segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

Direito Criminal e História - FEIOS, SUJOS E MALVADOS

Estou enviando quatro artigos no tema do Direito Criminal e História, abordando a questão do racismo e as teorias do criminalista Cesare Lombroso - para quem o bandido tinha feições que o caracterizavam. E um estudo raro das origens da discriminação como método de manutenção da sociedade de classes - incluindo Canudos e Euclides da Cunha e mais uma dezena de estudiosos da “ciência,”.  Na verdade “insciência”, ignorância - positivista e racista, que teve representantes por aqui.  
Boa leitura.

Direito Criminal e História
FEIOS, SUJOS E MALVADOS – I

Paulo Matos (*)

O médico e escritor Moacyr Scliar escreve um oportuno artigo na Folha sobre o centenário da morte do médico psiquiatra e criminalista Cesare Lombroso (1835-1909), transcorrido em 19 de outubro do ano passado. No comentário em que tentamos elencar argumentos, o título é o mesmo do filme do genial diretor italiano Ettore Scolla, de 1976, “Brutti, sporchi e cattivi”.
Historiamos estes modos de manutenção do sistema de dominação econômica, disfarçados de “ciência”, na verdade insciência, ignorância - o racismo e a discriminação, como desenham suas teses. Como os “barakumim” do Japão – os negros, os índios, os pobres, os deficientes, os judeus, os palestinos, os estrangeiros, os identificados pelos traços físicos, os judeus, os palestinos, os...

Para quem não sabe, Lombroso é aquele que via os bandidos pela cara: queixo grande, “prognatismo”, maçãs do rosto saltadas. Uma tese considerada ultrapassada pela ciência, mas que iniciou, no positivismo e seus arranjos pseudocientíficos, a sistemática criminal jurídica. Feita, como as demais, para justificar a dominação de classes sociais e os marginalizados. Dai para a eugenia nazista – supremacia racial - foi um passo. Tudo a ver.

Conhece-se a fórmula do Positivismo: segundo a Wikipédia, ele “... associa uma interpretação das ciências e uma classificação do conhecimento a uma ética humana radical, desenvolvida na segunda fase da carreira de (do filósofo Augusto) Comte (1798-1857), segundo a qual as avaliações científicas devem estar rigorosamente embasadas em experiências” - em um cientificismo canhestro, para dizer o menos, pretensamente seguido à risca.

Os fatos da sociedade deveriam seguir uma natureza precisa e científica. E a palavra de ordem do Positivismo era desprezar a inacessível determinação das causas, dando preferência à determinação das leis. Dessa forma substituía-se o método “a priori” pelo método “a posteriori”. Para Comte, seu autor, seria o último passo na evolução da história.

Na narrativa, o médico Scliar conta que o escritor Euclides da Cunha, em “Os Sertões” – narrando a Guerra de Canudos (1893-1897), que a observou como jornalista designado pelo jornal O Estado de SP - abraça a teoria. Mas o faz, observo, apenas inicialmente: posteriormente a reverte. Depois, escreve Scliar, Euclides “neutraliza em parte” a assertiva discriminatória, ao dizer que “o sertanejo é acima de tudo um forte”. Para mim, vai adiante.

No cenário de Canudos, um médico partidário desses princípios estuda o cérebro de Conselheiro, a procura de loucura: que outra coisa faria um homem liderar uma comunidade marginalizada, a de Belmonte, em busca da sobrevivência? Louco como Spartacus? Quem é o “ser desequilibrado” descrito por Euclides e buscado nessa análise por Raimundo Nina Rodrigues (1862-1906)? Dr. Nina adotava pensamentos como o de Lombroso, estudioso da frenologia de Franz Gall (o caráter definido pelos traços do crânio) e da fisiognomia (definição pela fisionomia, de Lavater).

Como escreve o saite Portfolium, (http://www.portfolium.com.br/Sites/Canudos/conteudo.asp?IDPublicacao=70), “para Nina Rodrigues, catedrático de Medicina Legal, o Conselheiro seria, como alinhou, um `simples louco´, um `psicótico sistemático progressivo que teve a enfermidade determinada pelas condições sociológicas do meio´,. Havia muito que essa interpretação era corrente entre as elites nordestinas. Ela seria retomada por quase todos os analistas posteriores aos fatos”.

E ainda, que “... Conselheiro pregaria um "ascetismo" e um "comunismo em que os mais abastados cediam dos seus recursos em favor dos menos protegidos". Essa doutrina distrairia os sertanejos de suas "vidas pacíficas" e das atividades produtivas tidas como normais”. A revolução social era loucura e insanidade.

Paulo Matos  é autor do livro “Anchieta, 15 anos/a quarta revolução mundial da psiquiatria”
Jornalista, Historiador pós-graduado e Bacharel em Direito 
E-mail: 
jornalistapaulomatos@yahoo.com.br 
Blog: 
www.jornalsantoshistoriapaulomatos.blogspot.com

Direito Criminal e História
FEIOS, SUJOS E MALVADOS – II

Paulo Matos (*)

O criminalista, médico e psiquiatra positivista Cesare Lombroso estudou na Universidade de Pádua, Viena, e Paris e foi, entre 1862 e 1876, professor de psiquiatria na Universidade de Pavia. E medicina forense e higiene (1876), psiquiatria (1896) e antropologia criminal (1906) na Universidade de Turim, diretor do asilo mental de Pádua. Espírita, suas idéias sustentaram um momento de rompimento de paradigmas no Direito Penal e o surgimento da fase científica da Criminologia – na meta da prevenção do dano ao corpo social do delinqüente. Na verdade, a proteção das classes dominantes ante as massas deserdadas pela ordem (ou desordem) econômica.

Mas que “ciência” era esta, que quer justificar o ideário das novas classes privilegiadas? Vicente Garrido garante a “pouca ciência” – insciência - das teses lombrosianas. Isto apesar das amplas pesquisas em 25 mil presos que, supostamente, comprovavam o atavismo criminal. Ou seja, o “destino” imposto por evidências físicas como a epilepsia, como lembra Antonio Garcia Molina - entre as quais inclui a tendência a tatuagem. Em nossos tempos, seria repudiado. A tese foi trazida ao Brasil pelo Conde de Gobineau (1816-1882), um nobre de araque que veio como chefe da missão francesa em 1869.

Como escreve Carlos Alberto Elbert em seu “Manual Básico da Criminologia”, o positivismo está estreitamente ligado à busca metódica sustentada no experimental, rechaçando noções religiosas, morais, apriorísticas ou conceitos abstratos, universais ou absolutos. O que não fosse demonstrável materialmente, por via de experimentação reproduzível, não podia ser científico, alinha. A idéia formulada pelo movimento positivista atendia às carências da burguesia no final do século XIX, antes apoiada em um Direito Penal Liberal que neutralizara a nobreza. E que limitava através de um órgão legítimo seu poder arbitrário para reprimir a revolta.

As idéias penais e criminológicas dos positivistas coincidem com a preocupação central: é a de romper com a limitação liberal do poder de agir discricionariamente. E lhes proporcionaram um instrumento para afugentar o perigo que para a manutenção do sistema, no perigo que significavam os marginalizados.

No início, Lombroso dizia que 75% do total de transgressores eram natos, depois estabelecendo em 40% e, posteriormente, um terço. Terminou atribuindo à epilepsia a causa da delinqüência, na tese refutada em pouco tempo. É a “ciência” da marginalização, como o positivista Phillip Pinel (1745-1826), médico que iniciou a humanização das terapias de saúde mental - época em que este inventou que rodar os “loucos” de cabeça para baixo trazia a cura, para se ter idéia da “ciência” utilizada.

Com Lombroso, rebatia-se a tese da Escola Clássica da responsabilidade penal lastreada no livre-arbítrio, junto com os adeptos da Escola Positiva de Direito Penal na nova ordem, então justificada “com elementos” na infância da criminologia.  Os indivíduos estavam em pesquisa nesta fase, que abandonava a clássica, apesar disso ainda abraçada por juristas de nossa cidade e de nosso país.

Paulo Matos  é autor do livro “Anchieta, 15 anos/a quarta revolução mundial da psiquiatria”
Jornalista, Historiador pós-graduado e Bacharel em Direito 
E-mail: 
jornalistapaulomatos@yahoo.com.br 
Blog: 
www.jornalsantoshistoriapaulomatos.blogspot.com

Direito Criminal e História
FEIOS, SUJOS E MALVADOS - III

Paulo Matos (*)

Euclides da Cunha (1866-1909) - escritor, engenheiro, militar, sociólogo, geógrafo e poeta -, se transforma no transcurso do livro “Os sertões” diante da bárbara repressão aos sertanejos, que apenas se organizam socialmente em Canudos. Na verdade, determinista racial e geográfico, quando escreve sobre eles – que considera “inferiores” por sua miscigenação, para depois credenciá-los como fortes e heróis -, mais do que “neutraliza em parte”, como escreve Scliar. Mas reverte sua postura, como escreveu Marcelo Rubens Paiva, compreendendo a natureza social do evento e rompendo com seu ideário pré-concebido.

O escritor que inicia o livro de dez mil palavras, publicado em 11 idiomas e editado pela primeira vez em 1902 - que depois teve 80 edições em dezenas de países -, não é o mesmo que o conclui, mas o contrário. Inclusive torna-se socialista e participa da fundação desse partido, em 1901, em São José do Rio Pardo. Escreve o revés do que iniciou, não tinha o “delete”, senão apagava. E não com o que viu, mas com o que aprendeu nos relatórios militares em que se baseou, evoluindo socialmente, mudando de época como Castro Alves fez com o romantismo, que tirou da “fossa” para lançá-lo em uma luta social como o abolicionismo.

Rosso(http://amaivos.uol.com.br/amaivos09/noticia/noticia.asp?cod_canal=44&cod_noticia=13885) escreve que “...embora a existência política de Euclides da Cunha tenha origem no binômio positivismo-cientificismo, em “Os Sertões” o escritor aponta ‘a existência de um ‘feudalismo bronco’ no sertão. E torna-se, a partir de então, o primeiro a propor uma conceituação sociológica precisa sobre o problema da propriedade e uma pioneira definição do estágio econômico-social do campo’.

Euclides já se anunciava, embora republicano e militarista radical, inclusive afastado do Exército por radicalizar a luta republicana em um ato isolado de insubordinação e rebeldia em 1888, ao casar a filha com o general Sólon, um chefe militar de Canudos: assinava com o codinome “Proudhon” - o fundador do Anarquismo - e era doutrinário e revolucionário, equívoco. Depois, percebe-se sua evolução. As quatro batalhas, com a vitória governamental a cinco de outubro de 1897, massacraram o reduto de 30 mil pessoas com canhões Krupp e tropas de onze estados brasileiros, cinco mil soldados, na maior violência militar de nossa história, o que o transformou.

Euclides aprendeu a questionar o que, ao início, cultuava como verdades absolutas, ele antes positivista fanático amante da ciência. Que, inclusive, foge do tema no livro e gasta dezenas de páginas descrevendo, em análise pseudo-científica, determinista, a vegetação, o clima e as pessoas do lugar. Para ele, estes são “degenerados pela mestiçagem”. A certa altura no livro, são heróis. Explicaria o fenômeno histórico com presteza o comunista Rui Facó (1913-1963) em “Cangaceiros e fanáticos”: foi a luta pela terra, ele que foi um emérito defensor da miscigenação.

A tese racista não é de Euclides. Tem a ver na origem com o médico Benedict Morel (1809-1873), para quem a mestiçagem levaria à desordem mental e à extinção dos agentes envolvidos, dado que a ciência provaria ser exatamente o inverso. Quem nos trouxe a tese foi Joseph Arthur de Gobineau - o Conde de Gobineau (1816-1882), diplomata, escritor e filósofo francês, um dos mais importantes teóricos do racismo no século XIX. Junto com ele, Jean-Louis Agassiz (1807-1873), botânico suíço, no Brasil entre 1819 e 1820.

São os teóricos em que se baseou Hitler, junto com o determinismo geográfico de Friedrich Ratzel (1844-1904, geógrafo e etnólogo alemão), que justificou a escravidão dos povos dominados e instituiu o “espaço vital” do Fuher. Gobineau é considerado precursor das teses nazistas, como explica o médico Scliar. Segundo ele, a mistura de raças (miscigenação) era inevitável e levaria a raça humana a graus sempre maiores de degenerescência física e intelectual. É-lhe atribuída a frase "Não creio que viemos dos macacos, mas creio que vamos nessa direção." O Brasil provou o contrário.

Paulo Matos  é autor do livro “Anchieta, 15 anos/a quarta revolução mundial da psiquiatria” Jornalista, Historiador pós-graduado e Bacharel em Direito 
E-mail: 
jornalistapaulomatos@yahoo.com.br 
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www.jornalsantoshistoriapaulomatos.blogspot.com

Direito Criminal e História
FEIOS, SUJOS E MALVADOS - IV

Paulo Matos (*)

A propósito da tese lombrosiana de que um bandido se vê pela fisionomia, escreve José Paulo Paes (“Canaã: o horizonte racial” -http://www.scielo.br/pdf/ea/v5n13/v5n13a10.pdf), que “no terreno das teorias sobre a sociedade humana, vulgarizou-se então o chamado darwinismo social, e uma de suas manifestações extremas foram às teorias racistas” - base originária do nazismo. A origem é Darwin e sua “seleção natural”.

Como escreve o saite que traz o texto de Voltaire Schilling, (http://www.derechos.org/nizkor/brazil/libros/neonazis/cap11.html), Todas as teorias de superioridade racial, de anti-semitismo, de seleção da espécie, já se encontravam largamente difundidas bem antes de Hitler assumir o poder. O Führer Nacional-Socialista implementou o que amplos setores científicos daquela época acreditavam ser verdadeiro. Foi o primeiro pacto moderno entre a ciência e a barbárie, entre a genética e a tecnologia da morte”.

Este era o tema do pensamento nascido nos séculos XVII e XVIII, que vinham ao encontro dos interesses do colonialismo europeu e das classes dominantes de então. Dizer que os povos colonizados eram inferiores era a receita para justificar a dominação. Vinham eivados de conteúdo ideológico estes conceitos e Hitler fez uso radical deles. O racismo sempre foi um mero instrumento de dominação: O Império Romano o usou contra os “bárbaros”, depois se aliou a eles. Bobagens e crueldades.

Escrevendo sobre a análise de Silvio Romero (1851-1914), filósofo que assinava “Fuerbach”, diz José Paulo que ele “... embora se louvasse em autores como Gobineau e Oto Amon, antropologista alemão (1842-1916)”, na esteira deles considerou índios e negros como povos inferiores - e via “vantagens” na miscigenação. As “vantagens” é que seus agentes iriam desaparecer. Silvio foi um professor e político sergipano, poeta romântico da geração Victor Hugo e ensaísta, deputado federal que atuou na revisão do Código Civil – um dos primeiros intelectuais a se interessar pela história de Canudos, amigo de Euclides da Cunha e seu precursor na sociologia.

Para Romero (http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-40141991000300010), o mestiçamento era “... uma das causas de certa instabilidade moral na população, pela desarmonia das índoles e das aspirações no povo, que traz a dificuldade da formação de um ideal nacional", donde ele adiar para um "futuro mais ou menos remoto" a consecução da nossa "almejada unidade" racial.

Para ele, esta se traduziria num progressivo embranquecimento da população brasileira: "Será mister que se dêem poucos cruzamentos dos dois povos inferiores [os negros e os índios] entre si, produzindo-se assim a natural diminuição destes, e se dêem ao contrário, em escala cada vez maior com indivíduos da raça branca".

Ou seja, ele considera “positiva” a união dos “povos inferiores” – acreditando, pasmem, que assim eles iriam se eliminar e provocar o aumento da predominância branca. Euclides da Cunha, que os atribui como defeituosos pela mestiçagem, vai buscar em Gumplowitz (1838-1909) a justificativa de que “a guerra das raças é o motor da história”, em busca de uma base científica, base ignara da filosofia nazista de origem positivista.

Também o médico Nina Rodrigues defendia a tese, ele que analisou o cérebro de Antonio Vicente Mendes Maciel, o Antonio Conselheiro líder de Canudos, a procura de traços de “degenerescência’. Não os encontraria sequer nos militares que promoveram o maior genocídio da história brasileira contra uma comunidade produtiva de trinta mil seres humanos, embora fosse mais provável.

Os seguidores de Antonio Conselheiro, por 20 anos em sete estados, foram os precursores da reforma agrária quando ocuparam, em julho de 1893, a Fazenda Velha abandonada de Canudos. E a fizeram oásis nordestino, farto e feliz. Oferecendo a histórica saída para a miséria na propriedade comum e solidária, autônoma e livre – até hoje distante. E que pelo seu sucesso social gerou fortes inimigos, que decretaram seu aniquilamento há 113 anos. Mas suas teses de organização social sobreviverão, enquanto que as teorias racistas têm seu lugar na lata de lixo da história.

Paulo Matos é autor do livro “Anchieta, 15 anos/a quarta revolução mundial da psiquiatria”
Jornalista, Historiador pós-graduado e Bacharel em Direito 
E-mail: jornalistapaulomatos@yahoo.com.br 
Blog: 
www.jornalsantoshistoriapaulomatos.blogspot.com

2 comentários:

Maria José Speglich disse...

E o Battisti, vai ou fica?

Anônimo disse...

Meu caro Paulo Matos, obrigado pela mensagem e pelo magnifico artigo no qual, e para meu orgulho, sou mencionado. Você sintetizou magistralmente o problema daqueles que, partindo da ciência ou pseudo-ciência) chegam, por erro ou não, a posições absolutamente desumanas. Muito bom! Receba os parabens e o abr. do Moacyr Scliar