

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