segunda-feira, 1 de junho de 2009

A ESCOLÁSTICA FERIDA

A ESCOLÁSTICA FERIDA
Maio 2009

Paulo Matos (*)



Nos 109 anos do desaparecimento de João Otávio dos Santos, neste 9 de julho, o seu sonho e desejo, que fez construir em concreto e arte – o Instituto de Educação Dona Escolástica Rosa – merece resgate, o de suas crianças. Escolástica era o nome de sua mãe e visava a promoção de sua condição primitiva, homem de raízes – a de menino pobre. Ele deixou seus numerosos imóveis para que a Santa Casa, a qual dedicou sua vida, os administrasse em prol do Escolástica. E isso não se fez.

O Instituto fora cuidadosamente erigido pelo amigo e testamenteiro Júlio Conceição, o notável socialista e criador do Parque Indígena. Para as crianças pobres – como a que um dia foi Otávio -, lhes dando formação e abrigo. Mas isto não se consumou, exigindo-se, por dever moral e legal, o pleno cumprimento de sua herança expressa. Uma vontade coletiva que inexiste hoje e que necessita ser argüida, no ser degradado pelo sistema econômico do consumo e da propriedade sagrada.

A Santa Casa, sonho de Isabel, a rainha e santa padroeira, por equívoco histórico incorporou o patrimônio lhe conferido para administrar. E cedeu ao Estado a gestão do Escolástica – que eliminou os cursos inerentes à sua natureza essencial e determina sua atuação, alterando os fins colimados na intenção post-mortem.

De humilde origem, Otávio não se perverteu na riqueza: e na antevisão dos contingentes abandonados multiplicados, projetou e viabilizou o Escolástica. Não esperava, porém, que o núcleo, construído no espaço de sua chácara na Ponta da Praia e finalizado em 1907, tivesse esse destino, desatino.

Nascido em oito de março de 1830, há longínquos 170 anos, menino pobre trabalhador, João Otávio se tornou comerciante e proprietário de inúmeros imóveis na cidade. Caridoso, irmão da Santa Casa desde 18 anos, foi seu maior provedor, de 1875 a 1878 durante 16 anos, também de 1883 a 1896. Manteve a instituição na dificuldade, fez doações, como as ações do Teatro Guarany. Abolicionista, solteiro, tinha na Santa Casa sua filha predileta, dizia.

João Otávio confiou a Santa Casa administrar o que conquistou e devolveu à comunidade que o abrigara. A Prefeitura não paga à instituição o estabelecido em lei: esta também não foi leal com Otávio. Desde sua morte, observe-se: Conceição descreve as dificuldades impostas pela instituição para locar os despojos do antigo dirigente e benfeitor, no livro que escreveu sobre o processo em que, como testamenteiro, cumpriu a tarefa de perenizar a vontade desse Otávio.

Otávio alforriou escravos do próprio bolso, ajudou a manter o Quilombo do Jabaquara, abriu as portas de sua chácara para os cativos na cidade libertária - território livre dos escravos, como era conhecida. Vereador e presidente da Câmara, o foi no Império (1876 a 1880) e na República (1892/3). Deixou escrito: o Escolástica serviria para dar Educação intelectual e profissional de meninos pobres, em princípios pré-vocacionais.

A Escolástica era seu sonho, que por sua nobreza e altruísmo devemos resgatar, em respeito e homenagem à visão social ampla de João Otávio. A rua que o homenageia degradou-se socialmente. Não deixemos que tal ocorra com o que pretendeu perpetuar.



(*) PAULO MATOS - Jornalista, historiador pós-graduado e bacharel em Direito jornalistapaulomatos@yahoo.com.br
Blog: http://jornalsantoshistoriapaulomatos.blogspot.comFone (13) 97014788

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