domingo, 27 de dezembro de 2009

FALAR AO CELULAR AO VOLANTE NÃO PODE, COBRAR PASSAGEM EM ÔNIBUS PODE - os mistérios da fiscalização

FALAR AO CELULAR AO VOLANTE NÃO PODE,
COBRAR PASSAGEM EM ÔNIBUS PODE
- os mistérios da fiscalização

Paulo Matos (*)

A discussão sobre a permissão legal ou não de se falar ao celular na direção do veículo automotor é perene: sequer o viva - voz é possível, punível. Entretanto, governadores de estado e prefeitos olham de lado quando se fala no assunto dos motoristas de ônibus urbanos. que cobram e dirigem ao mesmo tempo - sem incômodos ou punições. Mistério!

Uma empresa que monopoliza boa parte do transporte coletivo nacional introduziu esta forma de reduzir custos, para aumentar o lucro, no modelo neoliberal - retirando os cobradores e obrigando os motoristas a andarem e cobrando e dirigindo com os cotovelos. Eles têm hora para chegar ao ponto final ou são multados. A atitude fere leis de trânsito, trabalhistas, códigos de Medicina do Trabalho, tratados internacionais de Direitos Humanos e que tais, mas só desobedece quem pode. Ônibus lotados e desumanos, quentes, caros e atrasados completam o quadro.

Não fale do assunto com secretários de estado ou municipais do transporte se não quiser ouvir lero-lero que não explicam nada, permanecendo o tema com o um dos grandes mistérios da humanidade: que poder mágico tem os donos do sistema de transporte coletivo! Os acidentes se multiplicam, atropelamentos e colisões, uma breve pesquisa comprova. Transporte intermunicipal e municipal de diversas cidades mantém o modelo. O que fazer? Alguém vai solucionar este mistério?

(*) Paulo Matos
Jornalista, Historiador pós-graduado e Bacharel em Direito
E-mail: jornalistapaulomatos@yahoo.com.br
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O “EXAGERO” DE CHAVEZ

O “EXAGERO” DE CHAVEZ
Paulo Matos (*)

A manifestação de Chávez em face da definição sobre as bases militares norte-americanas na Colômbia foram exageradas? Chamaram para a guerra, criando hipóteses impossíveis de geração de conflitos? É isso ou não é nada disso? Bem, a memória da história parece confirmar a assertiva do líder venezuelano. Mas sobre ele se lança forte campanha de demonização, a ponto de se relativizar a afirmação. O fato é que a exportação da guerra para a América do Sul vai matar nossos filhos em breve, por bombardeios insanos - isso é real.

Vamos aos dados: “A expansão dos EU sobre o continente americano, até a América do Sul, é o destino de nossa raça e nada pode detê-la”. Em 1857, na posse, o presidente James Buchanan disse isso. A frase é antiga? Vejamos se confirma: os EU dobraram o tamanho de seu país através de invasões. Antes de matar todos os índios que povoavam a América, a quinze anos da Independência os EU compram, sob leve pressão, o hoje estado da Louziânia - que era da França.

Depois, os EU adquirem a Flórida da Espanha, com igual gentileza. São novos estados. E de quebra roubam vasto território do México, do Texas a Califórnia, já com genocídios. O Havaí eles tomaram em 1898. Guantánamo foi “arrendada” pelos EU em 1903 em um “contrato perpétuo” – figura inexistente no Direito.

Os E.U.A. invadiram Cuba em 1961, tentando derrubar a Revolução Popular. “As novas nações emancipadas da América estão sob a proteção dos EU”, disse o presidente Monroe em 1823, quando achacava o México. “A América para os americanos”, afirmavam. Do norte, é claro.

A “nação das nações” iria comandar o mundo e esta ideologia se espalha em meados da década de 1840-50. O diplomata e jornalista John Louis O`Sullivan é a quem se atribui a origem desta expressão, o “Destino Manifesto” – que atribuía aos EU a escolha divina para dominar o mundo, alimentando a expansão populacional e dos imigrantes. Como no antigo poder absoluto dos reis escolhidos por Deus para governar - derrotados pelo Iluminismo.

No ano de 1855, um jornal de New Orleans publicava matéria dizendo que “a pura raça anglo-americana está destinada a estender-se pelo mundo com a força de um tufão”. A raça hispano-mourisca seria abatida. É o que escreve o jornal “New Orleans Creole Courier, de 27/1 deste ano, na liderança branca do país mestiço.

Hoje os EU tem 170 bases em cinco continentes. Há séculos a história registra invasões do México, Nicarágua, Guatemala, Panamá, Coréia, Vietnã e vizinhos, “rangers” na Bolívia – falta espaço para colocar todas as invasões.

O Washington Post (19/10/2006) escreveu que o presidente Bush disse que o espaço sideral também pertence aos EU. Este Chávez só fala sandices mesmo. Imagine, como se os EU tivessem uma ave de rapina na Bandeira!

Paulo Matos - Jornalista, Historiador pós-graduado e Bacharel em Direito
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TRÓLEBUS E TRAMAS EM SANTOS

TRÓLEBUS E TRAMAS EM SANTOS


Paulo Matos (*)

Novembro 2009

A propósito da questão dos trólebus em Santos, em que o brilhante promotor Daury de Paula Júnior comenta seu necessário tombamento, alertamos que o núcleo não é apenas este aspecto, mas sua existência real. Como militantes e historiadores da área do serviço público essencial de transporte de massas, em que atuamos há um quarto de século, temos a contribuir com a população e os trabalhadores do sistema neste enfoque.

Esta contribuição se faz com base em apelos que há vários anos encaminhamos ao Ministério Público e às autoridades, visando a reimplantação do transporte elétrico como as maiores cidades do mundo. Denunciando a infração contratual que fez desaparecer os trólebus -, que narramos no Trabalho de Conclusão de Curso em Direito no Ano de 2002 “Catracas, cobradores e direitos sociais”. Nesse trabalho, alinhamos as ilegalidades e arbitrariedades do sistema coletivo praticadas pela empresa, reportado antes na obra de nossa autoria “Transporte Coletivo em Santos, história e regeneração”, de 1987. Em destaque também a equivocada retirada dos bondes.

O serviço de trólebus foi inaugurado em 12/08/1963 com 50 veículos, com custo menor que os ônibus diesel. A questão é importante para a qualidade de vida da população, que sofre no ir e vir do trabalho até hoje. A reinstalação dos elétricos não era saudosismo, mas trazia de volta o sistema introduzido pelo prefeito José Gomes. Era o vice empossado do falecido prefeito Luiz La Scala, que não assumiu, deposto no Golpe de 1964. E reintroduzido pelo grande defensor do sistema elétrico, os bondes e trólebus, o prefeito Oswaldo Justo - em 1987.

Ocorreu que o contrato inicial do transporte coletivo sob o regime de concessão, realizado sob a administração do prefeito David Capistrano (1993-1996), estabelecia a obrigatoriedade da instalação pela concessionária de 30 (trinta) trólebus, desobrigados pelo seu sucessor Paulo Mansur. O que implicou na renúncia unilateral da Prefeitura à posse dos equipamentos (veículos, rede elétrica e retificadores, o que nos permitiria um transporte melhor) após cinco anos. Um dano à cidade, mais um prejuízo à população.

Mas afinal, quais as razões para a desobediência desta norma e, “contrario sensu”, a extinção do serviço elétrico não poluente, durável e confortável? Digno da cidade que em 1917, como reporta meu livro sobre o tema, tinha a melhor rede de bondes elétricos da América Latina? A resposta foi que o encarecimento da energia elétrica tornou inviável a realização do contrato. Mas esta modificação não provada implicou em perdas permanentes para a cidade.

Foi esta a resposta à época da Prefeitura, em informações da empresa, “ipsis literis et verbis”, ao tempo do prefeito anterior ao atual. Em lugar dos trólebus, justificou-se então, foram adquiridos dez ônibus “Série Ouro”, confortáveis. Ocorre que estes veículos, além de adquiridos a 10% do preço dos trólebus em significativa “mais valia”, podemos dizer, duraram pouco - retornando os veículos impróprios para o transporte humano que circulam atualmente. E tudo voltou a ser como antes no quartel de Abrantes, para dizer o menos. Como vítimas, mais um vez, os usuários.

(*) Paulo Matos é autor do livro “Transporte coletivo em Santos, história e regeneração” editado no governo do prefeito Oswaldo Justo. e do TCC “Catracas, cobradores e direitos sociais”, em 2002.
É Jornalista, Historiador pós-graduado e Bacharel em Direito.
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TENHO MEDO - Política ambiental, aquecimento global e invasão do mar

TENHO MEDO

Política ambiental, aquecimento global e invasão do mar

Paulo Matos (*)

Tenho medo das políticas ambientalmente erradas nas áreas urbanas em que mora 80% do mundo e em que o mar avança nos litorais. Em um momento de despertar para os alertas ambientais que fazemos há 30 anos, tenho medo de uma cidade de árvores devastadas pelas pragas. Aqui, a regra é a poda e a retirada, substituídas por jovens espécimes juvenis e frágeis, vegetais cercados de concreto sem poder respirar.

Medo dos maus tratos à vegetação que protege dos ventos cada vez mais fortes gerados pelo aquecimento global, umidifica o ar, reduz poluição, absorve água, calor e barulho, gera sombreamento dos raios de sol agravados pelo o buraco na camada de ozônio. Tenho medo do transporte coletivo ruim e que só busca o lucro financeiro, gerando transporte individual cada vez mais caótico, desperdício poluindo o ar e os espaços. Nossa política é na contramão do bem-estar.

Tenho medo da coleta de lixo limpo deficiente ou inexistente, do desperdício de materiais recicláveis mesclados, 2/3 de lixo bom estragado com 1/3 de lixo também aproveitável. Tenho medo do asfaltamento e da impermeabilização irracional e do aquecimento do clima pelo sol e pelo cimento e asfalto. Medo da dragagem do canal do porto, que levantará milhões de toneladas cúbicas de veneno, matando pessoas e reduzindo a pesca.

Tenho medo da política equivocada dos canais e comportas, que enchem o mar de lixo e poluentes lançados ao mar desnecessariamente. Tenho medo da falta de infra-estrutura que só cresce privatizada, das enchentes, do caos urbano. Medo dos carros, caminhões e ônibus poluentes – cadê os trólebus contratados em Santos? -, sem que os elétricos se apresentem em função dos interesses privados ou do lobby capitalista do petróleo.

Tenho medo da falta de políticas e campanhas ambientais, das omissões em tempos de emergência. Tenho medo das ilhas de calor urbano, da falta de atitudes, do presente e do futuro. Tenho medo das políticas arquitetônicas equivocadas, do não aproveitamento das áreas urbanizadas para moradias populares causando a multiplicação dos deslocamentos necessários. Tenho medo da irracionalidade dos administradores e da ausência de soluções interdisciplinares. Tenho medo: precisávamos ter tomado o poder – ou desfazê-lo. Agora não dá mais. Outros virão e farã

(*) Paulo Matos
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A REPORTAGEM E O COMENTÁRIO - ERUNDINA, A DÚVIDA E A DIVIDIDA

A REPORTAGEM E O COMENTÁRIO

ERUNDINA, A DÚVIDA E A DIVIDIDA

Paulo Matos (*)

Pouca coisa no Brasil é mais importante do que este debate da Luiza Erundina sobre a comunicação social no país, modeladora da sociedade que é, hoje afirmadora de conceitos pérfidos de gestão econômica e política, que demonizam o bem e promovem o mal - para ser sintético. O número de fraudes que se pratica na área não é para qualquer timizinho de segunda divisão, mas bola lançada na área para disputa com beque de fazenda.

É equivalente seu valor, pois ataca o coração do sistema de domínio e controle social do novo poder, que antes era de terras e hoje é de mídias, que elegem espécimes de todas as espécies, para dizer o menos. "Basta a Revolução para fazermos isto", diziamos antigamente na transformação que não fizemos. Isto é a Revolução, sabemos agora, passe a passe, de pé em pé, no controle da bola, prá emplacar e vencer. É isso. Neste e em muitos casos, a sabedoria vem do nordeste. A reação é a dívida, com medo da dividida. É isso.

Paulo Matos
Jornalista, Historiador pós-graduado e Bacharel em Direito
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Notícias do Mandato. Brasília, 20 de novembro de 2009.

Deputados rejeitam debater renovação de concessão de emissoras ligadas à redes Globo e Record, mas aceitam examinar terceirização

A Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática da Câmara dos Deputados rejeitou requerimento da deputada Luiza Erundina para realização de audiência pública para debater a renovação de concessão de emissoras de TV ligadas às maiores redes do país: Globo e Record. As renovações têm validade de 15 anos.

Na mesma reunião da CCTCI, no entanto, Erundina conseguiu aprovar outro requerimento. Este, para debater a prática de rádios e TVs de comercializarem ou cederem a terceiros espaços em suas grades de programação.

Leia mais em: http://www.luizaerundina.com.br/

sábado, 26 de dezembro de 2009

PETRÓLEO EM PAUTA NO BLOG - UMA VISÃO SOCIAL DESSA HISTÓRIA

PETRÓLEO EM PAUTA NO BLOG
UMA VISÃO SOCIAL DESSA HISTÓRIA

Vá ao blog do jornalista Paulo Matos http://jornalsantoshistoriapaulomatos.blogspot.com ou vá direto ao link http://jornalsantoshistoriapaulomatos.blogspot.com/2009/09/o-petroleo-e-sua-caminhada.html. E leia 15 artigos sobre o petróleo na bacia e Santos e sua história. E mais o ensaio que o jornalista está desenvolvendo com o titulo "Verão Vermelho - Os 60 anos da campanha "O petróleo é nosso".

A data é marcada pelo assassinato em Santos de Deoclécio Santana, durante o comício do movimento nacional na bacia do Macuco em 30 de setembro de 1949. Isso entre muitos outros fatos da época como as eleições de 1947 que elegeu a “Câmara Vermelha”. Eram 14 vereadores do PCB, que fariam a maioria com apoio dos dois do PSB na Câmara de 31 edís. Mas foram todos cassados, em todo o país. Leia.
Paulo Matos
Jornalista, Historiador pós-graduado e Bacharel em Direito
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DA GLOBALIZAÇÃO À GLOBALIZAÇÃO - A HISTÓRIA DOS MAIS DE 500 ANOS DA BAIXADA SANTISTA

DA GLOBALIZAÇÃO À GLOBALIZAÇÃO
A HISTÓRIA DOS MAIS DE
500 ANOS DA BAIXADA SANTISTA

Paulo Matos (*)

À época em que só voavam as aves e a chegada dos colonizadores só se dava pelo mar, aquela que seria a maior metrópole do hemisfério se fez por aqui neste ponto de acesso ao planalto. No lugar em que nasceu o primeiro sonho de voar, com o Padre Bartolomeu de Gusmão, que criou o modelo do aeróstato, o balão, Santos – ou a época da descoberta, São Vicente, já que o porto constava de mapas internacionais.

Mas, como ouvimos e percebemos, pouco se sabe da verdadeira história da ocupação inicial destas terras pelos colonizadores que substituíram os índios na ocupação do território. Certamente não foi Martim Afonso de Souza (que subiria a serra em 1532 com João Ramalho), como conta a história oficial, que chegou naquela que seria a primeira cidade do país, São Vicente. Não é bem assim, pelo menos tal como se transmite a história.

Na verdade, a São Vicente que chegou Martim Afonso ficava onde hoje é Santos, na atual ponta da praia, do lado oposto ao atual município vicentino. e quando o comandante militar chegou com suas tropas e canhões, na verdade foi para reprimir uma comunidade implantada há 30 anos por portugueses, índios e espanhóis, heterogênea nacionalmente e ameaçando a posse portuguesa da terra. trinta anos antes dele havia chegado o bacharel.

Essa comunidade era liderada pelo bacharel-mestre Cosme Fernandes Pessoa, que fundou em 1510 o porto de São Vicente e desde 1502 estava por aqui. Com ele, Antonio Rodrigues e João Ramalho. Isto daria uma guerra entre o bacharel e Martim Afonso, em 1537.

Estes dados, pesquisados amplamente e publicados pelo historiador maior da cidade Francisco Martins dos Santos há mais de 60 anos, conta a verdadeira história dos que subiram a serra pelo caminho dos índios, que seriam dizimados pelos europeus mas, na verdade, dizimaram antes os habitantes locais pré-históricos, os botocudos a que chamavam de tapuias, o inimigo e de quem absorveram culturas – demonstrando que esta também se transmite do dominador para o vencido e não apenas inversamente.

Bem, o fato é que os índios já faziam o caminho da serra, trilhando as margens dos rios Mogi e Perequê, quer para pescarem (de maio a julho, quando fazia muito frio lá em cima e quando emigravam as tainhas curumã para cá) ou se comunicar com as povoações do litoral. Esta seria, depois, a primeira estrada pavimentada da América do Sul, a Calçada de Lorena em zig-zag.

Assim era chamada a Calçada de Lorena na sua construção do século XVIII, construída por Bernardo José Maria de Lorena, o Governador da Província. Antes era a trilha feita pelos Índios (ou seus antecessores), a trilha dos Goianazes - e depois de 1560 o Caminho do padre José, feito por Anchieta em 1553, já que haviam muitos ataques na antiga trilha. Em função destes caminhos foi que nasceu Cubatão, que era Santos e hoje é município independente.

Pela trilha, os índios levavam serra acima o peixe já seco, para prover-se, sem a preocupação do acúmulo e da venda que, afinal, acabaram por estragar tudo. O Caminho do Mar foi projetado em 1598 e iniciado em 1660. Em 1790, se inicia a Calçada de Lorena. A Estrada da Maioridade viria em 1845, em 1867 o trem de Evangelista, O Visconde de Mauá, o responsável pela chegada do café e pela viabilização econômica desta terra de todos os santos que, afinal, fez São Paulo nascer.

Dentro deste tem, é interessante observar o texto da Globalização.


DA GLOBALIZAÇÃO À GLOBALIZAÇÃO
A HISTÓRIA, A PARTIR DOS 500 ANOS DA BAIXADA SANTISTA

PAULO MATOS (*)

EM DESENHO DE RIBS, A FORTALEZA DA BARRA GRANDE

ILHA DE SANTO AMARO - GUARUJÁ

Construída pelos espanhóis durante o período da dominação sobre Portugal (1580-1640), a Fortaleza da Barra Grande, na ilha de Santo Amaro, de 1584, ocupa um local que foi o primeiro a ser tocado no país pelos colonizadores, na expedição denominadora de 1502.


GLOBALIZAÇÃO, ESCALAÇÃO E SELEÇÃO:

O SISTEMA SUICIDA

Afinal, o que é essa “globalização” que abre caminho pela diplomacia, pelo dinheiro, pelas articulações internas que derrubam governos, mudam mapas-múndi ou, se preciso, arrebentam fronteiras e resistências pelas bombas, tanques e aviões ? Que caminhos são esses que encontra tantas opiniões sobre suas origens, como se tratasse da escalação do selecionado nacional de futebol ?

Acaso se tem em conta que fosse diferente a ação dos países “globalizadores”, como foram Portugal no século XVI ou os Estados Unidos no Iraque neste início do XXI, isso importaria na bancarrota de um modelo econômico expansionista, que vige no mundo hoje ? Outrora, Portugal precisou extrair recursos daqui, como antes e depois impérios garantiram sua manutenção na exploração internacional. O capitalismo não vive sem novos mercados para conquistar e explorar. É da sua natureza.

Nada como chegar perto desse globo, trazê-lo para próximo de nós e entendê-lo, pois ele também ocorreu (e ocorre) por aqui. E procurar entender sua lógica em um sistema que sobrevive do lucro que extrai desse globo que, afinal, somos todos nós – antes que sejamos também vítimas dessa fome incontida e devoradora, o capitalismo suicida.

ENGELS: EXPLODINDO O MUNDO: O SUICÍDIO PLANEJADO

Trata-se de um modelo econômico que transformou o trabalho, de condição básica e fundamental de toda a vida humana, responsável pela própria evolução do homem, da sua formação física, inclusive, em instrumento de exploração e acumulação nas mãos de uma minoria – que busca lucros imediatos nas operações de produção e troca.

Esses atos não contemplam as causas sociais indiretas e remotas, que ocorrem posteriormente, lentamente mas inevitavelmente – os resultados futuros, os prejuízos humanos e ambientais. Praticam apenas os chamados “atos irresponsáveis”, que produzem a vantagem imediata, o chamado lucro fácil.

Lucro fácil como, por exemplo, atos de produção de armas letais cada vez mais sofisticadas, poluindo rios, ares e mares; automóveis venenosos e um modo de consumo irracional que esgota a natureza e envenena o homem, comprometendo a vida no planeta para a espécie humana – em um verdadeiro suicídio planejado.

Em nome do progresso, os homens devastam florestas, rompem a camada de ozônio que protege a terra dos raios solares. Imagine um Estado comandado por estes interesses. Sintetizando Friedrich Engels, um filósofo alemão (companheiro de Karl Marx) que escreveu isso tudo em 1876: explodem o mundo!

GLOBALIZAÇÃO SANTISTA, COMO AS DEMAIS

Primeira das regiões brasileiras a ser tocada e desenvolvida pelos colonizadores, a Baixada Santista comemorou seus primeiros 500 anos, em 2000, no auge da globalização, no final do século XX. Que não é aquela dentro da qual se insere sua descoberta - que, na realidade, foi descobrir a realidade emergente que se impunha a Portugal de assumir, de pronto, a posse da terra brasileira, na globalização das navegações do século XVI – na missão de tomar posse de novos territórios. Como as demais.

Esta da descoberta brasileira não foi a primeira globalização: antes dela, o início desse processo registrado na história, que foi a expansão árabe a partir do século VII. E as hipóteses aventadas das remotas eras anteriores, das quais temos apenas sinais e indícios. Portanto, a globalização que vemos não é coisa nova.

A globalização também não é algo que possa ser evitado ou reprovável, face aos prejuízos sociais que causa, com a competição entre mercados desiguais do norte e do sul, ricos e pobres em determinados bens, uns e outros – atualmente sob controle “leonino” mais fortes e armados países do norte.

É fator objetivo a globalização traduzida como integração mundial, sonho dos trabalhadores desde sempre, articulado concretamente em meados do século XIX – em 1868 – na Internacional Socialista, quando as representações mundiais de trabalhadores organizados tentava ampliar os rumos do movimento operário reivindicatório.

Mas efetivamente, essa globalização serve como instrumento de dominação mundial e extração de recursos, como sem sendo utilizada, apenas reflexo da fase final do sistema econômico capitalista em estágio de explosão derradeira, próximo ao seu fim. Não poderia ser diferente, como vimos, em procedimentos irresponsáveis, suicidas.

EM TERRAS BRASILEIRAS, A GLOBALIZAÇÃO SÉCULO XV

O processo da “descoberta”, do apossamento das terras brasileiras, foi um processo iniciado em meados do século XV, com a expansão das colonizações, mas que hoje tem o mesmo sentido do tempo dos mercados abertos pelos colonizadores: o da dominação. Os resultados estão ai, nos países vizinhos – e aqui também, com redução das conquistas humanas em termos sociais e legais. Mas como começou tudo isso?

Os europeus executores da ordem globalizante chegaram, há cinco séculos, destruindo civilizações na América portuguesa e também na espanhola - em que habitavam as evoluídas culturas Incas, Astecas e Maias, aniquiladas por Pizarro, o colonizador espanhol.

Pesquisas recentes sobre a civilização pré-colombiana, na Guatemala, encontraram indicativos de que, no chamado período clássico – de 250 a 900, época em que a atividade política deixou as praças livres e passou a sediar-se nos palácios -, essa sociedade prosperou sem sinais de religiosidade ou guerras, como concluíram os arqueólogos, como fonte de poder dos reis, apesar de desenvolverem intenso comércio.

Contrariamente, religiosidade e guerra, abrindo fontes de produção e comércio pela globalização, foram dois elementos presentes e soberanos nas estratégias dos colonizadores europeus desta fase, caracterizando mais um estágio de disputa e desequilíbrio dos invasores. No Brasil colonizado pelos portugueses, diferentes práticas se aplicaram ao elemento nativo – os índios - no norte e no sul: enquanto no primeiro foram preservados pelos Jesuítas, no sul foram dizimados pelos Bandeirantes.

Mas foi aqui, na região denominada São Vicente, que se decidiu estabelecer a primeira vila, o primeiro governo, a doar as primeiras sesmarias, enfim, a estabelecer Portugal no Brasil. Os dados são claros: o Brasil foi descoberto no Monte Pascoal, mas começou a existir em São Vicente, em que existiu o primeiro canavial e o primeiro engenho, o primeiro fortim e o primeiro pároco – e que teria a primeira Câmara de Vereadores. Só que São Vicente não era apenas a hoje cidade homônima, mas vasta região, ainda maior que o estado que a sedia.

Estes fatos ocorreriam 30 anos após a descoberta, diante da ameaça concreta da posse portuguesa, exigindo a intervenção. Antes, nos primeiros 30 anos, ocorreram os episódios da comunidade livre do Bacharel da Cananéia, politicamente incorreta aos olhos de hoje porque exportadora de escravos indígenas.

Segundo alguns historiadores, os primeiros colonizadores aportaram inicialmente na Ilha do Sol – hoje Praia do Góis, na ilha de Santo Amaro – em que fica a Fortaleza da Barra, que historiamos, como passagem para o desembarque do outro lado, em que foi construída uma comunidade e um porto – que hoje é Santos. A vila foi erigida mais tarde no extremo da ilha, em lugar mais abrigado dos navios, em que hoje fica a cidade de São Vicente.

Enfim, somos herdeiros dessa rigidez social ibérica, vertical, escravocrata, em que os processos históricos foram gravados a sangue em nossa gente. Para a qual eles tem diferentes significados, se chegada de navio negreiro ou caravela, como governador, governado ou degredado.

No espírito da reconstrução das histórias ainda desconhecidas da descoberta e da região hoje denominada Baixada Santista, a menção obrigatória é a da expedição de Martim Afonso – em 1532 -, que incorporando a época, vem oficializar a posse das novas terras nominadas pela expedição de 1501, que veio reconhecer as descobertas cabralinas.

Dessa expedição faziam parte os três navios sobrantes da frota de Cabral retornando da Índia, dando nome aos acidentes geográficos: Cabo de Santo Agostinho, Rio de São Francisco, Bahia de Todos os Santos, ilha de São Sebastião – lugares desertos de europeus.

Eram nomes de santos, porque o poder era da Ordem de Cristo – e foi esse o símbolo da primeira bandeira fixada, depois da coroa portuguesa. Obedeciam, primeiro, à bula e ao papa. Só em 1532 os dominadores oficiais chegaram por aqui, no Porto dos Escravos do Bacharel, existente desde 1502, já denominado São Vicente, como consta de inúmeros mapas anteriores.

Impondo, pela ocupação militar, a colonização vertical em uma área em que ela se desenvolvia, heterogênea e inter-racialmente, na sociedade construída pelo Bacharel da Cananéia, ameaçando a posse colonial.

O MODELO VERTICAL

O Bacharel era um degredado político que fundou cidades e instalou nesta região um dos primeiros, senão o maior, pólo produtivo do país. Nesse conflito, o primeiro embate pela posse da terra, na Guerra de São Vicente, em 1537.

O embate foi com as forças dos colonizadores oficiais, que vieram reprimir a nova sociedade que surgia, quando Portugal se sentia ameaçado com a ameaça francesa de Francisco I – que dizia desconhecer a cláusula do testamento de Adão que dividiu o mundo entre portugueses e espanhóis. Considerava que o sol brilha para todos.

Há de se destacar a índole dos primeiros colonizadores, que não deixaram os seus próprios registros e as contingências que aqui sofreram: marujos, degredados, campesinos, mercadores, oficiais, aprendizes, mestres de ofício, desocupados, vencedores ou fracassados de uma vida material que vieram construir. E os conflitos com os brasílicos, os índios da região, resistentes à ocupação.

Há distantes cinco séculos, quando Cabral chegou de uma viagem iniciada a 9 de março de 1500, após 7 semanas, começava a globalização - esta que soa agora como conquista da modernidade. Já naquele tempo, quando imperavam no mundo Portugal e Espanha – e sobre eles a religião católica -, em fins do século XV uma bula papal inaugura a palavra descobrimento.

Na integração estado-igreja, formando um único corpo, o esforço era de expansão territorial - do espaço perdido aos protestantes na Europa - e conquista de almas e riquezas. A expansão religiosa e a conquista da terra – expandindo um modelo de desenvolvimento que iria não apenas destruir a cultura e a religiosidade indígena, mas seus próprios seres – e a seguir, a própria natureza. Os padres vinham estabelecer as condições culturais e religiosas da dominação.

Foram os reis de Castela que, nos princípios de 1493, recorreram ao Papa Alexandre VI, pedindo que lhes confirmasse o direito das terras reveladas por Colombo - a quem os portugueses haviam negado ajuda em 1491. Obtendo a bula de 3 de maio de 1493, a Intercoetera (“entre outras coisas”), que estabelecia uma linha imaginária de pólo a pólo, na qual o ocidente era espanhol e o oriente português. Antes de Alexandre, três papas haviam feitos concessões a Portugal e Espanha, aliados a Roma.

A resistência portuguesa a tal demarcação indicava o prévio conhecimento das terras brasileiras, antes mesmo de Cabral. Era também a disposição dos reis de Portugal e Espanha de enfrentar o perigo turco, os ditos infiéis, fazendo cessar a ameaça dos sudeanos, que despovoavam alguns territórios da península ibérica. O Tratado de Tordesilhas garantia a autoridade religiosa dos católicos, unindo a península contra os turcos.

D. João II de Portugal protestou e, no dia seguinte, Alexandre VI refez a bula, modificando a linha imaginária e incluindo as ilhas de Açores e Cabo Verde na posse portuguesa, o futuro Brasil e as ilhas Malvinas e Fernando de Noronha. Ainda descontente, o rei português mandou uma frota para impedir o avanço espanhol nos descobrimentos portugueses. O que evidencia ainda mais o conhecimento de que haviam as terras futuramente denominadas de Santa Cruz. Na disputa, o importante era unir forças contra o inimigo árabe.

Descontente com a divisão, Portugal repudiou a mediação papal. O agravamento das divergências exigiram uma convenção, de que fez parte um plenipotenciário embaixador, entre outros – Dr. Maldonado, por parte da Espanha – que não é outro senão o pai de Anna Pimentel, esposa de Martim Afonso.

Isso resultou no Tratado de Tordesilhas, a 7 de junho de 1494, ratificado em Acévalo a 2 de julho e em Setúbal a 5 de setembro – apenas referendado em 1506 pelo Papa Julio II. Agora, não mais a 100 léguas como queria Alexandre VI, mas a 370 léguas a partir do ponto mais ocidental de Cabo Verde para oeste, como queria Portugal.

Por ambas as bulas, Portugal teria água e a Espanha toda a atual América do Sul. Isso seria desfeito pelos avanços dos Bandeirantes e, 200 anos depois, pelo Tratado de Madrid, de 1750, para o qual contribuiu o santista Alexandre de Gusmão. Não era descobrimento no sentido usual, que fazia parte da vida do homem desde seu surgimento, avançando a cada dia com novas descobertas sobre como adequar-se ao mundo - mas no da expansão e da conquista.

O porque da fixação em São Vicente é que o tratado de Tordesilhas, que dividiu entre Espanha e Portugal esta nossa América sulina – que corria sua linha divisória de Belém do Pará até Laguna, em Santa Catarina -, na carência de conhecimento sobre as linhas demarcatórias, os espanhóis do leste queriam que o marco fosse Cananéia – e São Vicente foi considerado o ponto limítrofe.

Em São Vicente começava a estrada, talvez construída pelos Incas, que com 8 palmos de largura ligava o litoral a Cuzco, nos Andes, capital desse império. Os historiadores confirmam a existência desse caminho muito antes da chegada de Cabral. Com nome cristão ou indígena, São Vicente era estratégica, referência em relação ao sul, ao oeste e ao leste litorâneo – em que já haviam habitantes europeus.

ÀS RAÍZES – MAOMÉ E A EXPANSÃO ISLÂMICA

A disputa havia se iniciado 4 décadas antes, em 1453, quando a capital do império Bizantino, a cidade de Constantinopla - elo principal do comércio dos produtos orientais com o ocidente -, é tomada pelos turcos convertidos ao islamismo. Era a disputa entre cristãos e muçulmanos pela conquista do mundo, que demandava desde a fundação do Islã por Maomé, nascido em Meca em 571 DC – o 12º dia do “Rabce Al Awwal”, correspondente ao 12 de dezembro desse ano.

Foi Maomé que teve as revelações da existência de Alá em 610 DC., quando atingia a “idade da perfeição”, na sua crença a idade de 40 anos. Foi no 17 dia do Ramada do 13º ano que antecedeu a emigração (hégira), quando encontrava-se refugiado em uma caverna do monte Hirã, perto da cidade de Meca. Foi o arcanjo Gabriel quem lhe anunciou Maomé (Mohammed) e a data de 16 de julho de 622 DC marca o início da era islâmica, que se expandiu a partir dai.

Se contrapuseram ocidente e oriente na origem das Cruzadas, quando, em novembro de 1095, o Papa Urbano II convocou os cavaleiros da Europa para aumentar o poder da poderosa Igreja Católica, que tudo controlava até as almas e pensamentos, para a guerra - iniciando um movimento de massas que atravessou a região em busca da Cidade Santa e duraria 200 anos.

Ela passara de perseguida à perseguidora, controlando propriedades e horários, com dízimos e doações, acima de tudo. Tinha poder sobre a terra e sobre os homens, o monopólio do ensino e da própria escrita. As cruzadas curaram até o século XIII.

Os mouros invadem a Península Ibérica e foi a expulsão dos árabes, após séculos, que permitiram a formação destes que serão os atores principais, Espanha e Portugal. Genoveses e venezianos, cartógrafos, artesãos e cientistas da península itálica, herdeiros de Marco Polo, serão a elite que irá oferecer o know-how das novas rotas marítimas para atender ao comércio internacional, abrindo mercados, na globalização. A posse das novas terras era iminente e isso levou ao conflito entre estes atores ibéricos principais. Foi o marco zero da globalização esta era das descobertas.

No século XV, o mundo civilizado era pequeno: uma viagem de Paris a Roma ou de Lisboa a Hamburgo poderia ser uma aventura para toda a vida. A maioria das pessoas, camponeses, artesãos, tinham suas atividades concentradas em um raio de 5 a 12 quilômetros da casa em que viviam. Lançar-se em grandes viagens, como faziam os cruzados em busca da Terra Santa, era uma aventura de risco. O mundo restrito ia do Atlântico a Kiev. E depois do rio Elba, a barbárie. Praga e Budapeste os limites da cristandade. O mundo era fechado ao sul por Constantinopla - o último porto.

As viagens dos portugueses e espanhóis iriam mudar radicalmente este cenário, depois da viagem de Fernando de Magalhães e Sebastian El Cano em volta do mundo – sob as ordens da Espanha. Aumentava o universo a ser percorrido. Para os portugueses, o eixo macrodimensional era Lisboa-Nagasaki ou Lisboa-Macau, para os espanhóis, Sevilha-Manilha, distâncias nunca dantes navegadas – no dizer de Camões.

Em 1565, para os comerciantes, soldados e missionários que iam de Sevilha a Manila, o tempo de viagem era de 5 anos, como as de Lisboa a Macau para os portugueses. Mas de cada 2 homens que saiam, só um retornava. O mundo nunca fora tão vasto como em meados do século XCVI.

Dois terços do mundo haviam sido integrados aos circuitos europeus. Que atingiam a África, a América, o extremo oriente. A fronteira que persistia era para além do Japão e do mar da China, a Oceania e a Austrália, que só seriam tocados na segunda metade do século XVIII, com novas tecnologias. Foi quando os portugueses chegaram por aqui e encontraram outra sociedade a que escravizaram e aniquilaram. Era sua essência, de um sistema que traziam baseado na produção e na acumulação. Fora disso, para eles a vida era irracional. E foi assim que consideraram os nativos.

Esta narrativa do nascimento da globalização, que não é esta com a que convivemos hoje, deixa de lado, para outros estudos, as novas teorias surgidas diante das pesquisas recentes. Que com base em desenhos e construções de 3.500 anos, similares no Egito e no México e com amplos conhecimentos de astronomia, supõe uma legião de navegadores globalizantes em outra civilização – em etapa anterior da globalização, que por absoluta falta de dados se deixa de analisar em seus fenômenos econômicos e sociais.

Foi na construção de uma organização social baseada na acumulação e no consumo, na produção de bens e serviços - em que muitos produzem e poucos usufruem, é possível discorrer sobre um dos processos históricos mais significativos do país nestes cinco séculos, em um modelo civilizatório que importava a rigidez social do colonizador, verticalizado e gerador de privilégios, que permaneceu.

DESCOBRIMENTO E GLOBALIZAÇÃO: EUROCENTRISMO

Descobrimento, naqueles termos usados em 1493, era o poder de se apropriar das terras novas em que chegavam seus navios. Tomar o ouro e as riquezas dos novos habitantes, dizimar-lhes, impor sua religião. Desprezando-se seres como as suas tradições, culturas, hábitos comunitários, coisificando-os. Fossem mais ou menos avançados do que as culturas daqueles europeus que, cá entre nós, não eram muito. Nada muito diferente dessa globalização de hoje, impositora de valores estranhos .

Era uma idéia unilateral e unidimensional essa da globalização, como ainda o é e cada vez mais. Aniquilava – e aniquila – diferenças culturais, mantém e amplia as diferenças sociais, protege interesses dos mais desenvolvidos e condena aos menos ao acirramento de suas contradições sociais. A expansão islâmica anterior apenas em intervalos impôs seus valores ; agora, era – é – diferente.

Enfim, o caráter eurocêntrico predominou, desconsiderando civilizações milenares e sábias, repletas de experiências, na América espanhola ou na portuguesa, aqui. A receita era a força das armas e foi essa – e sempre essa – que predominou. A nomeação de Martim Afonso como comandante colonial na Índia milenar, de uma sociedade de cultura e religião acumuladas, é bem uma mostra deste descompasso. O Brasil é descoberto – conquistado - nestes tempos.

O Brasil era uma área de 2.874.621 quilômetros quadrados, um terço do que hoje é, ampliada dois séculos e meio depois, no Tratado de Madrid, de 13 de janeiro de 1750 – graças ao trabalho do santista Alexandre de Gusmão e do Marquês de Pombal. Depois de 1.080 horas de viagem, calmaria, enjôo, esperança, medo de monstros marinhos de que tanto se falava, iam encontrar uma terra.

Havia sim pau-brasil por aqui, muito, que servia para tingir tecidos e valia muito dinheiro na Europa. Mas só 30 anos depois da descoberta é que os portugueses, ao verem que outros nacionais andavam de olho em nossas terras – franceses e holandeses -, mandaram uma expedição colonizadora. Ou melhor, oficializadora. Mas antes destes, outros estavam aqui.

A LITERATURA DA COLONIZAÇÃO

Os diários de viagem, fonte rica para especulação sobre a natureza destes primeiros colonizadores, deram continuidade à cristalização de um gênero que se originou na literatura mágica e épica dos primeiros poetas gregos e romanos.

Essa literatura assou pelas fantásticas aventuras de Marco Polo e Colombo, ganhou contornos de ciência com Darwin e chegou ao presente, como quer Jean-Pierre Garnier, banalizado em forma de recit de voyage – escreve François Ascher em Essai de typologie opérationnele de la demande touristique internationale, citado em Societés transnationales et identités culturelles, publicado pela UNESCO em 1982.

Os efeitos da literatura de viagem nas mentes dos navegadores, oficiais e mercadores, deveriam ser grandes. Sendo provável que não por mera fantasia, mas pela intenção de atrair aspirantes, algumas companhias tinham denominações que explicitavam a relação entre viagem e aventura – escreve Leo Huberman na História da Riqueza do homem. Segundo Sara Strachmam Bacal, os modelos vigentes em nossa sociedade foram construídos a partir da literatura heróica, a qual inúmeras contribuições se devem aos registros das grandes descobertas ultramarinas.

Não eram expedições recreativas, ao contrário, fatigantes, mas ao reunir tantas pessoas diferentes na origem, nos recursos e objetivos, em confronto direto com os riscos da navegação e da ancoragem, era uma aventura. E o seu relato uma forma de despertar curiosidade, respeito e cobiça.

Os riscos eram enormes para financiadores e para os participantes diretos, os perigos do percurso, as dificuldades de obter o ouro e a prata, os piratas no mar e os indígenas em terra. Os tumultos com os embarcadiços, as dificuldades de provimento de suas necessidades, faziam com que quando as especiarias chegassem a seu destino, já custassem muito dinheiro. A população de bordo era acometida freqüentemente de doenças, haja vista a criação da Santa Casa de Santos, fundada em 1542 junto ao outeiro de Santa Catarina por Brás Cubas - porta aberta aos povos do mar, destinada a atender o navegante enfermo.

Beiram o inacreditável os relatos sobre os quadros vividos pelos que embarcavam nestes tempos. Um artigo de Paulo Miceli – professor da UNICAMP -, na revista Leitura, de abril de 1993, descreve a fome e a sede dos embarcados – que não raro pereciam e eram lançados no mar. Havia brigas para ver quem comia os ratos, abundantes nos navios, com intestinos e tripas, cozidos na água do mar.

O livro de Jean de Léry, Viagem à terra do Brasil, publicado em 1578 e traduzido aqui por Sérgio Milliet, conta estes episódios – em que não sobravam nem os papagaios de bordo, gravatas e sapatos, velas de sebo e quetais.

O abastecimento dos navios, em que se defecava nas amuradas, ficava a cargo dos armazéns gerais, que deveria entregar os víveres ao mestre do navio ou ao despenseiro, mas faltavam alimentos. Os registros mentiam nas quantidades embarcadas, deixando as pessoas que deveriam comer a custa do rei a pão e água.

Biscoitos podres e embolarados entre baratas, trancados em paióis, comiam-se até acabar. Depois couros cozidos e ratos, diz a Crônica do descobrimento e primeiras conquistas da Índia pelos portugueses, de Luiz Albuquerque Lisboa. A água, acumulada em barris e podre, era sinônimo de diarréia. Escreve Léry que

“...durante estas fomes rigorosas, os corpos se extenuam, a natureza desfalece, os sentidos se alienam e o ânimo se esvai e isso não só torna as pessoas mais ferozes mas ainda provoca uma espécie de raiva donde o acerto do dito popular: fulano enraivece de fome...

...e depois de minha experiência compreendo melhor porque Deus ameaçou seu povo com a fome caso não lhe obedecesse... mal podíamos falar uns aos outros sem nos agastarmos e o que era pior (perdoe-me Deus) sem nos lançarmos olhares denunciadores de nossa disposição antropofágica...

A Ilha do Sol foi como os colonizadores chamaram o morro que se inicia na Praia do Góis, na ilha de Santo Amaro, na sua chegada à baixada Santista – atrás do qual o sol nascia, naqueles tempos. No Diário de Navegação de Pero Lopes de Souza, que veio com Martim Afonso em 1532, ele escreve que

Segunda-feira, 21 de janeiro, demos a vela e fomos surgir numa praia da ilha do sol, pelo porto abrigado de todos os ventos

Francisco Martins dos Santos, em seu trabalho, escreve que

Corria o ano de 1532 quando Martim Afonso de Souza, nomeado governador-geral da costa do Brasil, com sede em São Vicente, aportou às águas remanseadas da antiga Burióca (...) se houvesse água abundante, talvez houvesse surgido no local uma primeira vila regular, mas só havia um sítio fronteiro, nas matas do Guaíbe, que ali termina em ponta. Daí a pouca assistência que os senhores de Alcoentre e Tagarro naquele ponto da futura capitania...

O pesquisador das coisas santistas, Olao Rodrigues, assim se refere na sua Cartilha da História de Santos:

A armada comandada por Martim Afonso de Souza fundeou a 21 de janeiro de 1532 defronte de pequena praia da Ilha do sol, que veio a chamar-se Praia do Góis, na ilha de Santo Amaro.

Já no primeiro contato com o território que seria donatário, Martim Afonso é atacado por índios de Ubatuba, que desceram atraídos pela aproximação da esquadra. Incursiona, então, pelo Guaíbe, Iguape e Cananéia, pelo rio de São Vicente e ai inaugurando a feitoria do mesmo nome – vinte anos após a sua instalação pelo Bacharel da Cananéia, importante personagem da colonização.

A nucleação da capitania junto ao porto de São Vicente teria como vantagem a facilidade de escoamento dos produtos destinados ao comércio e a operação dos navios em trânsito. Facilitaria o acesso ao Rio da Prata e ao planalto, já cobiçado e evitaria os indígenas da ilha de Santo Amaro. Que a utilizavam como passagem vindos do litoral norte em busca de alimentos ou em patrulhas contra os brancos.

Essa decisão influenciou futuros contingentes chegados nas expedições que se sucederam para que permanecessem junto à feitoria vicentina e não em Guaíbe. Os pioneiros se dedicavam à segurança do território a mando de El-rei, montando guarda nas guarnições do Guaíbe, ou a pedido da população local. Existiam lavradores de cana-de-açúcar e capatazes e gente que operava os engenhos de cana, além dos que penetravam pelo interior a procura de minas preciosas ou de aprisionar indígenas.

Eles relegaram a plano secundário a agricultura que não apresentasse vantagens comerciais de porte, variando de ocupação, dado os interesses da metrópole e às condições de segurança das terras. Pois o indígena era um obstáculo ao assentamento em Santo Amaro, pois não havia fortificações, as primeiras só viram com Martim Afonso. Mas o fato da ausência de fortificações não impediu que lá se localizasse o primeiro porto e que a área estivesse coberta de plantações de cana e engenhos na chegada do governador geral.

Em meados do século XVI, a ilha estava praticamente despovoada, concorrendo para a dispersão dos povoadores a não-fixação de Pero Lopes no Guaíbe, a frágil defesa e o acirramento dos conflitos com os indígenas – provavelmente em função das queimadas e do aprisionamento praticados. A nucleação da vila em torno da feitoria vicentina também foi razão para que ocorresse esse esvaziamento, como lembra Tulik. Ao avaliar, 200 anos depois, as condições das fortificações na então vila de Santos, D’Alincourt alude às falhas técnicas, dizendo que...

(...) não obstante sua importância (do porto de Santos), nunca se atendeu como devia à sua defesa, e ainda que ultimamente se deram algumas providências para evadir-se a vila de Santos dos insultos que poderiam tentar nossos inimigos, tudo quanto se fez é obra de pouca duração (...)

É esta a descrição verdadeira das quantas pequenas e imperfeitas fortificações permanentes do porto de Santos, colocadas em pontos isolados e por uma ignorância tão crassa escolhidos, que de modo algum podem conspirar para uma defesa séria daquela vila”

Os primeiros povoadores eram gente cruel, sem freios, aventureira e obscura, prisioneiros, incultos e pobres, diz D`Alincourt. Que se expunham aos perigos da viagem por sagacidade de glória e a quem não cabia senão usar de hipocrisia e horror para fazer escravos indígenas, em nome do cristianismo. Eram marujos, degredados, campesinos, mercadores, oficiais, aprendizes, desocupados, mestres de ofício, vencedores ou fracassados de uma vida material que aqui vieram construir.

Sobre o modelo de colonização imposto por Portugal algo se sabe: aqui era terra de degredo. E haveria de reproduzir o modelo da metrópole, com todos os seus vícios, em que poucos privilegiados mandavam em muitos. E já que a viagem e a estada na terra nova não era exatamente um prêmio, consta que isentava-se de pena os prisioneiros que viessem para cá. Logo se viu que a composição dos primeiros colonizadores não era exatamente de cavalheiros...

Do lado de cá, em Santos, na atual Ponta da Praia - em frente ao local onde é hoje o atracadouro dos barcos que demandam para as praias do Góis e Pouca Farinha -, se faria um porto, aproveitando o remanso das águas. Foi lá que aportaram os navios, em 22 de janeiro de 1502, na expedição de Gonçalo Coelho, como avaliou o historiador Francisco de Varhangen a data de chegada da expedição, que estivera em São Sebastião 2 dias antes.

Esta expedição trazia o intelectual e navegador florentino Américo Vespúcio como geógrafo, autor dos relatos que descrevem o episódio. Ela veio fazendo as denominações cristãs da costa brasileira. Onde nasceria a Capitania de São Vicente, na antiga ilha de Guayaó, como a chamavam os indígenas.

Do outro lado da barra, o Guarapissumã dos nativos, ficava a Ilha do Sol. Como a chamou Pero Lopes de Souza em seu Diário de Navegação, a atual Praia do Góis. Em que, dizem alguns, primeiro aportaram os colonizadores. Era a ilha de Santo Amaro, como passou a ser chamada a partir de 1545, substituindo a denominação Guaíbe. Acima dela que o sol se punha naqueles dias da chegada.

Pequena praia de quinhentos metros, na ilha de Santo Amaro, lado direito do canal da barra de entrada no porto de Santos, a Ilha do Sol fica em frente ao porto instalado pelo Bacharel em 1510. Seu nome vem dos Góis, que vieram na armada do donatário Martim Afonso – Pedro, Luiz, Gabriel e Scipião, como conta Chico Martins, que ali tiveram pouso ou sítio. A parte sul da ilha foi de Estevão da Costa, cunhado de Martim Afonso. Mais tarde, ocorreria um debate sobre esta divisão.

A ilha de Santo Amaro, em que está o município de Guarujá, foi chamada pelos espanhóis de Ysla Oriental. E nas escrituras mais antigas aparece o nome de Guaíbe ou Guahibe e Gaíbe. Alguns tratadistas e escritores a citaram como Guaymbê, aludindo a existência de um cipó com esse nome por toda a ilha. Mas que existia por toda a Serra do Mar, o que, para o historiador Francisco Martins dos Santos, não configura razão para aplicar-se a denominação apenas à ilha.

Quando a expedição chegou por aqui, entrou por uma baia larga e segura, chamada Guarapissumã, que pensaram ser um rio e a que denominaram rio de São Vicente, como ficou conhecido até 1532 como fizeram com o Rio de Janeiro. Ela trazia degredados, pessoas expulsas de Portugal por motivos diversos, também políticos e religiosos. Entre estes o Bacharel, chamado também mestre, Cosme Fernandes Pessoa – deixado em Cananéia, 200 quilômetros ao sul, o limite das terras portuguesas pelo Tratado de Tordesilhas de 1494.

A história oficial disse, até agora, que o fundador oficial de São Vicente foi Martim Afonso - e o de Santos, Brás Cubas. Que chegaram a 21 de janeiro de 1532 e aportaram também na Ilha do Sol ou Santo Amaro – havendo versões fantasiosas de que sua armada atracou na praia localizada na atual cidade de São Vicente.

Sem as mínimas condições de aportamento, salienta o historiador Francisco Martins, pois que não tinha e não tem calado para navios. Na tentativa de caracterizar historicamente a vila de São Vicente com a capitania de São Vicente – e assim sediar as comemorações dos 500 anos do Brasil, polemizando com Salvador como o primeiro núcleo a ser povoado na nova terra.
Mas o Diário da Navegação da Armada que foi a terra do Brasil em 1530, de Pero Lopes de Souza, publicado em Lisboa em 1839, mostra o fato deles já conhecerem o Porto de São Vicente, fundado pelo Bacharel na atual Ponta da Praia, em Santos. Informado pelos traidores deste iniciador do desenvolvimento regional e em um processo histórico que caminharemos. Afinal, quem foi este Bacharel ?

Quando Martim Afonso chegou, em missão de estado, para reprimir sua comunidade nacionalmente heterogênea, haviam 10 ou 12 casas e uma construção de pedra fortificada, habitada por cerca de 70 pessoas, que praticavam uma agricultura de subsistência, criavam porcos, galinhas e viviam de atender os navios que iam e que vinham.

Como escreve Francisco Martins dos Santos,

“Pela altura de 1510, presumivelmente, tendo vindo de Cananéia onde cumpria o degredo imposto por D. Manuel I, onde fora deixado pela Armada de André Gonçalves e Américo Vespúcio, Mestre Cosme Fernandes Pessoa, o famoso Bacharel, fundou à margem desse Rio de São Vicente (de 1502) o porto do mesmo nome, citado por todos os navegantes da época e designado em seus portulanos ( diários de navegação) .

Originou a fundação de tal porto ali e não junto ao povoado que o mesmo Bacharel fundara atrás da outra barra (a terceira) mais a oeste, refundada e feito vila por Martim Afonso em 1532, a superioridade de seu ancoradouro, franco, amplo, seguro, abrigado das águas e dos ventos (detalhe muito importante para a navegação à vela), com bastante fundo e próximo a terras boas para plantio e excelentes aguadas, em contraste com a incapacidade da outra barra (a da vila), batida de vagas na entrada a rebentar sobre o banco de areia, ali existente, cheia de arrecifes e parcéis em toda a redondeza, com pequena área navegável (para as embarcações de calado) e um canal precário junto à Ilha do Mudo (atual Porchat), rematada ao fundo por terras lodacentas ou alagadiças, quase todas salobras, sem possibilidades agrícolas”

Foi o porto mais conhecido, freqüentado e próspero da costa brasileira, “empório fornecedor de todas as armadas que demandavam o ”eldorado” paraguaio”, lembra o historiador. O historiador Francisco Martins dos Santos escreveu que “...corria o ano de 1531 quando Martim Afonso de Souza, nomeado governador geral da costa do Brasil, com sede em São Vicente, aportou às águas mansas da antiga Burióca (Bertioga). Se houvesse água abundante ali, talvez tivesse surgido no local a primeira vila regular...”

O que diz Olao Rodrigues, outro historiador santista ? Que Martim Afonso fundeou na Ilha do Sol, que seria hoje a Praia do Góes, na Ilha de Santo Amaro, em 21 de janeiro de 1532. Consta que a capitania teve como núcleo a área junto ao porto, do outro lado do rio de São Vicente – a baia – pela facilidade de escoamento de produtos destinados ao comércio, a operação de embarque e desembarque de navios em trânsito, o acesso ao rio da Prata e ao planalto já cobiçado.

Sair da Ilha do Sol era uma maneira de evitar os indígenas, que usavam a ilha de Santo Amaro como passagem, vindos do litoral norte em busca de alimentos ou em patrulha contra os brancos. As histórias sobre a Confederação dos Tamoios daquelas bandas são demonstrativas da ameaça concreta - a que eles exerciam sobre o domínio colonial, tanto que foi feito um pacto com os silvícolas. Mas alguns embarcadiços ficaram pelas terras do Guaíbe e eles garantiram a ocupação através das demais expedições que se sucederam.

Capistrano de Abreu, em seu livro Capítulos da história colonial-1500/1800, conta que D. João III, escrevendo a Martim Afonso em 28 de setembro de 1532, anuncia-lhe a intenção de marcar a costa desde Pernambuco ao Rio da Prata, descoberta portuguesa colonizada pelos espanhóis, doando-a em capitanias de 50 léguas. A dele teria 100 e seu irmão, Pero Lopes, seria um dos donatários. A feitoria francesa fundada em Pernambuco e outras anunciadas espancaram finalmente a inércia real, escreve Benedito Calixto em seu livro Capitanias Paulistas.

As capitanias eram 12, algumas com maior número de lotes. Começavam todas a beira-mar e avançavam com a mesma largura até a linha divisória de Tordesilhas. Observa Calixto que as divisas entre as capitanias de São Vicente e Santo Amaro, com o correr do tempo, após o secular litígio entre os herdeiros, 1624 em diante, já não se limitavam por esta demarcação – avançando para os limites que se consolidariam em 1750.

O limite mais extremo da mais meridional destas capitanias, concedida a Pero Lopes de Souza, é determinada nas próprias cartas de doação, por uma latitude expressa de 28 graus e 1/3. Confrontava, um pouco ao norte de Paranaguá, com a de São Vicente. A parte da donataria de Pero Lopes de Souza, de 50 léguas da costa, ia do sul de Cananéia até Santa Catarina, ao sul – 28 graus e 1/3. Isso fora 30 léguas de costa no Pernambuco e Paraíba – entre a baia da traição e a ilha de Itamaracá.

A mais tarde denominada capitania de Santo Amaro, composta de 50 léguas da costa, segundo o foral de doação de D. João III, tinha uma parte ao sul de 40 léguas. Que começava a 12 léguas da ilha de Cananéia – a barra de Paranaguá, onde acaba a doação de Martim Afonso – e acabava na terra de Santa Anna, Santa Catarina. A outra parte, ao norte, era entre o rio Curupacê e a barra de Bertioga, composta de 10 léguas da costa.

A razão desta extravagante e caprichosa divisão das donatarias de Martim Afonso e Pero Lopes, em seções intercaladas, é interpretada por Theodoro Sampaio, segundo Calixto, como uma forma de dividir as já conhecidas minas de metais preciosos existentes. Enquanto Martim Afonso fundou sua donataria e tomou diversas providências para seu povoamento - destaca Calixto, reproduzindo Antonio Piza, autor do processo Vivieirio-Monsanto -, Pero Lopes, talvez mais interessado no comércio do pau-brasil na sua seção em Pernambuco, descuidou de suas duas seções no sul – que permaneceram no abandono após sua morte.

Segundo o historiador Frei Gaspar da Madre de Deus, Pero Lopes já era morto em 1542, porque sua mulher, Isabel de Gombôa, fez loco-tenente das 50 léguas a Christovam de Aguiar de Oltero. Após sua morte, sucedeu-o o primogênito do mesmo nome, falecido menino em 1547 e sucedido pelo irmão de nome Martim Afonso de Souza – que dirigiu a capitania até 1577.

Esta seção ainda não era denominada Santo Amaro, porque só exerciam jurisdição os donatários segundo o foral, entre a foz do rio Juqueriquerê e a barra de Bertioga. Segundo Calixto, a ilha de Guaimbé – ou Guaíbe - estava ainda muito legalmente fazendo parte da capitania de São Vicente.

Há divergências, apontadas por Calixto, quanto a legitimidade da posse da ilha do Guaíbe por Pero Lopes, argumentando quanto ao texto da carta de doação de Pero Lopes, que fala em banda do norte do rio de São Vicente – ao passo que a de Martim Afonso fala em braço da banda do norte. O que ele interpreta como que a ilha de Santo Amaro estava, de fato, dentro da capitania vicentina.

Calixto conta que, de 1545 em diante, os loco-tenentes de Martim Afonso haviam concedido muitas sesmarias na ilha de Guaíbe. Entre os moradores da ilha estava o ouvidor das terras de D. Isabel de Gamboa, Gonçalo Afonso. Foi dele a idéia de propor a nova linha demarcatória das terras, não pela barra de Bertioga, mas pela barra grande de Santos. Na ausência dos donatários, Martim Afonso na Índia, Anna Pimentel em Portugal, observa Frei Gaspar, consumou-se o erro.

Contribuíram com isso, segundo Calixto, os loco-tenentes de Martim Afonso que silenciaram ante esta concessão sem atrito, que, para ele, prejudicaria os sucessores de Martim Afonso, como veremos na atuação dos condes de Monsanto. Estes, titulares do Guaimbé, como escreve Calixto, reclamariam também a posse de São Vicente. Pretendendo, inclusive, as vilas e demais povoações do planalto, inclusive São Paulo.

Nesse processo, D. Luiz de Castro, segundo conde de Monsanto, foi o pai de D. Alvaro, terceiro conde de Monsanto, marquês de Cascaes. Este é pai de D. Luiz, segundo marquês de Cascaes – que vendeu Santo Amaro à coroa em 1711, por 40 mil cruzados – incluindo, nessa venda, parte da capitania de Martim Afonso com as vilas de São Vicente, Santos, São Paulo e Parnahiba.

Ocorreu que, com o foral original desaparecido ou queimado em São Vicente, segundo Frei Gaspar, consistiu em mudar o número de léguas entre Juqueriquerê e Bertioga, entre outras omissões, de modo a que esta seção fosse até o rio Santo Amaro (Barra Grande), como até a barra do rio de São Vicente.

É Calixto que procede a reportar o episódio em que enfrentaram-se os descendentes dos irmãos Afonso, Martim e Pero Lopes, na disputa pelos territórios das capitanias. Quando ocorreu que o herdeiro de Pero Lopes de Souza tentou, através de manobras judiciais, apossar-se das terras vizinhas, em detrimento dos herdeiros de Martim Afonso, a condessa de Vimieiros e os condes da Ilha de Príncipe.

O pintor Benedito Calixto de Jesus, além de retratar a história de Santos, foi pesquisador histórico, nascido em 14 de outubro de 1853 em Itanhaém. E retratou em seus quadros sua interpretação da genealogia paulista, como explica Caleb Faria Alves, no artigo a fundação de Santos na ótica de Benedito Calixto, publicado na Revista da USP. A história da sucessão das capitanias é um tema exposto por pelo pintor, em livro publicado em 1915, Capitanias Paulistas.

Na obra, Caleb fala do quadro do artista descrevendo a fundação oficial de Santos, em que relaciona os quatro donatários e de suas respectivas donatarias: Martim Afonso e a Capitania de São Vicente ; a condessa de Vimieiro – Dona Mariana de Souza da Guerra - e a Capitania de Itanhaém, local para a qual se mudou, alterando o nome da capitania, em 1624. O marquês de Cascais, que vendeu, mais tarde, a capitania de Santo Amaro à coroa portuguesa - além do marquês de Aracaty e a Capitania de São Paulo.

A relação está na ordem de posse e de nomenclatura, observa. Escrevendo que os vários nomes das capitanias sugerem que as terras originais de Martim Afonso tiveram vários nomes. O que lhe parece estranho, pois, escreve, ao tempo da condessa, existiu outra capitania de São Vicente, pertencente aos descendentes de Pero Lopes – o sobrinho e não o filho de Martim Afonso, que eram homônimos...

Calixto dá a entender que a condessa herdou as terras e outros herdaram o nome da capitania. Segundo ele, o marquês de Cascais se auto-intitulava donatário da capitania de São Vicente e não de Santo Amaro, como mostra o painel de Calixto – o que considera estranho. Cascaes, descendente de Pero Lopes, usurpou os direitos dos herdeiros de Martim Afonso, acreditava Calixto, inclusive da condessa. Que por várias vezes impetrou recursos em Tribunais para reaver seus direitos, sendo bem-sucedida em diversos, recuperando-os temporariamente sobre Santos.

Porém, o marquês sempre conseguiu reverter os direitos em seu favor e retomar as terras, contestando os marcos originais da delimitação das capitanias. Contestar a legitimidade dos herdeiros de Martim Afonso – em que havia um bastardo – e aliciar os membros das câmaras, do governo-geral e do próprio rei a seu favor. Certa feita, o marquês argumentou que a ilha de São Vicente, de Martim Afonso, era apenas a pequena Ilha do Mudo, a atual ilha Porchat, em São Vicente. O resto era Santo Amaro...

SANTOS DE SANTO AMARO?

Cascaes incluía, assim, Santos em suas propriedades, reduzindo as terras da condessa desse ponto até a Ilha do Mel, hoje porto de Paranaguá. A capitania de São Vicente continua existindo, mas agora Santos pertencia a Santo Amaro, a outra capitania. Usurpou também São Vicente, deixando de lado Santo Amaro de seu ancestral, este marquês.

A condessa de Vimieiro, por sua vez, adotou o nome de Capitania de Itanhaém porque transferiu para lá a sede. Mais tarde, com a vila de São Paulo tendo tomado partido a favor das demandas do marquês, foi recompensada como cabeça da capitania - e Santos ficou sob sua jurisdição.

Calixto, rejeitando as manobras do marquês, recusou-se a ligá-lo a São Vicente em sua obra. E também a incluir a condessa entre os donatários ilustres. A harmonia no quadro de Calixto, retratando a fundação de Santos, sugere uma ordem hierárquica, a subordinação, convivência e sucessão pacífica. Para Caleb, autor do texto, é uma tentativa de Calixto, expressada iconograficamente, de reafirmar os direitos dos sucessores de Martim Afonso.

Segundo Caleb, é a verdadeira linhagem santista e paulista na visão de Calixto. Reafirmando o tronco genealógico de Martim Afonso, através da incontestável aceitação de Brás Cubas, desconhecendo qualquer obediência aos descendentes de Pero Lopes, o sobrinho. Interessante é perceber que não havia ninguém defendendo os interesses legítimos dos primeiros ocupantes da terra e dos colonizadores que, com eles, construíram uma comunidade: os índios e o Bacharel.

OS CAPITÃES DE SÃO VICENTE

. MARTIM AFONSO/ 1535 - 1571 . PERO LOPES/ 1572 - 1586

. LOPO LOPES/ 1587 -/ 1610 . CONDESSA DE VIMIEIRO/ 1621 - 1623 . CONDE DE MONSANTO/ 1623 - 1679

São Vicente, a donataria de Martim Afonso, primitivamente chamou-se Capitania e abrangia cem léguas de costa e sertão ilimitado, dividida em duas partes – uma das quais começava na barra de Bertioga e terminava ao sul de Cananéia, na ilha do Mel, na barra do lagamar de Paranaguá. Segundo Calixto, o foral de doação de D. João III, de 20 de janeiro de 1535, que estas 45 léguas do sul começarão no rio de São Vicente (Bertioga) e acabarão 12 léguas ao sul da ilha de Cananéia.

Ao norte, 55 léguas, que começavam ao norte de cabo Frio (rio Macahé) e acabava na barra do rio Curupacê, conhecido hoje pelo nome de Juqueriquerê e fica ao norte de São Sebastião. Eram difíceis as condições de expansão humana e agrícola na ilha, por sua característica montanhosa e de difícil acesso, que os indígenas chamavam de Guaíbe.

Em 1536, Estevão da Costa recebe de Gonçalo Monteiro, em nome de Anna Pimentel, mulher e procuradora de Martim Afonso, as terras seguintes de Guaíbe. Ao mesmo tempo em que Brás Cubas recebia, da mesma Anna, a sesmaria de Jaguaritiba ou Jurubatuba – Santos Continental – e a Ilha Pequena, atual Barnabé a 25 de setembro, quando estavam ambos em Portugal.

Os índios de Jurubatuba, numerosos, que viveram em paz com o Bacharel até 1531, tornaram-se adversários rancorosos dos portugueses, dificultando a vida do novo proprietário João Pires Cubas – pai de Brás, que chegou em 1537. O que registra no Auto de Posse de 1540. Em Guaíbe, era forte a presença do contingente nativo e indisposto a aceitar a presença dos colonizadores. Lhes diziam os franceses, que já andavam por lá contrabandeando o pau-brasil, que os portugueses vinham seqüestrar suas mulheres...

Precursor da civilização européia em terras tropicais, diz Jaime Cortesão, historiador português, o Bacharel-Mestre, personagem regional, Cosme Fernandes Pessoa chegou por aqui em 1498 ou depois, trazido por uma expedição secreta de Bartolomeu Dias – quem teria descoberto o Brasil. O Bacharel era membro da maçonaria judaica, homem de instrução e fidalguia, que fora degredado por articular contra os poderes do reino, segundo pesquisou Francisco Martins dos Santos, na sua obra maior sobre a história regional.

Fundador real de três povoados, Iguape, São Vicente e Cananéia, O Bacharel iniciou a construção de uma comunidade em São Vicente, empório que abastecia navegadores e navios – conhecido em todos os mapas mundiais, à época. Foi o temor dos colonizadores de que sua sociedade nacionalmente heterogênea nacionalmente, de índios, espanhóis e portugueses, firmasse seus passos sobre o Brasil, que motivou a ocupação militar e a fundação oficial de Martim Afonso

Isso ocorreu quando D. João III percebeu que o momento impunha a posse efetiva do Brasil ou corria o risco de perdê-lo – ou fragmentá-lo -, pela ameaça velada da França, através de Francisco I – que declarara desconhecer o testamento de Adão que dividira o mundo entre Portugal e Espanha. Ou pelo livre crescimento de São Vicente, já com seu estaleiro e sua casa de pedra (fortim), com seu aberto aos navegadores, com seu povoado fortalecido pela pujança das tribos dos caciques Tibiriçá e Piquerobi – sogros respectivamente de João Ramalho e do Bacharel.

O Bacharel foi deixado em Cananéia, assim chamada como lugar dos cananeus, dos judeus, Cananor – o ponto mais extremo das terras portuguesas no Tratado de Tordesilhas. Que em 1494, este país assinara com a Espanha, dividindo o mundo entre eles. Habilidoso, inteligente, líder e, por isso, perigoso, Cosme Fernandes era de um tempo em que a maçonaria judaica reunia e defendia os perseguidos e os que lutavam contra as perseguições e os confiscos, na Espanha e Portugal, conforme escreve F. M. Santos. Que aventa sua ligação com o também judeu maçônico João Ramalho, que vivia distante, no planalto.

Ramalho e Antonio Rodrigues, ao que se sabe, já estavam aqui quando chegou o Bacharel, náufragos de 1508 na ilha dos Porcos, Ubatuba, ou degredados. Atravessava Portugal uma fase aguda de perseguições, expulsões e degredos, por motivos políticos, econômicos e, principalmente, religiosos, em face da instalação do Santo Ofício – a Inquisição católica – no país.

O fato explicaria a facilidade com que se encontrariam técnicos e colonos judeus, árabes e luso-árabes, cristãos novos ou velhos, para compor o voluntariado colonial. Numerosos seriam os membros da maçonaria judaica de Portugal, a se reconhecerem por sinais e pequenos símbolos, incluidos em suas assinaturas. D. Manuel, o rei luso, quis usar aqueles expulsos para consolidar sua propriedade sobre aquele ponto extremo, marcando pela ocupação, definitivamente, a posse portuguesa. Mas para a Espanha, o limite era outro, em São Sebastião. Chico Martins, o grande pesquisador, acreditava nessa interpretação.

Cosme desde logo entendeu-se com a sociedade igualitária e ao mesmo tempo guerreira dos índios, casando-se com a filha de um chefe indígena goianá Piquerobi. Fez amigos, cunhados e genros, expandiu-se. Veio para cá degredado, mas ao invés de atender aos desejos do rei português no seu exílio em Cananéia, veio para o outro lado, fundando vilas.

O Bacharel aliou-se a espanhóis e, em 1507, instalou-se em São Vicente. Em 1510, fundaria um porto com este nome na atual Ponta da Praia, em Santos, com a comunidade ao abrigo dos piratas e navios viessem de onde viessem. Seu porto foi logo chamado de Porto dos Escravos, pelo comércio que manteve exportando escravos indígenas e fabricando barcos, os bergantins.

No lugar em que o Bacharel fez um porto, existe um remanso natural, um abrigo das marés. Constava dos mapas internacionais a localização deste porto, em 1526. Lá havia a possibilidade de aportamento, o que não era possível no local em que ele instalou o povoado, do outro lado da ilha. A comunidade de Mestre Cosme crescia e enriquecia com os índios aprisionados e a produção de barcos e provisões, heterogênea nacionalmente, composta por índios, portugueses e espanhóis. Chico Martins lembra esse porto:

...Por ele comunicou-se sempre o Bacharel, com as expedições que passavam, negociando escravos, vendendo ou permutando gêneros da terra, negociando barcos feitos em seus estaleiros no Japuí, fornecendo guias e práticos para a negociação no sul e penetração nas florestas, depois que a miragem na prata começou a atrair os aventureiros.

Ali esteve o Bacharel, dividindo sua vida entre o porto, seus pontos agrícolas, (de Enguaguaçú, da Ilha Pequena, do Itapema, do Icanhema e encostas da Ilha do Guaíbe e o povoado de São Vicente até o ano de 1531, cercado das alianças que fizera, dos seus inúmeros parentes, descendentes, agregados. Como da indiada local, que o tinha como amigo.

Enquanto ele viveu em São Vicente, houve paz no lugar; o gentio andou sossegado e uma primeira civilização se estendeu, com todas suas características, pela região vicentina da qual o Porto de São Vicente ( na Ponta da Praia de hoje) era o entreposto comercial, seguro e farto.

Há registros desse porto em carta do navegador Diogo Garcia Moguer, Memória de La Navegacion, de 1527, publicada em revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Era um comandante português a serviço da Espanha que, que a caminho do rio da Prata, parou no Porto de São Vicente. Lá, encontrou lá o bacharel e seus genros, há 30 anos no lugar. Que comprara um bergantim, barco de fabricação deles, e que tratava fretamento para condução de 800 escravos para a Espanha, desembarcando em Cananéia em 15 de janeiro de 1528.

Chico Martins dá uma idéia de valor, na descrição de Moguer, do preço dos escravos: 4$000 por cabeça, 3.200.000 réis em 800 escravos embarcados. Comparando, Brás Cubas recebeu do rei 200$000 por uma expedição contra os índios, em 1546. Um Provedor da Fazenda da época, alto funcionário, ganhava 200.000 réis por ano. Mas o Bacharel, em Cananéia, aliado aos espanhóis, estava desgostoso com Portugal, privado que fora do que havia construído em 30 anos. Comprara armas e, em 1534, aprisionara um navio francês, reforçando-se militarmente.

Quando o Bacharel recebe ordens de Gonçalo Monteiro para subordinar-se a São Vicente, este que havia sido escolhido para dirigir a vila, ligada ao porto no caminho aberto por Pascoal Fernandes e Domingos Pires – e que pensava utilizar-se das forças do Bacharel para isolar os espanhóis ao sul -, se nega. Ocorre então a Guerra de São Vicente, com suas forças marchando contra São Vicente, com grande destruição – retirando-se em seguida para evitar a retaliação da metrópole portuguesa. Que certamente viria se continuassem ocupando as terras conquistadas.

O desenvolvimento dessa comunidade era absolutamente independente dos donos da terra, os portugueses. Mas em 1529, com D. João III no poder naquele país, com problemas com os nobres e a Igreja, uma ação foi exigida contra a comunidade que seguia seu próprio caminho - ainda mais com participação de estrangeiros.

Crescia o poder do Bacharel, um degredado, judeu, cheio do dinheiro, casado com uma índia e entrosado com espanhóis e até franceses. A solução não seria diferente da aplicada hoje aos países que resolvem assumir os seus destinos. E dos governantes ansiosos por medidas drásticas : a invasão é iminente. As notícias haviam chegado nas intrigas do dois mui amigos do Bacharel, Pedro Capico e o ex-aliado Henrique Montes. Eles viajaram para Lisboa e disseram da preparação do clima para o domínio espanhol das novas terras, nestes tempos de guerra fria.

Rui Mosquera, o espanhol que vivia com o Bacharel, era identificado como um agente do governo da Espanha. Para quem a linha do Tratado de Tordesilhas passava não em Cananéia, mas em São Sebastião. Logo, para eles, eram deles as terras em que estava o Bacharel, situação delicada. Francisco Martins dos Santos diz que Pero Capico foi capitão da capitania de São Vicente desde 1516, antes de Martim Afonso - até 1527.

Quando foi para o reino e a deixou com Antonio Ribeiro, cuja posse ocorreria a 26 de outubro de 1528. Embora se diga que Pero Capico fora capitão em Itamaracá, em Pernambuco – que seria destruída em 1532 por uma nau corsária francesa, conforme carta de D. João a Martim Afonso, em 28 de setembro desse ano, F.M. Santos argumenta o contrário.

O fato é que Capico, o escolhido como companheiro, escrivão e guia de Martim Afonso, conhecia como ninguém a região. Logo, era daqui. E tinha intimidade com o Bacharel e seus genros, João Ramalho e Antonio Rodrigues, elemento ideal para uma entrada facilitada naquela comunidade. Francisco Martins dos Santos argumenta, com dados, que Capico era ligado ao Bacharel. E o traiu após enriquecer com o comércio de escravos no porto de São Vicente, sendo responsável pelo sucesso de Martim Afonso na empreitada.

De repente, a comunidade heterogênea do Bacharel tornara-se foco de disputa de dois reinos, os mais poderosos do planeta. Eis que D. Manuel chama Martim Afonso, soldado e navegador com histórico de conquistas. E manda armar uma poderosa esquadra para ocupar o território descoberto 30 anos antes.

A esquadra de Martim Afonso, poderosa armada, disfarçada de expedição colonizadora, saiu de Portugal no final de 1530 – quando Martim Afonso recebeu a missão de tomar posse das terras descobertas, colonizando e combatendo os franceses. E a comunidade autônoma e nacionalmente heterogênea do Bacharel. Seria nomeado capitão-mór do mar da índia em 1533, quando saiu do Brasil, que chegara um ano antes, para voltar em 1545.

Gonçalo da Costa, um dos genros do Bacharel, o avisou da investida e este sabia do poder que iria enfrentar, retirando-se para o lugar original de degredo junto com os seus índios e amigos. Deixando uma comunidade construída, destruindo o que puderam. A armada chegou no porto de São Vicente em 22 de janeiro de 1532, 30 anos depois de Cosme chegar em Cananéia.

Com a chegada de Martim Afonso e poderosa armada, o porto do Bacharel continuou como ancoradouro oficial e porto da capitania, enquanto o antigo povoado do lado oeste da ilha passava a categoria de vila ou capital desta, que tomou seu nome. Porém, o porto de São Vicente fez a semente de uma cidade, responsável pelas atividades mercantís e pelas ligações com o velho mundo.

O porto avançou depois pelo estuário de Guarapissumã para dentro, para fixar-se junto ao Enguaguassú – onde havia uma sucessão de terras antes freqüentadas e exploradas pela gente do Bacharel. Agora do outro lado da ilha, continuou sendo denominado Porto de São Vicente. Este foi depois o Porto da Vila de Santos – que só o seria oficialmente em 1546. Entre 14 de agosto de 1546 e 3 de janeiro de 1547, escreve Frei Gaspar da Madre de Deus, historiador do século XVIII. Mas o Barão do Rio Branco diz que Santos foi vila em 19 de junho de 1545.

O Bacharel, primeiro fundador de Cananéia, Iguape e São Vicente, teria ido para Santa Catarina com seus companheiros. Ou faleceu em Iguape, onde há registros de sua permanência, em um sítio denominado Tapera. Foi um personagem essencial para nossa formação social pela sociedade que implantou e pelas contradições que fez surgir, quando iniciou o desenvolvimento em uma área abandonada pelos colonizadores – provocando a atitude da ocupação oficial.

Há versões de que foi em 1533 que Gonçalo Monteiro, em nome da substituta de Martim Afonso na direção da Capitania, Anna Pimentel, sua esposa, fez descer de Piratininga Pero de Góis, portugueses e índios com a ordem de expulsar o Bacharel do reduto de Iguape – quando então teria ocorrido a Guerra de São Vicente. Antes de se retirarem, os aliados do Bacharel executam Henrique Montes, que os havia traído.

Há quem diga que o objetivo de Martim Afonso, o governador da costa brasileira, conhecedor da navegação e da astronomia, era conquistar o Peru, o território do Rei Branco e da Serra da Prata, conhecida em Portugal. Ele chegou aqui com suas tropas, no objetivo claro de restaurar a propriedade colonial ameaçada – tinha a missão militar, de desbancar o Bacharel e seus 16 anos de trabalho, explorar e colonizar.

A expedição oficial enviada por Martim Afonso em 1531 enveredou-se, provavelmente, pelo caminho de Peabiru, batizado pelos Jesuítas de Caminho de São Tomé, construído, em hipótese de pesquisadores, pelos Incas – que já teriam, segundo alguns, estado por aqui. Em 1500, suas estradas pelas cordilheiras dos Andes já eram pavimentadas. Seguiu a partir de Cananéia em 1531, orientado possivelmente por um sobrevivente da expedição de Aleixo Garcia e foi totalmente dizimada pelos índios.

Peabiru, um caminho de oito palmos, cerca de um metro e oitenta, era sinalizado por uma gramínea plantada nas bordas do caminho, que cresce em forma de touceira e que pode atingir um metro de altura. Depois de queimada, ressurge. ligava o Peru ao Atlântico, passando pelo Paraguai e ramificando-se em São Paulo, para Cananéia e São Vicente. Consta que São Vicente era um dos portos de acesso dos Incas ao oceano Atlântico, além de Cananéia.

Martim Afonso veio fundar a vila de acordo com as leis manuelinas vigentes, seu conselho, igreja, cadeia e pelourinho, de posse das três Cartas Régias de D. João III, datadas de 20 de novembro de 1530, em Castro Verde, registradas no livro 41 da Chancelaria Real, folhas 103 e 104. Tinha poderes amplos e discricionários.

A segunda carta conferia a Martim Afonso os títulos de capitão-mór e governador das terras do Brasil, com jurisdição no civil e no crime – inclusive pena de morte sem apelação nem agravo. Mas só para o povo, porque para os nobres existia a ordem de que deveriam ser enviados presos para a metrópole, com a competente nota de culpa.

A terceira carta concedia a Martim Afonso as sesmarias e colônias nas novas terras que fosse descobrindo e que poderiam ser concedidas a quem as requeresse. Foi em São Vicente que teve início a primeira divisão administrativa do Brasil, com o ato que criou a respectiva Capitania hereditária. Foi Martim Afonso que presidiu a primeira eleição popular nas Américas, a 22 de agosto de 1532, como conta Tito Lívio Ferreira em seu livro História de São Paulo, para escolha dos Conselheiros Vicentinos – os vereadores -, os primeiros do território americano.

São Vicente foi cabeça da capitania desde 1516 a 1624 e de 1679 a 1711. Foi capital do Brasil por 17 anos, da chegada de Martim Afonso até a instalação do primeiro Governo geral do Brasil, chefiado por Thomé de Souza e sediado em Salvador, em 1549. Para Varnhagen, o historiador, em São Vicente foi fundada a primeira colonia européia regular no Brasil. Martim Afonso foi embora em 1533, para assumir o cargo de vice-rei nas Índias.

DA GLOBALIZAÇÃO À GLOBALIZAÇÃO - II

Damos um salto de volta da história da descoberta na Baixada Santista para o mundo hoje. Do marco zero da globalização de 1453, quando tudo começou – a globalização -, chegamos ao final do século XX e início do XXI com um processo que, iniciado após a Segunda Guerra Mundial, entre 1939 e 1945, passou por um período de expansão em duas fases:

A primeira é a do acordo de Bretton Woods, quando as taxas de câmbio eram reguladas e havia controle sobre o movimento de capital. Hoje, entretanto, a situação é mais complexa, pois os anos dourados do capitalismo industrial foram substituídos pelos anos pesados, cuja deterioração social mostra a redução dos índices macroeconômicos no mundo inteiro, com redução de salários, direitos e garantias sociais. Diminuem as taxas de crescimento, produtividade, investimento, com o aprofundamento das desigualdades.

Vieram então o ajuste estrutural e as reformas do Consenso de Washington, que substituiu Bretton Woods, na perspectiva da salvação do capitalismo com concentração de renda. E impostas aos países devedores do chamado terceiro mundo pelos países credores, as economias em transição. E aos países do Leste Europeu recém-conquistados pelo capitalismo.

A expansão contemporânea é chamada, eufemisticamente, de “expansão do livre comércio”, que exige a “flexibilização” (quebra) das leis trabalhistas. Trata-se, na verdade, de uma falácia liberal, que quer retroceder à época contratualista, anterior às conquistas sociais, pós-escravidão – que pretende eliminar a própria legislação protetiva do trabalho.

São armas poderosas contra os trabalhadores e a própria democracia, aos direitos humanos, frutificadas de um processo em que o avanço social, significado pela passagem de poder da nobreza para a burguesia, não progrediu em favor das amplas massas envolvidas, desconsideradas no processo.

Marchamos hoje para um mundo centrado no privilégio do lucro e não das pessoas, vazio de gente – da coisificação e fetchização dos valores. Reféns da colonização do século XV, submetidos após 500 anos, sobre nós amargamos um poder cuja linguagem de consumo e lucro não contempla avanços sociais em suas metas. Apesar das conquistas científicas, cresce a miséria e a fome. Vale-nos as lembranças e a nossa base histórica, que tentamos alinhar na perspectiva do futuro.

Este modelo significa a regressão das conquistas sociais dos trabalhadores, na vigência do modelo econômico do capitalismo em sua fase de esgotamento, buscando resolver uma de suas crises cíclicas através do neo-liberalismo – que não é senão a postura de maximizar o lucro, remontando ao liberalismo anterior à fase do “welfare-state”, o estado do bem estar social, que com base nos princípios econômicos de John Mainard Keynes estimulava o sistema através da atividade, produção e consumo com fortalecimento do amparo estatal. Oferecendo condições melhores de vida à população e à sua expansão.

Hoje, está em vigor o que se pode chamar de “fascismo pluralista” - quando a exclusão social impõe uma situação opressiva aos cidadãos. Que não é um regresso ao fascismo dos anos 30/40, não é um regime político mas social - que em vez de sacrificar a democracia às exigências do capitalismo, promove-o até não ser mais necessário e nem conveniente sacrificá-la para promover o capitalismo.

Nessa transição, vislumbrado o panorama mundial resultante da aplicação destas políticas impostas principalmente sobre os países dependentes e colonizados pelo capitalismo internacional. Podemos buscar a compreensão do processo em curso nesta cidade no plano mundial: tal estratégia presente na fase agônica do capitalismo resulta na crescente exclusão das massas do processo econômico e ocorre na seqüência da queda nas taxas de crescimento econômico nos países desenvolvidos.

Os anos dourados da prosperidade econômica foram deixados para trás, surgindo a decadência com a eliminação das conquistas populares. O velho liberalismo desmoralizado nos anos 30 foi negado nos anos seguintes, quando os estados se agigantaram nas economias, tendo a bi-polarização comunismo-capitalismo influenciado para o implante de políticas sociais nos países capitalistas.

Isto ocorreu da mesma maneira em que estas surgiram em 1887 na Alemanha conservadora ameaçada pelos sociais-democratas, que as institui como tentativa de escapar às pressões eleitorais da esquerda e superar seu predomínio crescente. Com o esgotamento desse modelo e o desaparecimento do comunismo real, as classes dominantes, necessitando recompor as margens de lucro colocam em prática uma série de ações na esperança de inaugurar um novo ciclo do desenvolvimento capitalista.

Este não é mais do que sua demonstração de agonia, caracterizadas como neoliberalismo. É o retorno do velho e surrado liberalismo enrustido, demolindo o keisenianismo. É hora de desmanchar o estado, privatizar os serviços e derrubar as leis protecionistas do trabalho, desregulamentando até os limites do possível e internacionalizando a economia com abertura para o fluxo de capitais e mercadorias.

Impõe-se esta lógica para as economias dependentes economicamente, criando-se blocos regionais. É a “globalização”, como aquela dos europeus no século XV-XVI, sem nenhuma identidade com a de 1868 (a Internacional Socialista, reunindo os trabalhadores e suas reivindicações). Pode-se dizer, em suma, que o objetivo neoliberal consiste em movimentar uma contra-tendência à queda nas taxas de lucro, elevando o grau de exploração sobre os trabalhadores, voltando para um novo (neo) liberalismo.

Isto se faz através da redução salarial, direta e indiretamente (redução de planos e auxílios, direitos conquistados no pós-guerra), com precarização dos contratos de trabalho, eliminando impostos sobre o capital para manter o estado previdenciário. De forma paralela e combinada com esta política, a classe dominante introduz novos métodos de gerenciamento de produção para racionalizar os serviços e ampliar os lucros.

É esta alternativa capitalista para a crise, que a aprofunda e mostra a necessidade de substituir o modelo para sobrevivência humana. Esgotado seu ciclo, o sacrifício humano é o combustível da sobrevivência do sistema capitalista. Até partidos antes social-democratas se unem nesta saída consensual das elites, que mostra suas tragédias nos níveis de crescimento da miséria e da marginalidade, embora nos países-sede ela tenha sido favorável economicamente – com o revés aprofundamento da crise nos dependentes.
A idéia da globalização como superação das contradições nacionais já desabou com o peso dos fatos, da predominância dos mais fortes sobre os mais fracos, protecionismo, com a demonstração paralela do progresso sem fim que o capitalismo proporcionaria. Miséria e retrocesso social acompanham o mundo desde a queda da União Soviética e do Muro de Berlim. A violência dos que resistem ao império do capitalismo expansionista, que não sobrevive sem expandir-se, é seu resultado. A explosão final, inexorável. São os rumos dessa globalização.

Paulo Matos
Jornalista, Historiador pós-graduado e Bacharel em Direito
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