sexta-feira, 1 de maio de 2009

OS 100 ANOS DO BONDE DA HISTÓRIA

OS 100 ANOS DO BONDE DA HISTÓRIA
Saudade Social - I
PAULO MATOS (*)

Na comemoração do centenário do bonde elétrico em Santos neste abril/28, a que antecedeu em 38 anos os bondes puxados à burro, é nosso dever reverenciar esta memória. A passagem de um século desde a chegada dos bondes a Santos tem uma história não apenas saudosista, mas política e administrativa, que escrevemos há 22 anos. É sobre o retrocesso no trato com a coisa pública que significou a retirada dos bondes de circulação e esta é a verdade popular.

A elevação dos sistemas de transporte coletivo, obrigatória com a expansão a cidade com a instalação dos bondes elétricos, em 1909. se reverteu com sua retirada e precarização da qualidade de vida - quando se impôs sua retirada em favor do obscuro lobby do petróleo e da borracha, transformado em fonte de lucro e altos vôos, encarecendo o sistema.

Mas os bondes estão de volta, sabe-se difícil ou impossível na forma em que vieram, deslocadores de grandes massas populares nos estribos, hoje comprimidas e em pé em veículos insuportáveis que atravancam as ruas. Agora, os bondes são “turísticos”, apenas. E a saudade de sua volta é social, pelo bem que faziam às pessoas.

Escrevo como amante do transporte coletivo, de sua importância para a vida dos cidadãos, que no transporte agravam suas condições de vida. E como autor do livro “Transporte Coletivo em Santos, história e regeneração”, escrito junto com o historiador Ricardo Evaristo dos Santos e publicado em 1987, na gestão do prefeito Oswaldo Justo. Reportando sua tarefa de reerguimento do transporte público na CSTC, que mostrou possível. Hoje, o transporte coletivo é solução urbana e alternativa ao caos, exigindo soluções.

Justo, o antigo líder da oposição, na experiência que narramos mostrou possível a manutenção de um sistema público, barato e que dá lucro – processo que acompanhei e reportei -, para quem ousar popular sem as grandes contratações lucrativas para poucos. Não é possível entregar às empresas serviços públicos sem modificar a sua ótica de atividade lucrativa e não de serviço. Basta disciplina, organização, planejamento para o bem público. Simples.

Escrevo como autor do Trabalho de Conclusão de Curso em Direito, em 2000, também com enfoque sobre o tema. Escrevo como o único indiciado na Lei de Segurança Nacional na região em 1983, em face da luta na Associação dos Usuários do Transporte Coletivo, que integrei. Escrevo nesta vasta memória da cidade que teve o melhor transporte popular do país e do continente, que não fazia sofrer além das más condições de trabalho impostas pelo sistema econômico.

A retirada dos bondes a partir de 1971 por governos municipais da intervenção não obedeceu a nenhuma lógica urbana lúcida, agravando o quadro do trânsito e comprometimento irremediável da qualidade do transporte público. Quantos veículos coletivos tínhamos na época do auge do bonde em relação á população? Quantos temos hoje e de quem é o caos? Não poluentes, eficientes, presentes, deram lugar a veículos poluidores de pouca durabilidade, quentes, sacolejantes e de cara manutenção – incômodos e inadaptados à cidade tropical.

Agora, Santos volta a ter bondes como diversas cidades européias e norte e latino-americanas que nunca os retiraram. Macios, econômicos, não-poluentes, duráveis, aqui foram considerados ultrapassados. Atrapalhavam o trânsito. Não, era o trânsito que atrapalhava o bonde. São transporte efetivo de massas. Eles carregam muito mais gente do que os carros. Não são velozes? E quem é veloz no engarrafamento? Os espaços reservados aos ônibus que se quer implantar hoje eram os trilhos...

Que bobagem foi retirar os bondes, cobrir seus trilhos que estão debaixo do asfalto onde estão colocando-os de novo. Ah, santo desperdício! Estão fazendo o mesmo com os trólebus, apagando-os da história com os escandalosos descumprimentos de contratos que garantiam lucros públicos - vontades individuais impondo-se com violência sobre o bem coletivo.


OS 100 ANOS DO BONDE DA HISTÓRIA
Saudade Social - II
PAULO MATOS (*)

A cidade de Santos já teve a maior rede aérea de bondes da América do Sul em 1917, um transporte exemplar que fazia mudanças e atendia pedidos para festas, para levar e trazer nos bondes os convidados. Foram instalados em Santos, puxados a burro, em 1871 - um ano antes de São Paulo. Por que saíram, estes que chegaram há mais de cem anos para ilustrar a terra?

Santos foi a primeira cidade brasileira a fazer transporte de mercadorias e entregas por bondes, veículos que duravam cem anos. Isso além de serem pontuais, confortáveis e atenderem à demanda de passageiros, em números e veículos quase iguais aos de hoje com a população multiplicada. Os bondes saíram de cena, foram retirados porque, diziam, eles atrapalhavam o trânsito – e hoje se descobre que o trânsito não tem jeito e que temos que apelar para os coletivos, a única solução para a cidade.

Era o trânsito que atrapalhava bonde e não o contrário, triste conclusão depois de desmontar uma estrutura milionária de redes e veículos que duravam um século, doados para cidades pelos interventores que passavam. Estamos trazendo bondes da Europa. Quase não temos mais os nossos bondes, destruídos a machadadas nos anos 70, para apagá-los do cenário.

Os bondes iam até São Vicente pela praia, o que se iniciou há 136 anos, registrados neste 7 de julho, em 1873 – mais baratos, freqüentes e diferentes das lotações desumanas atuais. Serviam ao revés dos ônibus, que carregam seres humanos como gado, estes escravos modernos obrigados a eles e suas empresas gigantescas e rentáveis. Econômicos, viáveis, silenciosos, não-poluentes, os bondes estão presentes pelo mundo. E aqui, ficaremos sujeitos aos gigantes voadores?

O resultado da substituição por ônibus e a privatização do sistema são as superlotações, o calor, os sacolejamentos, além da espera e da ausência. O transporte elétrico é melhor, já diria Justo quando era vereador nos anos 60. Ele convocou o então general-presidente da SMTC, General Aldévio Barbosa de Lemos, imposto pela Ditadura, para provar – em 1967. Levou um ano para trazê-lo à Câmara. Não adiantou sua defesa, acabaram com os bondes.

Não adiantou a tenacidade de Oswaldo Justo, o vice eleito em 1968 que não deixaram assumir, que foi o prefeito que trouxe os trólebus de volta em 1987. Do prefeito que recuperou a CSTC com Marcos Duarte e do saudoso Eurico Galatro. Nomes como dos jornalistas Antonio Aguiar e Áureo de Carvalho, do esforço do jornalista Lane Valiengo entre tantos os que deram brilho á luta pela volta dos bondes.

Vamos trazer o bonde de volta, que agora tem que ser buscado na Europa, pois os da maior rede da América do Sul em 1917 – Santos – foram destruídos, quebrados, doados pelos interventores para cidades diversas. Não há de ser nada. Reconstruiremos o transporte público e os bondes porque eles são eternos, tem frescor em terras tropicais, não fazem fumaça, circulavam a noite toda, alimentavam o comércio e os usuários, não quebravam, não sacolejavam, não esfumaçavam, não deixavam motoristas e cobradores loucos em dirigir e fazer trocos complicados.

Ah, os bondes... A cidade que os tem como símbolo turístico os traz de volta, modernos porque úteis, silenciosos, inteligentes e serviçais, escravos das pessoas e não das empresas, do petróleo, da borracha. Sua manutenção é a lavagem. Baratos demais, saíram de moda. Estiveram por aqui desde 1908 até 1972, os elétricos – antes os puxados a burro, desde 1871. Os que o usaram antes se emocionam ao seu tremor leve, suave da partida. Os jovens se perguntam: Porque tiraram os bondes? È só levar a história a sério e vamos descobrir.

(*) Paulo Matos é Jornalista, historiador pós-graduado e bacharel em Direito, autor do livro Transporte coletivo em Santos, história e regeneração”
Fone (13) 97014788

Um comentário:

Anônimo disse...

É tanta sensibilidade na pele desse escritor que ama esta cidade como ninguém. Esse é Paulo Matos, sim, meu pai. Admiro-o não só como pai, mas como escritor e por tudo que é e que fez até hoje. Sua contribuição na cidade é notória e digna de aplausos. Modéstia a parte, pretendo chegar lá.

Paula Matos
Estudante de Jornalismo