domingo, 20 de julho de 2008

VERÃO VERMELHO - OS 60 ANOS DA LUTA "O PETRÓLEO É NOSSO" E DO PAPEL DOS COMUNISTAS NA BATALHA EM SANTOS

PROJETO MEMÓRIA


1947-2007
VERÃO VERMELHO
OS 60 NOS DA LUTA “O PETRÓLEO É NOSSO”
E DO PAPEL DOS COMUNISTAS NA BATALHA EM SANTOS

PAULO MATOS

“Petróleo é nave em mares de bravias ondas”.
Submarino traiçoeiro em covis abissais
Avião veloz destruindo a vida dos casais
Tanques de guerra esmagando corações
No subsolo, irmãos, quente mar petrolífero
Sente o perpassar rápido das ferrovias
Asculta o deslizar veloz nas rodovias
Palavra! Dom divino da democracia
Que nos fornecem os fuzileiros celestes
(...) arte da guerra dos povos civilizados...”

(poema declamado na instalação e posse da diretoria do Centro de Estudos e Defesa do Petróleo em São Paulo, por Alves de Almeida, seu autor, denominado “Poema trágico do petróleo” – folheto impresso para distribuição do Centro Paulistra de Estudos e Defesa do Petróleo, SP, 1948)

LUTA DE HERÓIS

Como escreveria o deputado comunista eleito Jorge Amado, escritor da história do “Cavaleiro de Esperança” Luiz Carlos Prestes, em 1942:

Herói, que coisa tão simples, tão grande e tão difícil! Herói, que palavra mais linda! Só o povo, amiga, concebe, alimenta e cria o herói, que nasce de suas entranhas, que são as suas necessidades”.

“O herói está na frente do povo quando ele se levanta, conquistando sua liberdade”.

“Nunca te enganarás, amiga, porque o povo nunca se engana. Ela sabe como é a voz de seus poetas, porque é a sua própria voz. Ele reconhece a figura de seus heróis, porque é a sua própria figura”

“Não importa que os literatos vendidos se apresentem como poetas, que o tirano se apresente como herói. O povo os repele e se afasta deles. Não ouve a voz dos literatos nem fixa o gesto teatral dos tiranos. Seu coração e seu pensamento estão com seu poeta e seu herói, sua voz e seu braço.”

“Eterno no mundo, amiga, só o povo e a memória de seus heróis e poetas. É curto o tempo dos tiranos, é curta a noite da escravidão. É bela a manhã da liberdade que vale a pena morrer por ela, dar a vida pela certeza de que ela vem, quer chegará para os homens...”

“Aqueles que não crêem no povo não mais crêem na poesia e no heroísmo. E o povo realiza cada dia novos milagres de poesia, novos milagres de heroísmo...”



O AUTOR

Paulo Matos é Jornalista, historiador pós-graduado e bacharel em Direito, formado pela Universidade Católica de Santos. Escritor. Nasceu em 1952 e atualmente é assessor parlamentar do vereador santista Ademir Pestana, do PT. Militante político do movimento estudantil e popular desde a puberdade e integrou o movimento cultural.
Matos foi classificado em primeiro lugar em concurso estadual de história (1986) e alguns de seus livros foram publicados pela Prefeitura de Santos em 1987, 1996 e 1997. Integrante da geração 1968 escreveu centenas de crônicas em diversos jornais e revistas.

Matos contou também sobre a história do porto e do sindicalismo portuário (“Caixeiro, conferente, tally clerk”), junto com o também jornalista Mauri Alexandrino, editado em 1997 pela Prefeitura de Santos, no último ano da gestão do Prefeito David Capistrano (1993-1996).

Poeta e contista premiado na Universidade, palestrista, Paulo Matos é autor também de ensaios sobre arquitetura - “Santos / Jurado, a ilha e o novo” -, que mostra o ousado e inovador arquiteto e construtor João Artacho Jurado, editado pela PRODESAN em 1996.

Também a história foi e é seu objeto – área em que ganhou o Prêmio Estadual Faria Lima em 1986, promovido pelo Governo do Estado (Secretaria do Interior / CEPAM) - um trabalho que conta a trajetória do movimento operário livre em Santos desde seu nascimento após a Abolição, fins do século XIX.

Seu Trabalho de Conclusão do Curso de Jornalismo em 1983 foi “Santos Libertária - imprensa e movimento operário, 1879 / 1920”, que ampliado foi apresentado como sua monografia de pós-graduação em história em 1992 (“Imprensa operária na Santos Libertária – imprensa e história do sindicalismo livre / 1879-1920”).

A história narra o período em que se originaram os sindicatos no Brasil, sob inspiração anarquista, nos fatos ocorridos em Santos - então um dos três principais pólos nacionais do movimento operário à época do sindicalismo livre, que reporta nos detalhes de Santos.

Na sua formação em Direito em 2002, apresentou como Trabalho de Conclusão de Curso a monografia “Catracas, cobradores e direitos sociais”, em que mostra todas as infrações legais praticadas pelos empresários do sistema de transporte coletivo em Santos - de cuja luta participou há 20 anos, como membro da coordenação da Associação dos Usuários - tendo sido vítima da Lei de Segurança Nacional em 1984 por essa militância.

Paulo Matos fez parte do movimento cineclubista em um dos primeiros cineclubes do Brasil, o Clube de Cinema de Santos. E foi assistente de direção no Grupo Teatral Saldanha da Gama. Também como participante dos movimentos de organização popular, foi integrante do Movimento Estudantil e coordenador da luta pela legalidade dos ambulantes de praia.

Esta legalidade foi conquistada pela primeira vez no país em 1986, em uma luta iniciada em 25 de fevereiro de 1983, com a criação da entidade “Socó Unidade Ambulante de Resistência” – em homenagem às vítimas de Vila Socó -, semente do atual Sindicato dos Ambulantes e que engajou no trabalho legal cerca de 1.500 pessoas, após extensa trajetória de luta.

Membro da coordenação da Associação dos Usuários do Transporte Coletivo, em 1984 foi preso em manifestação e indiciado na Lei de Segurança Nacional, então o último do país, sendo demitido da CETESB - anistiado político em 1998.



I
INTRODUÇÃO


“O PETRÓLEO É NOSSO”:
COMUNISTAS EM AÇÃO



Este livro marca os setenta anos do “Jornal do Petróleo” e dos sessenta da campanha popular “O petróleo é nosso”, criado pelos estudantes da UNE – União Nacional dos Estudantes e pelo CEDPEN –, ao tempo em que era presidente Roberto Gusmão, seguido no biênio seguinte por Rogê Ferreira, ambos do PSB. E a atuação dos comunistas neste episódio de redenção nacional, que em 1947 elegeram 16 deputados e um senador, em Santos 14 vereadores dos 31 possíveis e que só não fez o prefeito porque a autonomia foi cassada.

O Brasil só passsou a explorar intensamente seu subsolo, igualmente as nações do mundo que o possuíam, após a vitória do movimento “O petróleo é nosso” e a criação da Petrobras em 1953 - com um século de atraso em relação a outros países que enriqueciam com o petróleo. Como resultado desta aproximação comunistas x luta do petróleo, vemos o que escreve o historiador Augusto Buonicore:

“O escritor Monteiro Lobato se aproximou do Partido (comunista) apoiando Prestes para o senado e votando nos candidatos comunistas para a Câmara dos Deputados e Assembléia Legislativa. Publicou um folheto popular defendendo o `Cavaleiro da Esperança`, intitulado `O Zé Brasil´ ”. Era a união pelo interesse nacional. Era pragmático, não era comunista.

O Brasil tinha lentas e modestas atitudes na prospecção do petróleo, em ações movimentadas a partir dos anos 30, retardadas pelos grupos que não desejavam que o país tivesse petróleo – o que era evidente em seu amplo território, em face da existência do óleo nos países em redor. Para descobrir o poço de Lobato em 1939 se levou anos. No final do século XIX, dez países no mundo já exploravam petróleo. Aqui, Monteiro Lobato denunciava o atraso proposital.

O ano era 1937, dos vinte anos da Revolução Russa que abalara o mundo, tempo de mudanças mundiais e de ascensão de novas ideologias diante da crise do capitalismo – tanto daquelas emanadas pela União Soviética, o comunismo, como o reverso, as que nasciam para combater a tomada do poder pelas massas, o nazi-fascismo.

O movimento “O petróleo é nosso” formou uma entidade com sedes em todo o país denominada, inicialmente, Centro de Estudos e Defesa do Petróleo e da Economia Nacional. É desse esforço nasceu a Petrobras e a efetiva exploração do petróleo nacional, na luta de Monteiro Lobato que criou três companhias do ramo e passou a ser obstado pela criação do Conselho Nacional de Petróleo em 1938, que para ele fazia a política da Standard Oil americana.

As coisas por aqui andavam devagar. Os Estados Unidos iniciaram a exploração do petróleo em 1859 e um ano depois já tinham 174 poços e dezenas de companhias novas. Isso enquanto o Brasil abriu o primeiro poço em 1938 e, escreve Lobato, “um ano depois estava com três poços a menos e três companhias feridas de morte pelo Conselho (Nacional de Petróleo, criado neste ano)”.

Foram 89 anos entre o primeiro poço e a criação da Petrobrás, que inicia de fato a exploração do subsolo. Até sua fundação o país importava 93% dos derivados que consumia, apesar dos 52 poços aqui prospectados. Para se ter uma idéia, em novembro de 1860 havia 75 poços de petróleo funcionando em Oil Creek, nos Estados Unidos, quinze meses depois da descoberta em 1859 pela Pensylvânia Rock Oil Company.

Nesta época e por muito tempo o Brasil andava em passos de tartaruga na questão, desprezando seu mel. A marcha para exploração era lenta e restringida. Lá eles saltavam de 450 mil barris em 1860 para três milhões em 1862, com preços se multiplicando dia a dia. Os pioneiros acumulavam imensas fortunas, tempo da Standard Oil e de Jonh David Rokfeller, que controlavam 90% da refinação em 1890.
Monteiro Lobato denuncia, na página 170 de seu livro “O escândalo do petróleo e do ferro”, o que chama de “A destruição das companhias nacionais”, com um subtítulo “Qui prodest?” (grafia original):

“Na investigação dum crime o primeiro passo dos criminologistas é estudar a quem o crime aproveita. QUI PRODEST? A QUEM APROVEITA? Pois bem, não há um só ato do CONSELHO que, próxima ou remotamente, não aproveite ao polvo da Standard Oil – e só a ele...”.

Mas o povo pressionou e se criou a Petrobras em 1953. Nos tempos da Ditadura Mlitar e de um governo comprometido com os interesses estrangeiros como os que derrubaram Vargas e Jango e queriam derrubar Juscelino, o entreguista Roberto Campos, chamado “Bob Fields”, batizou de “Petrossauro” a Petrobras, que se tornou uma das 15 grandes petrolíferas do mundo. Nem ele nem os interesses do capitalismo internacional conseguiram segurá-la.

No governo Lula, o valor da empresa no mercado de ações saltou de R$ 60 bilhões para R$ 204 bilhões. E eis que chega a auto-suficiência, reafirmando definitivamente cumpre-se a campanha “O Petróleo é Nosso”. Que mobilizou milhões e obteve importante área de apoio militar, enfrentando a violência policial (dois mortos em São Paulo, um no Rio de Janeiro), conquistou a opinião pública.

Ao lado da dimensão histórica, do seu significado para a independência e soberania nacionais, a auto-suficiência é também uma vitória tecnológica. Viabilizou-se, a partir dos anos 70, com o domínio da extração em águas profundas, especialmente na plataforma de Campos, Rio de Janeiro. Para tanto, a Petrobras desenvolveu procedimentos inovadores, que a colocam na dianteira mundial desta tecnologia. Graças a isto, a extração petrolífera foi a mais notável exceção em meio à mediocridade das “décadas perdidas” pós-1980, triplicando o seu volume.

Segundo Celso Fernando Lucchesi, no número 33 da revista do Instituto de Estudos Avançados da USP, na época da fundação da Petrobras a produção era de 2.700 barrís/dia e o consumno 170 mil barris/dia – lógicamente importados na forma de derivados. Foi a partir dela que se começou a formar e especializar um corpo técnico. Era tempo de estradas e desenvolvimento industrial e o país carecia do petróleo.

O movimento “O petróleo é nosso” foi integrado por amplos setores sociais, de estudantes e intelectuais ao movimento operário, militares e toda a sociedade civil, em ação organizada pelo Partido Comunista Brasileiro, demonstrativa de sua capacidade de organização e mobilização. Defendia que o Brasil tivesse uma atitude em relação ao seu “ouro negro”, cobiçado pelos Estados Unidos, para quem não era interessante que o Brasil extraísse petróleo de seu subsolo – que iria precisar no futuro.

O petróleo transformaria o mundo, pois multiplicaria a força humana. Com ele o mundo chegou ao que é e embora hoje se tenha elementos para duvidar da conveniência de seu uso em face dos prejuízos ambientais que acarreta, impossível descartar seu papel ainda neste momento e por alguns anos.

Seria e é motivo para muitas guerras e dominações cruéis, no temor de seu exaurimento. O Partido Comunista Brasileiro, recém saído da clandestinidade em 1945 e novamente clandestino em 1947, no episódio que narramos, mesmo fora da lei enquanto instituto político jogou toda a força de sua organização popular, que lhe havia dado grandes vitórias eleitorais nesse ano, no sucesso do movimento.

Assim como o ouro retirado do Brasil pelos portugueses durante a época de colonização serviu à Revolução Industrial e à formação das potências mundiais, o petróleo explorado pelas chamadas “Sete Irmãs”, as grandes empresas petrolíferas mundiais, açambarcavam todo o mundo de 1908 a 1950 – e foram vitais para a construção do poder capitalista.

Diante da renda produzida, estas empresas petrolíferas eram o poder político em seus países e no mundo, seus administradores e gerentes os homens mais importantes, os verdadeiros governantes - os poderes nacionais locais submetidos a este neocolonialismo.

Os grandes países avançavam sobre as reservas dos pequenos, por bem ou por mal, como hoje. E a exploração só servia para os pequenos pagarem suas dívidas estelionatárias, como ainda convivemos desde a “flexibilização” tucana do monopólio no governo dos “social-democratas” brasileiros, compromissados com o estrangeiro, cujos países exerciam um sistema de dominação.

No mundo, o México foi o primeiro país a reverter a situação de domínio pelas potências mundiais de seu petróleo, seguido por muitos outros países e nacionalizando seu “ourio negro” - tendo chegado a ser o segundo produtor mundial. Era e é uma atividade tão estratégica essa de gerir os negócios do petróleo que várias nações, ainda que não produtores, criaram suas empresas do ramo nesse nosso período, como a França (1924) e Alemanha (1935), além da Itália (1953).

Em 1951 ocorre a primeira crise mundial do imperialismo na questão, com a nacionalização pelo o primeiro-ministro iraniano, Mosadegh, da British Petroleum. Mas por isso ele seria derrubado em 1953 pela CIA e pelo Serviço Secreto Inglês. Embora derrotada, esta experiência do Irã foi a partida para que se impusessem relações mais justas ou nem tanto na questão do petróleo, na base de meio a meio.

A posição brasileira assumida nesse ano de 1953, o mesmo em que o poder capitalista internacional mostrava sua força no Irã, foi um ato de coragem e ousadia e serviu à construção de uma infra-estrutura que serviu para instalação de novos paradigmas nacionais e internacionais.

O escritor e empresário Monteiro Lobato, personagem vital para essa vitória pela qual lutou e foi preso em 1941, escreveu livros e montou empresas, não a viu, morreu em 1948. A UNE – União Nacional dos Estudantes – criava nesse ano a Comissão Estudantil de Defesa do Petróleo. Era a guerra contra os interesses de voz ativa da Standard Oil, Shell, Texaco, Móbil Oil, Esso e etecetera, que iriam oligopolizar o que a Petrobras encampou para o Brasil.

Era fundado também em Santos, nessa época, o Centro de Estudos e Defesa do Petróleo. O debate empolgava o Clube Militar, nas expressões do general Julio Caetano Horta Barbosa e Juarez Távora – o primeiro favorável ao monopólio e o segundo contrário. Este tinha o apoio dos oficiais ligados à Escola Superior de Guerra e aos veteranos da Segunda Guerra Mundial, fiéis aos ex-aliados norte-americanos.

Em Santos, a presença do principal líder político dos veteranos da Segunda Guerra, Aldo Ripasarti, ao lado dos movimentos populares do “O Petróleo é nosso”, inclusive chegando à presidência da Frente de Estudos e Defesa do Petróleo local, deslocava o centro de poder nessa faixa favorável às orientações de Távora.

A ação resultante desses movimentos populares pelo monopólio determinou que o país fosse de muitos nessa decisão, em que novamente os que estavam contra o futuro do Brasil acusaram de “comunistas” os que defendiam o monopólio nacional do petróleo, porque seu maior impulso veio do Partido Comunista Brasileiro – evento de organização popular.

Esta luta foi para os comunistas como a Revolução da Aliança Nacional Libertadora em 1935, que reportamos – um grande movimento popular que, naquele momento, desaguou em um frustrado levante armado. Ou ainda melhor, foi como a campanha contra a escravatura, que também envolveu a todos, notadamente em Santos que era chamada “Território Livre dos Escravos”: dominaramn toda a sociedade.

Em 1947 existiu em um intenso movimento popular que reuniu todos os setores sociais, que mudou a história ditada pelos setores conservadores então no poder, pois o nacionalista Getúlio Vargas caiu em 1945 e voltou em 1950. Presidente de 1930 a 1934 graças ao Golpe da Aliança Liberal que derrubou a Republica Velha, eleito pela Constituinte que convocou neste ano até 1938, deu um golpe em 1937 (o “Estado Novo” fascista).

Vargas ficou até 1945, quando foi derrubado para voltar pelas mãos do povo em 1950 e criar a Petrobras em 1953 – se suicidando para não deixar o poder vivo, em 1954. Suas ações nacionalistas foram o motivo maior de suas quedas, tanto em 1945, derrubado pelos que o colocaram no poder em 1930, como em 1954. Mas a lembrança de seu ato de afirmação nacional ficou com o Brasil possuindo uma das maiores empresas de petróleo do mundo.

Hoje, o Brasil tem mais de vinte bacias petrolíferas. Sua produção ultrapassa 1,5 milhão barris/dia e tem recordes mundiais em extração no mar. Atestado de competência da indústria estatal nacional, ela investiu 80 US$ no país em 40 anos, contra as multinacionais de diversos setores que investiram US$ 72 bilhões em mais de cem anos.

O sistema financeiro recolhe US$ 3 bilhões em impostos por ano, a Petrobrás US$ 6,5 bilhões, em dados de 2003, cerca de 30 milhões de reais em taxas, impostos e royalties. No país em que se negava ter petróleo, a Petrobrás demonstrou uma reserva de 1,5 mnilhões de barris em 1953 e hoje tem reservas totais de 20 milhões de barris. Afirmou uma tecnologia nacional.
Como escrevem os autores Rui Nogueira e Fernando Siqueira, na obra “Petrobras, orgulho de ser brasileira”, “Do Poço ao Posto a Bandeira Brasileira: Isto foi conseguido. Foi a árdua campanha do "Petróleo é nosso" que fez surgir a Petrobrás. Descobriu petróleo, desenvolveu inédita tecnologia de pesquisa e produção em grandes profundidades, deu oportunidades aos muitos milhares de profissionais qualificados pelas nossas universidades, desenvolveu a produção de petroquímicos e fertilizantes, nunca deixou o Brasil desabastecido e está presente levando seus produtos aos postos mais longíquos da distribuição. Contribui com mais de 10 bilhões de reais anuais em impostos, enquanto todo sistema financeiro fica em 3 bilhões.
Energia é fundamental e no mundo, o petróleo ainda é a sua principal fonte. Do poço ao posto, a Petrobrás demonstrou ampla capacidade e competência na sua atuação, por vezes, em ocasiões em que o cartel explorador se recusava a investir, por falta de interesse e por falta de tecnologia.
A história do petróleo no Brasil começa de fato com a Petrobras, hoje uma das maiores empresas do mundo no ramo, recordista mundial em perfuração no mar. Assim, o início da luta “O petróleo é nosso” em 1947 e a vitória final em 1953, aqui reportado, são motivo de registro e lembrança no seu significado global e, em especial, em Santos.



II


COMUNISTAS, POLÍTICA
E PETRÓLEO EM SANTOS



Às vésperas do centenário do profético Manifesto Comunista de Karl Marx e Frederich Engels, que ocorreria em 1948, a cidade de Santos daria sua lição de ação como comunidade organizada. Nas eleições municipais, aqui ocorreu mais expressivamente a vitória nacional do Partido Comunista Brasileiro. O papel central desempenhado pelos comunistas na luta contra o nazi-fascismo no Brasil e no mundo atraiu a simpatia de parcelas significativas da intelectualidade brasileira.
O prestígio da URSS e de Luís Carlos Prestes, o “Cavaleiro da Esperança”, estava no seu auge. Artistas e intelectuais acorreram em massa ao Partido que representava as aspirações mais avançadas da humanidade. Com a orientação do Komintern, órgão mundial dos comunistas para que os partidos comunistas apoiassem os governos locais que lutassem contra o Eixo e a entrada do Brasil na Segunda Guerra Mundial do lado aliado, em 1943, o PCB organizou a Conferência da Mantiqueira.
Essa vitória elegeu vereadores, deputados e o senador Prestes, com ampla votação de seu candidato presidencial, e o engajamento desse Partido mais antigo do país na luta nacional – mesmo após sua cassação que afrontou o Direito e a seriedade das instituições. E massivas manifestações da campanha “O petróleo é nosso”, que aqui fez uma vítima fatal, o ensacador comunista Deoclécio Santana.

Na vida política, Santos cumpria seu papel e elegia 14 dos 31 vereadores para o mandato 1948-1951, em nove de novembro de 1947. Elegera nove, mas como o partido mais votado (28% dos votos, só 41 votos de legenda, quase dez mil nos candidatos comunistas) tinha direito às sobras, “faturou” mais cinco, 45% das cadeiras.

Com a aliança com os vereadores do PSD e do PSB Ferramenta e Moreno, com a presidência do primeiro teriam a mesa e a maioria na casa. O presidente seria do PSD (Ferramenta), mas na mão dos comunistas – que venceram apesar de seus delegados e fiscais terem sido proibidos de trabalhar na eleição, em meio a uma notória campanha anticomunista durante o pleito.

O município tinha quase 47 mil eleitores e votaram cerca de 36 mil. Os comunistas e a cidade tinham na Assembléia Legislativa o deputado estadual mais votado da cidade, professor Taibo Cadórniga, um forte discurso em defesa da sociedade sem exploradores nem explorados, que havia encontrado seu caminho na organização popular.

A cidade que tivera sua última eleição em 13 de agosto de 1936 e que foi vítima da intervenção da ditadura do golpe fascista do “Estado Novo” em 10 de agosto de 1937, pelos corações e mentes dos comunistas incorporou a batalha para ser uma grande nação, construindo sua infra-estrutura independente dos colonizadores a que sempre se submeteu desde Portugal.


III

EM 1947, A CÂMARA
VERMELHA DE SANTOS



Nesta eleição da Câmara de Santos, ocorrida em nove de novembro de 1947, os comunistas concorreram pelo PST, em função da cassação do registro do PCB. O número total de votos foi 35. 755, que divididos pelo número de cadeiras – 31 - resultaram no cociente eleitoral de 1.153 votos, número pelo qual cada partido elegera um vereador.

Com 31 cadeiras disponíveis, apenas Leonardo Roitman, do PCB, teve 2.198 votos, quase 200% do cociente sozinho, cerca de 6% do total, hoje perto de 20 mil votos – a maior votação da história da cidade para um vereador. O segundo vereador mais votado da sigla comunista também ultrapassaria o cociente eleitoral, com 1.729 votos – Victorio Martorelli. Só os comunistas ultrapassaram o cociente eleitoral nessa eleição, nas votações individuais.

O PST teve nessa eleição 9.557 votos, mais 41 de legenda – e elegeu oito vereadores. De acordo com a lei vigente, como partido mais votado teve direito às sobras e fez mais 6, completando 14. Faria o Presidente da Câmara, já acertada a composição com outros dois vereadores de outros partidos – Agostinho Ferramenta e João Carlos de Azevedo, do PSD e do PSB. Isso apesar de uma vigorosa campanha anticomunista na cidade, apesar de se proibirem a atuação dos delegados e fiscais do PCB/PST.

Foram eleitos pelo PCB na primeira lista, além de Leonardo Roitman, Victorio Martorelli, Manoel Ferreira, Felix José da Silva, João da Conceição, Paulo dos Santos Cruz, Nelson Toledo Piza e Manoel Teixeira Chaves. Entraram nas sobras do cociente José Alonso Nunes, Aquilino Camino, Francisco Rodrigues Dias, Benedito de Almeida, Manoel Dias Veloso e José Reinaldo Simei.

OS NÚMEROS DO FENÔMENO

O PCB / PST, sua sigla emprestada, elegeu oito vereadores e os outros partidos 17. Eram 25 e a Câmara tinha 31 parlamentares. Mas a Lei mandava que o Partido mais votado ficasse com as sobras do cociente, que indicavam o número de vereadores de cada partido. O PSP teve 5.595 votos, elegeram cinco e sobraram vinte. O PSD teve 5.595, elegeu quatro e sobraram 983. O PTB teve 4.029, elegeu três e sobraram 570.

O PDC teve 2.190, elegeu um e sobraram 703. O PR elegeu um com 1.485 votos, sobraram 332. O PTN teve 1.405, elegeu um e sobraram 252. O PRP teve 322 votos e não elegeu ninguém. Foi tudo para o PST, que assim colocou lá mais seis. E fez 45% dos vereadores. Fizeram parte da chapa do PCB/PST, além de Aloísio, nomes como Álvaro Bandarra, Álvaro Justino, Luiz Ghilardini, José Alonso Nunes, Francisco Carril Santos, Carlos Domingues e Manoel Queiroz, Antonio Bernardino dos Santos e o garçom Antonio Carrasco Calderon.

Concorreram ainda pelo PCB/PST Joaquim Francisco do Rego e Antonio de Brito Lopes, Maria Benedita da Cruz, Moacyr Gazza, Walter Rezende de Melo, o conferente Armando Augusto de Oliveira, o bancário Vallois de Freitas Veiga e Corálio de Castro Pereiro.

Mas na noite em que cantava no Parque Balneário as “Irmãs Meirelles”, a última do ano de 1947, chegava a notícia da esdrúxula e antidemocrática cassação do voto popular e a perda do mandato dos comunistas eleitos em todo o país, mas o PCB seguiria na luta. Em três de janeiro de 1948 tomava posse a Câmara eleita, mas sem os vereadores comunistas. Há 55 anos, rasgava-se a história da Cidade Vermelha. Mas o Partido mais antigo do país se manteve na trincheira da defesa dos interesses do povo brasileiro.

Ao contrário do Renascimento de um tempo em que Santos não existia, ao menos politicamente, a cidade teve um papel significante na década de 40, no renascimento cultural e ideológico que ocorria no mundo com resultado no crescimento dos comunistas – esse curto “verão vermelho”.

Foram os comunistas que com um projeto de uma nova sociedade igualitária e libertária impulsionaram a luta pela exploração do petróleo brasileiro, que os obedientes governantes de então mantinham oculto sob as ordens dos Estados Unidos. Hoje, com a valorização do “ouro negro” em face do esgotamento breve das reservas mundiais, assim como em função da sua dependência para movimentar a economia mundial, sabe-se de sua inconveniência em termos ambientais, carente de substituição para não destruir o mundo.

No entanto, promovem-se agressões e guerras de conquista como no Iraque invadido pelos Estados Unidos, que se prepara para o saque da Amazônia. Nesse momento, a lembrança de uma batalha passada há 60 anos revigora a defesa brasileira, país que avançou na sua infra-estrutura na exploração de seu sistema petrolífero existente no subsolo.

Foi nos anos do curto “Verão Vermelho” que dá nome a este livro, entre a legalização do PCB e seu fechamento em face da “Guerra Fria” da União Soviética e os Estados Unidos, que os adeptos da teoria marxista-leninista tiveram seus maiores momentos no Brasil e em Santos, mostrando que em campo aberto e sem a bárbara repressão que tiveram antes e que teriam ainda não havia páreo para a tarefa de conquista da opinião pública.

Santos teve especial destaque nesse cenário por conta de sua característica operária, a ponto de constar do processo de fechamento do PCB inúmeras referências às greves e agitações aqui ocorridas, identificando a cidade como “o maior núcleo do interior”, constando documentos sobre o boicote aos navios espanhóis no relatório da 4ª Delegacia de Polícia – conforme o relatório do Ministro F. Sá Filho, na parte “Denúncias”.

IV


O PETRÓLEO E
SEU MOMENTO HISTÓRICO



Situando no tempo, com a vitória dos Aliados contra as Forças do Eixo vencia o liberalismo e a democracia burguesa, mas ao mesmo tempo o Terceiro Mundo se rebelava. Países da Ásia à Árica se libertavam de seus colonizadores históricos e os pequenos países queriam não apenas a democracia de fato com a independência real, que inexistias nas finanças e na política. O petróleo era esse caminho da autodeterminação. O Brasil não era diferente.

A imprensa nacional, enamorada das verbas multinacionais, atacava sem tréguas o processo de monopólio, junto com banqueiros e comerciantes, que defendiam o capital externo, digo, americano, na exploração de petróleo – que já não existiria. Como os caminhos da imprensa estavam bloqueados, os comunistas saíram às ruas em comícios e panfletos.

O Projeto de Lei criando a Petrobras foi enviado ao Congresso em dezembro de 1951, o PL 1516, prevendo a criação de uma empresa mista com controle majoritário da União. Era quando os partidários do monopólio estatal se organizavam. Em abril de 1948 haviam fundado o Centro de Defesa do Petróleo e da Economia Nacional no Rio de Janeiro e em setembro desse ano fariam a Primeira Convenção Nacional de Defesa do Petróleo.

Em maio, após a passagem nas comissões, o PL era enviado à Câmara. A resistência aos trustes internacionais foi a tônica dos discursos na Associação Brasileira de Imprensa, no dia da criação do CDPEN, que em Santos ocorreu na data da tomada de Monte Castelo pelas tropas brasileiras da FEB na Itália, 21 de fevereiro.

Não foi a toa que a primeira grande refinaria do país, que produziria dez vezes a de Mataripe, foi construída na região da Baixada Santista, em Cubatão. Mas só entraria em funcionamento no segundo governo Vargas, porque o governo que o sucedeu tinha outros compromissos senão com o país.

Eram tempos agitados estes de 1953 em que o Presidente Vargas cria a Petrobrás, a Lei 2004. Era o ano da morte do Presidente Stalin em cinco de março, ele que dirigira a poderosa União Soviética por 29 anos com mão de ferro. Em 19 de junho, nos Estados Unidos, eram executados Julius e Ethel Rosemberg na cadeira elétrica por suposta espionagem para a URSS de conhecimentos sobre a bomba atômica. Era a “Guerra Fria” entre as superpotências.

Em 27 de julho, depois de três anos de combate e cinco milhões de mortos, é assinado o armistício entre China e Coréia do Norte com as Nações Unidas para por fim a guerra. Eram agora duas as Coréias e o Japão, que financiou os armamentos, retomava seu desenvolvimento econômico. No Brasil era instalada a Volkswagen em 15 de março, em 29 de abril ganhava a Palma de Ouro o filme de Lima Barreto “O Cangaceiro”. O país assumia a consciência de sua grandeza e autonomia nacional, desprezando seu passado colonial e dependente.

Essa luta venceu em 1953 quando foi criada a Petrobrás, em três de outubro desse ano – e o monopólio estatal do petróleo. Que seria ampliado em 1963 em face das greves de 15 dias em Capuava, na Refinaria de Petróleo União, privada, exigindo sua encampação – com o que se comprometeu o presidente João Goulart –, estendendo e completando o monopólio sobre as refinarias privadas ainda existentes.

Em 1939, havia sido descoberto um poço em Lobato, na Bahia, uma coincidência com o nome de seu maior batalhador, Monteiro Lobato – que colocava o tema em suas histórias infantís e criava empresas e jornais para defender a causa brasileira – que trazemos neste livro. Santos fazia valer o avanço dos ideais coletivos e solidários de uma nova era. Conquistava a maioria na Câmara Municipal.

Os comunistas defendiam o país como nunca se fizera antes, na luta do petróleo, reprimida. Na época, a produção nacional não atingia 1,6% do consumo interno. A companhia intensificou a exploração e seu corpo técnico, atingindo em 2006 a auto-suficiência produtiva no “ouro negro” – provando que o ideal abraçado pelos comunistas estava correto. O Brasil tinha sim petróleo e tem uma das maiores empresas do mundo no setor. Existia uma refinaria em operação, outra em construção e cinco particulares.

Hoje, o Brasil é o décimo-sexto país produtor de petróleo no mundo e Santos foi uma das maiores expressões do país nessa luta vital para construção da nação brasileira – cuja força de organização serviu à causa vitoriosa do monopólio estatal de petróleo. Ele ainda demoraria cinco anos para ser brasileiro. É esta a nossa história.

V

VARGAS, O CRIADOR DA PETROBRAS

Getulio Dornelles Vargas era filho de Manuel do Nascimento Vargas e Cândida Dornelles Vargas. Nasceu em 19/04/1882 em São Borja, Rio Grande do Sul, foi casado com Darcy Sarmanho Vargas. Faleceu em 24/08/1954, no Rio de Janeiro, então Distrito Federal. Advogado formado na Faculdade de Direito de Porto Alegre (RS), em 1907, se elegeu Deputado estadual pelo Partido Republicano Rio-Grandense (1909-1912 e 1917-1921); deputado federal pela mesma legenda.
Líder da bancada gaúcha (1923-1926), o futuro presidente da República foi ainda ministro da Fazenda (1926-1927); presidente do Rio Grande do Sul (1928-1930); candidato à presidência da República pela Aliança Liberal (1930); chefe da Revolução de 1930; chefe do governo provisório (1930-1934); presidente da República eleito pela Assembléia Nacional Constituinte (1934-1937).
Para manter o crescimento econômico e reduzir a importação de insumos básicos (aço, petróleo, produtos químicos), Getúlio concentrou, através do Estado, os recursos e os esforços necessários para criar a siderurgia nacional - CSN -, a indústria petrolífera - Petrobrás - a indústria química - Companhia Nacional de Alcalis -, e projetou a Eletrobrás.
Nacionalista, deu extraordinário impulso à indústria de máquinas e equipamentos, com a Fábrica Nacional de Motores; fundou a Companhia do Vale do Rio Doce para colocar os recursos minerais, antes explorados e exportados, a serviço do povo e do desenvolvimento brasileiros.
Getúlio Vargas fundou o Estado Nacional brasileiro. Até então, o Estado no Brasil, estivera a serviço dos bancos ingleses e de uma pequena oligarquia submissa ao colonialismo. Estancou a saída de recursos para o exterior, a título de pagamento de dívida externa e dirigiu os recursos para o desenvolvimento.
Chefe do governo durante o Estado Novo (1937-1945), Vargas fundou o Partido Trabalhista Brasileiro - PTB (1945) e foi senador à Assembléia Nacional Constituinte de 1946 pelo Partido Social Democrático - PSD-RS. Seria ainda senador pela mesma legenda (1946-1949) e eleito presidente da República pelo PTB (1951-1954). Teve seus discursos publicados nos livros “A nova política do Brasil”, em 11 volumes (1938-1947), e “O governo trabalhista do Brasil”, em quatro volumes (1952-1969).
Ele chegou à presidência do Brasil em 1934; em 1945, renunciou ao cargo por causa de forte pressão de setores militares. Mas em 1950, o povo o elegeu novamente Presidente; governou com minoria no Congresso e sob pressão da Imprensa e UDN, que denunciavam corrupção praticada por assessores de Vargas. O governo começa a se desestabilizar e Vargas não mantém o controle. Temendo um golpe militar de resultados imprevisíveis, chega ao suicídio, com um tiro no coração, no Palácio do Catete, Rio de Janeiro, às 2h30min do dia 24 de agosto de 1954.
Seu corpo foi velado no Palácio do Catete durante um dia e uma noite e milhares de pessoas foram ao local para o último adeus ao estadista. No dia 25, foi trazido para São Borja de avião, sendo velado por mais um dia e uma noite na Prefeitura Municipal. Para o enterro no Cemitério Jardim da Paz formou-se um cortejo de aproximadamente 40 mil pessoas vindas das mais diversas localidades do Brasil e de outros países.
O túmulo de Vargas é um dos locais da cidade mais visitados por turistas, e a todos os anos, em duas datas, há atos públicos e homenagens à memória do ex-Presidente: 19 de abril, data de nascimento, e 24 de agosto, aniversário de morte. Lei Municipal determina a realização de Sessão Solene na Câmara de Vereadores de São Borja nessas duas datas.
Há 45 anos, o presidente Getúlio Vargas, líder da Revolução de 30, pai da Nação Brasileira e um dos maiores estadistas de nosso século, derrota, com o sacrifício da própria vida, o golpe tramado contra o país pelo imperialismo e seus súditos internos. Deixa em seu leito de morte a Carta Testamento.
No dia 24 de agosto de 1954, mais de 3 milhões de pessoas ocupam as ruas em todo o país, na maior manifestação popular da nossa história, paralisando os golpistas. "Se as aves de rapina querem o sangue de alguém, querem continuar sugando o povo brasileiro, eu ofereço em holocausto a minha vida!", afirma Vargas no seu último manifesto.
Fundador do Estado Nacional Brasileiro e iniciou um processo de desenvolvimento que levou o Brasil a categoria de país capitalista de maior crescimento durante quase 60 anos. O Brasil era apenas um fornecedor de produtos agrícolas - principalmente o café - e um mercado cativo dos produtos industriais ingleses, importados a preços de monopólio.
Diante dos preços baixos pagos pelo café, a oligarquia cafeeira, para garantir lucros, usava o governo que dominava para empréstimos nos bancos ingleses e assim comprar a safra - os estoques de café chegaram a 10% do Produto Nacional Bruto, enquanto o país se endividava e os empréstimos eram pagos pelo trabalho da população. A indústria era bloqueada, o povo, desempregado, vegetava na miséria e na fome; cada província era um feudo do poder da oligarquia cafeeira mantido pela fraude eleitoral e pela violência.
Foi contra essa situação que, com a participação decisiva dos oficiais revolucionários que anos antes tinham formado a Coluna Prestes, formou-se a Aliança Liberal com a chapa Getúlio-João Pessoa. Mas a eleição foi fraudada mais uma vez e João Pessoa assassinado. E então a revolução começou, em três de outubro de 1930. O governo da oligarquia servil aos ingleses foi derrubado em 26 dias.
Getúlio Vargas, comandante da revolução, foi de Porto Alegre ao Rio de Janeiro em meio ao levante e à aclamação popular. Em todo o Brasil, o povo se ergueu e ocupou as ruas para garantir e saudar a revolução. Começava uma nova era no país, durante a qual os brasileiros foram unidos para construir a nação que idealizava: independente, soberana, com uma poderosa base industrial, com orgulho de suas riquezas.
Seguiu-se um processo de desenvolvimento que levou o Brasil a ser o país capitalista de maior crescimento durante quase 50 anos. Formou-se uma numerosa classe trabalhadora, que conquistou direitos como o salário mínimo à altura de suas necessidades, a jornada de trabalho de oito horas, as férias e o descanso semanal remunerado, a aposentadoria, a licença-maternidade.
A política de Getúlio e da Revolução de 30 impulsionou a maior expansão econômica que o Brasil já teve. A empresa privada nacional foi multiplicada e fortalecida, com um forte empresariado empreendedor. Os empregos aumentaram e o poder aquisitivo dos trabalhadores foi garantido pelo salário, criando com isso um mercado interno para a indústria nacional. Inúmeras empresas foram fundadas nessa época.
Até então, todos os recursos do país eram drenados para sustentar artificialmente os preços do café no mercado internacional, para importar produtos industrializados e para pagar uma imensa dívida externa. O resultado era o atraso e a miséria.
No fim de 1929, estourou a crise e a depressão mundial. Getúlio assume a Presidência com as reservas financeiras do país reduzidas a zero. Baseou sua política de construção do país na empresa nacional e no mercado interno, ao mesmo tempo em que incentiva a exportação de nossos produtos. Suspendeu as transferências aos bancos estrangeiros e dirigiu, através do confisco cambial, uma parte da renda da exportação do café para a industrialização.
Em 1931, a incipiente indústria de bens de capital - ferro, cimento e aço, algumas máquinas e equipamentos - começa a crescer; em 1932, sua produção é de 60% superior a de 1929; em 1935, o investimento líquido nesse setor, apesar das importações terem caído no mesmo período, ultrapassa a do ano anterior.
Entre 1929 e 1937, a produção industrial cresceu 50% e a produção agrícola para o mercado interno cresceu 40%. A renda nacional, apesar da depressão mundial, aumentou entre os mesmos anos, 20%, enquanto a renda per capita cresceu 7%. Era o começo de um crescimento que nos 40 anos seguintes foi o maior entre todos os países capitalistas.
Através do confisco cambial, canalizou parte da renda das exportações de café para a industrialização. Era o Estado brasileiro a serviço do Brasil e dos brasileiros, mudanças que se também foram implantadas em outras áreas: acabou com o voto a bico de pena, instituiu o direito ao voto às mulheres e o sufrágio universal secreto; revolucionou a administração instituindo o concurso público e a capacitação dos servidores para melhor atender ao povo.
Com esse turbilhão de mudanças, Getúlio venceu duas vezes a contra-revolução: em 1932 e 1937. E em 24 de agosto de 1954, novamente derrota mais uma vez o inimigo, oferecendo a própria vida em sacrifício. Getúlio integrou o país e levou essa unidade nacional a outro sólido patamar. Até então, as forças de cada oligarquia em cada Estado tinham mais poder de fogo do que o próprio Exército. Getúlio mudou o quadro e para a garantia das fronteiras nacionais, fortaleceu e reequipou o Exército, a Marinha, e criou a Aeronáutica.
Com a Rádio Nacional transmitindo para todo o país, a diversidade da cultura popular e da própria língua não era mais barreira para a unidade brasileira, embora as peculiaridades regionais tenham sido preservadas. A literatura e as artes foram preenchidas por um conteúdo nacional e popular. Pela primeira vez o país teve um sistema escolar público, gratuito, universal. Tanto o ensino básico obrigatório quanto às universidades federais foram criados por Getúlio.
Igualmente o sistema nacional de saúde pública foi construído nesse período. O controle de endemias e epidemias foi estendido a todo o território nacional; ergueram-se hospitais e o atendimento às necessidades da população era uma prática comum. A ciência e a tecnologia foram incentivadas e várias descobertas brasileiras tornaram-se patrimônio da Humanidade. Getúlio sabia muito bem o que estava fazendo e enfrentando, como deixou escrito na Carta Testamento:
...Depois de decênios de domínio e espoliação dos grupos econômicos e financeiros internacionais, fiz-me chefe de uma revolução e venci. Iniciei o trabalho de libertação e instaurei o regime de liberdade social. tive de renunciar. Voltei ao governo nos braços do povo. A campanha subterrânea dos grupos internacionais aliou-se à dos grupos nacionais revoltados contra o regime de garantia do trabalho.
A lei de lucros extraordinários foi detida no Congresso. Contra a Justiça da revisão do salário mínimo se desencadearam ódios. Quis criar a liberdade nacional na potencialização das nossas riquezas através da Petrobrás e, mal começa esta a funcionar, a onda de agitação se avoluma. A Eletrobrás foi obstaculada até o desespero. Não querem que o trabalhador seja livre. Não querem que o povo seja independente...
Movimento sindical se organiza
"O sindicato é a vossa arma de luta, a vossa fortaleza", afirmou Getúlio Vargas, aos trabalhadores brasileiros, no dia 1º de Maio de 1951. Ele criou no Brasil as bases da organização sindical, fortalecendo os sindicatos por categoria e incentivando a mobilização popular como um dos alicerces do seu governo.
Desde o início do governo da Revolução de 30, Getúlio Vargas empreendeu uma longa jornada para criar as bases da organização sindical no Brasil. Criou as Confederações, Federações e Sindicatos, instituiu a unicidade sindical para garantir a unidade dos trabalhadores e o imposto sindical, que estruturaria as entidades e permitiria a construção material da organização trabalhista.
Para Getúlio, a organização dos trabalhadores era uma necessidade vital para o andamento do seu governo e a construção de um Brasil soberano. Em discurso para milhares de trabalhadores nas comemorações de 1º de maio de 1951, Getúlio Vargas declarou:
“Preciso de vós, trabalhadores do Brasil, meus amigos, meus companheiros de uma longa jornada; preciso de vós, tanto quanto precisais de mim. Preciso da vossa união; preciso que vos organizeis solidariamente em sindicatos; preciso que formeis um bloco forte e coeso que possa dispor de toda a força de que necessita para resolver os vossos próprios problemas. Preciso de vossa união para lutar contra os sabotadores para que eu não fique prisioneiro dos interesses dos especuladores e dos gananciosos, em prejuízo dos interesses do povo”.
“Preciso do vosso apoio coletivo, estratificado e consolidado na organização dos sindicatos, para que meus propósitos não se esterilizem e a sinceridade com que me empenho em resolver os nossos problemas não seja colhida de surpresa e desarmada pela onda reacionária dos interesses egoístas, que, de todos os lados, tentam impedir a livre ação de meu governo.
Chegou, por isso mesmo, a hora de o governo apelar para os trabalhadores e dizer-lhes: uni-vos todos nos vossos sindicatos, como forças livres e organizadas. As autoridades não poderão cercear a vossa liberdade nem usar de pressão ou coação. O sindicato é a vossa arma de luta, a vossa fortaleza defensiva, o vosso instrumento de ação política.
“Na hora presente, nenhum governo poderá subsistir, ou dispor de força eficiente para as suas realizações sociais, se não contar com o apoio das organizações, sindicatos ou cooperativas, que as classes mais numerosas da nação podem influir nos governos, orientar a administração pública na defesa dos interesses populares".
Os direitos trabalhistas são garantidos
Na construção da Nação brasileira, Getúlio implantou uma ampla política de desenvolvimento e expansão industrial, formando, com isso, uma numerosa classe trabalhadora. Nesse contexto, os trabalhadores brasileiros ganharam de Getúlio um dos mais avançados conjunto de direitos sociais e trabalhistas, como o salário mínimo, a jornada de trabalho de oito horas, férias e descanso remunerados, aposentadoria, trabalho regular e estabilidade no emprego; instituiu a carteira profissional de trabalho como um documento histórico.
Getúlio promulgou a Lei da Sindicalização, que consagrou o princípio da unicidade sindical; criou a Justiça do Trabalho e a Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) e o Ministério do Trabalho. Até então, os trabalhadores não tinham direitos e o tratamento que recebiam dependia da vontade dos patrões, a maioria estrangeiros que dominavam as áreas de serviços urbanos.
Outra medida relevante adotada por Getúlio foi estender os benefícios da legislação trabalhista ao trabalhador rural, no que diz respeito à assistência médico-social, moradia e educação dos filhos, salário mínimo, direito à indenização e estabilidade no emprego.
Em seu discurso de 1º de Maio de 1951, o estadista afirmou: "É justo que o trabalhador tenha um salário razoável, adequado ao seu padrão de vida e que dê para sustentar sua família, educar os filhos, pagar a casa e tratar-se nas doenças, sem precisar de favores nem da caridade pública.
“É justo que a lei lhe faculte os meios de atingir esses objetivos e que o Estado defenda e garanta a execução de um programa dessa natureza. A esse programa, que se iniciou no Brasil com a legislação trabalhista elaborada pelo meu governo, tenho dedicado toda a minha vida pública".
Era o primeiro ano do seu segundo mandato, e Getúlio conclamou os trabalhadores a cerrar fileiras junto com o governo para derrotar "os especuladores e sabotadores" da Nação. As Forças Armadas são aparelhadas.
O Exército e a Marinha brasileiros foram reequipados, a Aeronáutica foi criada e os pracinhas brasileiros fizeram história na Itália, durante a II Grande Guerra. Tudo isso em plena Era Vargas.
Getúlio não descuidou da segurança do Estado Nacional. As Forças Armadas foram fortalecidas por ele, reequipadas e colocadas à altura do momento de grandeza do país, depois de terem sido enfraquecidas em prol das tropas regionais. Assim, durante a guerra contra os nazistas, os pracinhas da Força Expedicionária Brasileira puderam heroicamente ir lutar na Itália; a Marinha protegeu os comboios de navios no litoral brasileiro e a aviação também contribuiu para a vitória dos aliados. O Brasil foi o único país da América Latina a entrar na guerra contra o Eixo.
Em 11 junho de 1940, por ocasião das comemorações pela Batalha do Riachuelo, Getúlio Vargas discursou no "Minas Gerais", defendendo o caminho do desenvolvimento independente para o país e combateu o "desânimo infundado das cassandras agourentas" que não acreditavam na capacidade do país se afirmar de forma autocentrada, no momento em que os impérios europeus desmoronavam em meio à destruição da II Guerra.
Colocou na ordem do dia "o aparelhamento completo das nossas forças armadas", ressaltando "ser uma necessidade que a Nação inteira compreenda e aplauda. Nenhum sacrifício será excessivo para tão alta e patriótica finalidade", determinou.
Após advertir que "atravessamos, nós, a Humanidade inteira transpõe, um momento histórico de graves repercussões, resultante de rápida e violenta mutação de valores", o estadista destacou a base material para que a defesa nacional pudesse ser efetiva: a industrialização, com o Estado assumindo "a obrigação de organizar as forças produtoras, para dar ao povo tudo quanto seja necessário ao seu engrandecimento como coletividade".
A superação do sucateamento das Forças Armadas foi anunciada pelo estadista nesse histórico discurso. "O labor atual da Marinha, depois de uma fase de tristeza e estagnação, é o melhor exemplo do que pode a vontade, do que realiza a fé no próprio destino", afirmou.
"O ruído das suas oficinas, onde se forjam os instrumentos da nossa defesa - navios que sulcam rios e oceanos, ou aviões que sobrevoam o litoral -, enche de contentamento os espíritos voltados ao amor da Pátria. As pequenas unidades já construídas sucederão outras, maiores e mais numerosas, e os monitores e caça-minas de hoje terão irmãos mais fortes nos torpedeiros e cruzadores de futuro próximo", anunciou Getúlio Vargas. E assim foi.
O Brasil na Guerra
Em janeiro de 1942, após um complexo processo para unir todas as forças vivas da Nação no combate ao nazi-facismo e dotar as forças armadas brasileiras, o presidente Getúlio Vargas rompeu relações com os países do Eixo.
Em 31 de agosto, após o afundamento de navios da marinha mercante brasileira por submarinos nazistas, o presidente decretou guerra ao Eixo, atendendo ao clamor do povo, e determinou o envio dos pracinhas brasileiros para a Itália. Em 1940, no discurso do "Minas Gerais", Getúlio havia anunciado o aparelhamento completo da FFAA como uma necessidade imperiosa para a Nação, face à II Guerra. Durante as negociações com o governo Roosevelt, o estadista manteve postura soberana, como registra no "Diário":
"Dia 19 - Recebi o sr. Summer Welles. Em resumo, disse-lhe que não me queria valer das circunstâncias para pedir vantagens, mas para pensar bem as minhas responsabilidades e não arriscar meu país sem garantias de segurança. E a principal destas era a entrega do material bélico, que até agora o governo americano protelara. Deu-me as mais completas garantias. Entreguei-lhe, conforme pedira, a lista completa de nossos pedidos".
"Dia 27 - Reunião do Ministério. Fiz uma exposição da situação criada pelos acontecimentos, do instante apelo que o governo americano fazia ao Brasil, das conveniências em atendê-lo, das desvantagens de qualquer procrastinação e das conseqüências que poderia ter uma atitude negativa. "Depois das justificativas de outros ministros, tomei novamente a palavra para apreciar o resultado dessa demonstração e terminar autorizando o ministro do Exterior a declarar o rompimento na sessão de encerramento da Conferência".
Voto universal e secreto: fim do "cabresto"
Até a Revolução de 30, o eleitor recebia o envelope lacrado com a cédula já previamente marcada e só ele não sabia em quem havia "votado". Getúlio Vargas aboliu essa fraude eleitoral do voto de cabresto que sustentava o regime político, instituindo o voto secreto e universal. Com isso, as mulheres brasileiras passaram a votar e ser votadas.
Também no direito de votar e ser votado, Getúlio buscou a unidade nacional, retirando o Brasil da idade média política que até então vivia, sendo o voto secreto apenas para o eleitor. Este recebia das mãos do "coronel", do "chefe político" ou do cabo eleitoral a cédula dentro de um envelope, já devidamente lacrado e sacramentado.
Em histórico discurso a bordo do encouraçado Minas Gerais, Getúlio Vargas afirmou que o caminho da "democracia econômica, em que o poder emanado diretamente do povo e instituído para defesa do seu interesse, organiza o trabalho, incorporando toda a Nação nos mesmos deveres e oferecendo justiça social e oportunidades".
E na Carta Testamento, o alerta:
"Quando vos humilharem, sentireis minha alma sofrendo ao vosso lado. Quando vos vilipendiarem sentireis no pensamento a força para a reação. Meu nome será vossa bandeira de luta. Cada gota de meu sangue será uma chama imortal na vossa consciência e manterá a vibração sagrada para a resistência. Ao ódio respondo com o perdão. E aos que pensam que me derrotam respondo com minha vitória. Era escravo do povo e hoje me liberto para a vida eterna. Mas esse povo de quem fui escravo não mais será escravo de ninguém. Meu sacrifício ficará para sempre em sua alma e meu sangue será o preço do seu resgate".
Mulher é cidadã
Podendo votar e ser votada, mulher brasileira passou a ser reconhecida como cidadã, integrada ao processo político, econômico, social e cultural do país. O direito ao voto às mulheres foi instituído pelo novo Código Eleitoral, promulgado por Getúlio através do decreto 21.076. Em 1933, pela primeira vez, as mulheres votaram e foram votadas para a Assembléia Nacional Constituinte. Entre os 214 deputados eleitos, uma única mulher: Carlota Queiroz.
Em 17 de maio de 1932, Getúlio regulamentou o trabalho feminino. As mulheres passaram a ter acesso ao mercado de trabalho em igualdade com os homens. Foi estabelecido o princípio de salário igual para trabalho igual, a jornada de trabalho de oito horas e a licença-maternidade de dois meses. Getúlio proporcionou às mulheres o acesso a diversos setores da sociedade e rompeu com uma série de preconceitos, como o ingresso no ensino básico e universitário e cargos públicos através de concursos.
O estadista foi o maior defensor do feminismo no Brasil, como comprova o seguinte episódio em que tomou parte a filha, Alzira Vargas: quando Alzira levou à presença de seu pai uma jovem que pleiteava ingresso em cargo público, até então reservado só para homens, sem a menor surpresa, ouviu de Getúlio: "A mulher de hoje precisa falar inglês, saber datilografia e guiar automóvel. A senhora já sabe?"
Darcy Vargas é exemplo para as brasileiras
Darcy Saramanho Vargas casou-se com Getúlio aos 15 anos de idade, numa época em que as mulheres eram criadas para o casamento e não sabiam nem ler nem escrever. Com cinco filhos para criar, no início do casamento, suas atividades eram basicamente caseiras.
Antes da Revolução de 30, Darcy já havia demonstrado seu compromisso com o Brasil. Criou em Porto Alegre a Legião da Caridade, na qual todo o pessoal que queria se integrar à revolução recebia apoio. Na condição de Primeira-Dama do país, e diante das grandes mudanças que Getúlio promoveu em prol da mulher, Darcy Vargas tornou-se um exemplo e uma referência para as mulheres brasileiras. Depois da Revolução de 30, trabalhou no Abrigo Cristo Redentor e fundou entidades como a Casa do Pequeno Jornaleiro e a Legião Brasileira de Assistência (LBA).
O povo canta com Villa-Lobos na unidade nacional
"O movimento de 1930 traçava novas diretrizes políticas e culturais, apontando ao Brasil rumos decisivos, de acordo com o seu processo lógico de evolução história: Cheio de fé na força poderosa da música, senti que era chegado o momento de realizar uma alta e nobre missão educadora dentro da minha pátria. Senti que era preciso dirigir o pensamento às crianças e ao povo e resolvi iniciar uma campanha pelo ensino popular da música no Brasil, crente de que o canto orfeônico é uma fonte de energia cívica vitalizadora e um poderoso fator educacional".
Heitor Villa-Lobos
No governo de Getúlio Vargas, em 1930, foi criado o Ministério da Educação e Heitor Villa-Lobos, considerado o maior gênio da música brasileira, foi chamado a dar sua contribuição e colocar em prática um dos seus maiores sonhos, o de promover a educação artística aos jovens e levar ao povo os grandes Concertos Musicais.
"Quando procurei formar a minha cultura, guiada pelo meu instinto e tirocínio, verifiquei que só poderia chegar a uma conclusão de saber consciente, pesquisando, estudando obras que, à primeira vista, nada tinham de musicais. Assim, o primeiro livro foi o mapa do Brasil, o Brasil que eu palmilhei, cidade por cidade, Estado por Estado, floresta por floresta, perscrutando a lama de uma terra. Depois o caráter dos homens dessa terra. Depois as maravilhas naturais dessa terra", afirmava Villa-Lobos. Era o nacionalismo também na arte.
Em 1932, Villa-Lobos foi nomeado Superintendente de Educação Musical e Artística do então Distrito Federal e, em 1942, Diretor do Conservatório Nacional de Canto Orfeônico, do Ministério de Educação e Cultura. Nesse período, realizou enormes concentrações orfeônicas, numa das quais com a participação de 42 mil vozes de estudantes. Em outra, em São Paulo, a que Villa-Lobos denominou de Exortação Cívica, tomaram parte aproximadamente 12 mil vozes.
Entre os anos 30 e 40, realizou novas concentrações orfeônicas nos estádios dos clubes Vasco da Gama e Fluminense, no Rio de Janeiro. Numa delas, sob a regência de Villa-Lobos, Sílvio Caldas cantou o "Gondoleiro do Amor", de Castro Alves, acompanhado por 30 mil vozes.
"O Brasil levou muito tempo, meus amigos, muitos anos a imitar, a maquetear, a papaguear, mas, graças a Deus, encontrou o reflexo da realidade de uma grande raça, de uma grande Nação, e verificou que nunca poderiam ser eles mesmos, se não fizessem a sua maneira, não imitando ninguém.." afirmou o compositor.
Getúlio finalizou a Carta Testamento com a seguinte profecia:
Lutei contra a espoliação do Brasil. Lutei contra a espoliação do povo. Tenho lutado de peito aberto. O ódio, as infâmias, a calúnia não abateram meu ânimo. Eu vos dei a minha vida. Agora vos ofereço a minha morte, nada receio. “Serenamente, dou o primeiro passo no caminho da eternidade e saio da vida para entrar na História”.


VI

O PETRÓLEO NA HISTÓRIA



Conhecido há seis mil anos, já mencionado no Antigo Testamento, quando os árabes o utilizavam para fins bélicos e de iluminação, o petróleo era usado quatro mil anos a.C. na Mesopotâmia, Egito, Pérsia e Judéia como betume para pavimentação de vias, calafetação em grandes construções, aquecimento e iluminação, lubrificação e até como laxante. Mas é a Primeira Guerra Mundial que mostra sua importância estratégica em aviões, carros e navios, arma de guerra.

Calcula-se que existam um trilhão de barris (barril = 159 litros) e que metade disso já foi retirado, com a produção mundial anual de 25 bilhões de barris, um bilhãos para os depósitos – com produção de 13% dos EU, 6% da Europa ocidental, 27% Golfo Pérsico e 19% os demais. Cerca de 67% das reservas estão no Oriente Médio, no total de cerca de 137 bilhões de toneladas.


Durante os séculos XVI e XIX o verdadeiro motor das expansões marítimas e das atividades econômicas era a busca do ouro. Reis, navegantes, soldados, e mercadores uniram-se para procurá-lo em qualquer parte do mundo. Os portugueses tentaram no litoral da África Ocidental e depois no Brasil (os grandes veios só foram encontrados no século XVIII, nas Minas Gerais), os espanhóis lançaram-se sobre o México e esvaziaram o ouro e a prata dos astecas.
O mesmo fizeram com os incas no Peru. Os americanos só o encontraram depois de 1848, na Califórnia, que recém haviam conquistado do México. Os ingleses toparam com os primeiros veios na Austrália no século XVIII e depois na África do Sul, na região dos Transvaal, na década de 1880.Mas a partir de 1859 um novo produto vai atiçar a cobiça humana. Visitando a Pensilvânia, George Bissel encontra petróleo. A partir de então começa a grande corrida atrás do ouro negro. Em princípio extrai-se apenas o querosene para a iluminação, mas com advento da indústria automobilística (Ford fabrica o primeiro modelo em 1896) e do avião (os irmãos Wright voam em 1903), somado à sua utilização nas guerras, tornou-se o principal produto estratégico do mundo moderno.
As maiores 100 empresas do nosso século estão ligadas ao automóvel ou ao petróleo. E os nomes de John Rockeffeler (fundou a Standar Oil em 1870), Paul Getty, Leopold Hammer, Alfred Nobel, Nubar Gulbenkian e Henry Ford tornaram-se mundialmente conhecidos por estarem associados ao petróleo ou ao automóvel.

O petróleo de Baku, no Azerbaijão, já era produzido em escala comercial nos tempos em que lá esteve Marco Pólo, quando este viajou para o norte da Pérsia em 1271. Mas a moderna indústria petrolífera data do século XIX, com James Yong na Escócia em 1850 e Edwin Drake, que perfurou o primeiro poço na Pensilvânia, marco da moderna indústria petrolífera.

Em 1859, com a descoberta de George Bissel (que já pesquisava desde 1853) em Titusville, na Pensilvânia – no poço aberto pelo Coronel Edwin Drake-, os Estados Unidos produziam dois mil barrís de petróleo. E em ritmo febril, quatro anos depois produziam três milhões, dez milhões onze anos depois, 1874. Em 1870 John Rockfeller cria a Standard Oil, que se torna monopolista em 1882. Os Rotschild entram no ramo do petróleo em 1885, na Rússia e a empresa Royal Dutch encontra petróleo na Sumatra.

Em 1892 Marcus Samuel envia o navio Murex pelo Canal de Suez, marcando o começo da Shell, que se junará com a Dutch em 1907. Jorra o petróleo na Pérsia e nasce a Anglo-Persian Oil Company. Em 1911, a Corte Suprema dos Estados Unidos ordena a dissolução da Standard Oil e em 1914 o governo britânico compra ba metade das ações da Anglo-Persian Oil Company. Em 1922 quem entra no mercado é a Venezuela, em 1928 a França faz sua lei do petróleo.

Em 1932, a reação do terceiro mundo colonizado por empresas americanas e inglesas de petróleo explode no Irã, com a cassação dos direitos pelo Xá Reza Pahlevi. A Standard Oil vai explorar o subsolo da Arábia Saudita em 1933, em 1934 a Gulf e a Anglo Iranian ganham a concessão para explorar o petróleo no Kuwait, que junto com a Arábia Saudita tem seu petróleo descoberto em 1938. Em 1943 a Venezuela faz o primeiro contrato com domínio de metade do petróleo para o governo e em 1947 começa o oleoduto que levará o petróleo da Arábia Saudita.

Em 1896 nasce a indústria automobilística com Ford, na senha do petróleo. O primeiro evento do Terceiro Mundo foi no Irã, com a descoberta de poços de petróleo em 1908. A partir do Irã toda a região do Golfo Pérsico começou a ser explorada, em concessões feitas pelo Xá e por chefes tribais árabes a companhias estrangeiras.

Essas empresas eram particularmente inglesas, como a Anglo-Iranian e americanas como a Texaco, a Móbil Oil, a Esso e a Standard Oil, colonizando politicamente estes países em função dos lucros do petróleo que levavam.

O México foi o primeiro país a reverter esta situação, seguido por muitos outros países. Era e é uma atividade tão estratégica essa de gerir os negócios do petróleo que várias nações ainda que não produtores criaram suas empresas do ramo nesse nosso período, como a França (1924) e Alemanha (1935), além da Itália (1953).

Com sua produção controlada desde os anos vinte por duas empresas estrangeiras, O México foi em 1913 o segundo maior produtor mundial, com o maior poço do mundo e petróleo de excelente qualidade. Mas a Revolução Mexicana nacionalizou o petróleo e fez como a Bolívia hoje, transformou as empresas em concessionárias.

Em 1951 a primeira crise do imperialismo, com a nacionalização de Mosadegh da British Petroleum. Mas ele seria derrubado em 1953 pela CIA e pelo Serviço Secreto Inglês. Embora derrotada, esta experiência foi a partida para que se impusessem relações mais justas ou nem tanto na questão do petróleo, na base de meio a meio.

VII


A “INTENTONA” COMUNISTA DE 1935

Todo este processo de luta popular tem uma raiz histórica que passa pela derrota em 1935. Um movimento que para crucificar seu significado foi batizado de “Intentona Comunista” pelos setores dominantes da direita, “intentona” que em espanhol significa “instinto louco” ou “plano insensato”. mas a Revolução de 35 no Brasil, da Aliança Nacional Libertadora – ANL – foi, na verdade, muito mais do que isso.
A Revolução de 35 foi uma Frente Popular para combater o nazi-fascismo e fazer a revolução socialista, humanizando uma sociedade cruel e desigual, o primeiro e maior movimento popular de caráter nacional no Brasil. A palavra revolução tem hoje o sentido contrário de seu significado etimológico latino, em que “revolutio” se traduz como retorno ou volta. Mas revolução é futuro.
Segundo Emannuel Kant, a revolução é uma força necessária no processo evolutivo da humanidade, desde que seja real e transformadora das estruturas sociais. É o passo decisivo embora doloroso, escreve Kant, para construção da nova sociedade em bases éticas superiores. É a ruptura da ordem social vigente e suas condutas consideradas normais no modo de pensar, crer e agir. A ANL foi a primeira organização política nacional das classes populares em mais de quatro séculos, escreveu Ronald H. Chilcote na Universidade da Califórnia em 1974, no livro “The Brazilian Communist Party – 1922/1972”.
Criada na onda das frentes populares européias, a Revolução de 35 recebeu apoios do rio grande do norte e Pernambuco e reagia contra um Brasil oligárquico e cruel com as maiorias. Era liderada pelo Partido Comunista Brasileiro, então “do Brasil”, cujo diferencial da história da esquerda no país era a prática da organização sem o empirismo da agitação política sem alvo objetivo, procurando superar as lutas anarquistas.
Esta é uma história que os livros oficiais ou não contam ou deturpam drasticamente, sem revelar a barbárie da repressão sanguinária que se seguiram contra os que queriam evoluir a sociedade dos seus antigos marcos herdados.
Durante toda a idade média, pensamento que herdamos, considerou-se justa a desigualdade em favor da nobreza e do clero, o que se modifica com as revoluções inglesas de 1640 e francesa, 1789 – abrindo as portas para a transformação mundial que 1935 ousou.
1935, A REVOLUÇÃO QUE O BRASIL PERDEU
Há 71 anos, registrados em 27 de novembro de 2006, o Brasil perdia sua oportunidade de crescer com igualdade, captando o sonho da solidariedade social em um dos maiores países do mundo com uma Frente Popular. Seu Presidente de Honra era Luiz Carlos Prestes, antigo líder da Coluna Tenentista que percorreu o Brasil de 1925 a 1927 sem uma única derrota, na defesa de reformas sociais que beneficiassem as maiorias.
Então com 38 anos, nascido em 3/1/1898, engenheiro pela Escola Militar do Rio de Janeiro em 1919, Prestes era Capitão-engenheiro em Santo Ângelo, RGS, no quartel que rebela. E se junta com Miguel Costa na famosa Coluna, em 1925. È em 1927 seu contato com Astrogildo Pereira, ex-anarquista fundador do PCB em 22, que o traz para a causa comunista.
Em 1929 Prestes é convidado pelo PCB para disputar a Presidência da República, não conseguindo um consenso entre os tenentes da Coluna. E deixa eleger Julio Prestes, da oligarquia paulista. Convidado por Vargas para a direção militar da Revolução de 1930, manifesta sua recusa através de um manifesto em abril.
Vitorioso o movimento de 1930, é preso em Buenos Aires. Quando sai da cadeia se filia ao PC. Convidado novamente por Vargas, outra vez recusa, compreendendo a necessidade da Revolução Popular para o Brasil. E vai para a União Soviética em 1931, com a família.
A história da Revolução de 35 começa no 3º Congresso do então PC do B, como foi fundado, que organizou a “Antimil” dentro dos quartéis, uma ordem secreta dos comunistas, a quem caberia o principal na organização do levante. A legalidade do PCB durou apenas três meses e dez dias depois da fundação em março de 1922, logo depois do que tinha cinco mil militantes.
O PCB comandava a Frente, embora fosse minoritária dentro dela. Seu crescimento sempre incomodou as classes dominantes, tornando-se uma das principais forças eleitorais em vários momentos de nossa história - fazendo com que se aniquilassem fisicamente seus membros, presos, torturados e assassinados, sempre.
A derrota da Revolução de 1935 impediu o país de se equalizar e avançar - preservando a injustiça social e as mazelas herdadas da colonização por países aonde as luzes da Revolução Francesa não chegaram. A missão decidida pela Internacional Socialista era fazer revoluções em todo o mundo para salvar do fascismo e romper o bloqueio econômico e político à União Soviética. E foi o que se fez aqui, embora estratégica e temporalmente errado.
Fundada em março de 1935 e presidida por Hercolino Cascardo, a ANL indica Prestes para a presidência de honra (pela voz de ninguém menos do que o filho do deputado socialista Mauricio de Lacerda, de nome Carlos Lacerda), nas cerimônias de lançamento em 30 de março desse ano.
Em 29 de junho, a ANL recebe a adesão dos anarquistas em SP e é fechada pelo Governo em 12 de julho, após defender a derrubada de Vargas em 11 desse mês – quando foram distribuídos 150 mil exemplares do jornal aliancista “A Platéia” com o manifesto desafiador.
O fechamento da ALN em julho pelo Governo serviu para a proposta do levante dos quartéis. Segundo Noé Gertel, presidente da Juventude Comunista Paulista, a ANL tinha duzentos mil militantes no país e forte apoio na classe média, integrada por expressivas lideranças nacionais, infiltrando-se nos quartéis e fundando entidades de atuação social, publicando jornais e fazendo eventos massivos.
Em setembro, Prestes passava a fazer parte da executiva da Internacional Socialista, junto com os principais líderes mundiais, de Stálin a Mao e Dolores Ibarri. A revolta explodiu primeiro em Natal, RGN, a 23 de novembro e a 24 e em Recife, PE, 27 no RJ, sendo derrotada em quatro dias e iniciando uma desproporcional caçada humana no país, tendo Prestes sido encarcerado por nove anos. Só em 1958 um mandato judicial interrompeu seu mandado de prisão preventiva.
A ANL projetava a construção de um futuro comum e comunista, majoritário, das maiorias, dirigido por um acordo coletivo e em prol de todos os seus membros, não apenas de alguns, como hoje.
Combatida pelos fascistas da Associação Integralista Brasileira, a ABI de Plínio Salgado – os “Camisas (galinhas, chamavam) Verdes”, com batalhas nas ruas -, a Revolução de 35 era um resultado de uma trajetória que começa nas revoluções de 22 e 24, a revolução paulista de Isidoro, que fez nascer a Coluna Prestes-Miguel Costa em 25) e a Revolução da Aliança Liberal dos tenentes de 30 – visando superar o atraso social.
Até 1930 o Brasil foi governado por uma oligarquia agro-comercial, as elites rurais do nordeste e os barões paulistas do café, mais os exportadores. A crise capitalista de 1929 nos EU moveu a Revolução tenentista de 30, quando Vargas institui o compromisso inter-classes dirigentes de fazendeiros a banqueiros e industriais para “segurar” o país das agitações anarquistas que cresciam desde fins do século XIX.
A Revolução de 35 significou um novo momento de aglutinação das forças reformadoras e progressistas. Ele nos remeteria ao acirramento da repressão e ao Estado Novo de 1937, que obedece à lógica fascista mundial em desenvolvimento na época na Itália e na Alemanha, instituindo-se então um governo forte que ameaça alinhar-se a Alemanha, só não o fazendo pela pressão dos comunistas nas ruas.
Os 400 sindicatos livres que apoiaram a Revolução eram os que não haviam se convertido ao sindicalismo oficial e controlado imposto a partir de 1931. Seriam fechados em 1946 e vinham junto com ex-tenentes reformistas, liberais excluídos do processo político, comunistas, socialistas, anarquistas – e chegava propondo reformas sociais, econômicas e políticas de que o Brasil carece até hoje: aumento de salários, nacionalização das empresas, proteção da pequena propriedade, defesa das liberdades públicas, sob o lema “Terra, pão e liberdade”.


VIII

O PETRÓLEO NO BRASIL


São quatro as fases históricas do petróleo brasileiro: De 1864 até 1938, explorações sob o regime da livre iniciativa. Nesse período, a primeira sondagem profunda foi realizada entre 1892 e 1896, em Bofete, SP, por Eugênio Ferreira Camargo – considerado o primeiro poço do país, embora dele só tenham saído dois barris.
Em 1930 já se instalava no Brasil uma campanha pela nacionalização dos bens do subsolo

Em 1938, sob a pressão dos trustes, empresas que queriam controlar o mercado, chega a nacionalização do petróleo e a criação do CNP – Conselho Nacional de Petróleo e em 1953 a instituição do monopólio estatal com a criação da Petrobrás.
O Brasil hoje é o décimo-sexto produtor mundial de petróleo.
No final do século XIX, dez países já extraiam petróleo de seus subsolos.

A história do petróleo no Brasil começou no ano de 1858, quando o Marquês de Olinda concedeu a José de Barros Pimentel o direito de extrair betume em terrenos situados ao lado do rio Maraú, na Bahia. O ano de 1907 é o da criação do SGMB – Serviço Geológico e Mineralógico Brasileiro, órgão do Departamento de Podução Mineral, Ministério da Agricultura. Foram atraídos técnicos estrangeiros para pesquisar em Alagoas, Amazonas, Bahia e Sergipe, mas a falta de recursos, pessoal e interesse dificultavam o avanço.

Em 1930, o deputado federal Ildefonso Simões Lopes, ex-ministro da Agricultura, apresentou um projeto tornando a exploração de petróleo uma atividade privativa dos cidadãos brasileiros. Para ele, “as jazidas de petróleo não podem ser de estrangeiros, nem ser por eles exploradas”, conforme o verbete sobre a Petrobrás in Fundação Getulio Vargas, Centro de Pesquisa e Docxumentação de História Contemporânea do Brasil – CPDOC – http://www.cpdoc.fgv.br/.

Nesta época, depois de vários poços perfurados sem sucesso em diversos Estados brasileiros – inclusive com a instalação da Companhia Petróleos Brasil, de Monteiro Lobato, pioneiro na questão do petróleo e autor do livro “O escândalo do petróleo e do ferro”, o engenheiro agrônomo Manoel Inácio Bastos tomou conhecimento que os moradores da cidade baiana de Lobato usavam uma lama preta oleosa para iluminar suas residências.

Bastos foi considerado louco e maníaco, tentando provar que aquilo era petróleo e em 1932 esteve com o presidente Getulio Vargas, no Rio de Janeiro, entregando-lhe um relatório e dando a partida para o que era uma exclusividade da Standard Oil. Em 1933 a empresa de Lobato realizou prospecções em Alagoas, onde em 1933 encontrou um pequeno veio de petróleo.

Em 1931 o Decreto 20.799, de 16/12, subordina todos os atos de alienação ou oneração de qualquer jazida à autorização expressa do então Governo Provisório de Vargas. Órgãos públicos fazem duas perfurações no Paraná e duas em São Paulo, uma no Pará. No ano seguinte, outras duas perfurações são feitas no Paraná, uma em São Paulo e uma em Santa Catarina. Monteiro Lobato e Edson Carvalho organizam a Companhia de petróleo do Brasil e divulga a descoberta de petróleo em Riacho Doce, Alagoas.

No ano de 1931 Monteiro Lobato vai aos Estados Unidos e vê a florescente indústria do petróleo e seus frondosos lucros, o que quer trazer para cá para criar um Brasil próspero e progressista. Escreve artigos, cria jornais, faz palestras para conscientizar sobre a importância do “Ouro Negro”.

Lobato envia cartas às autoridades, critica suas posições restritivas à exploração do petróleo e alerta o Presidente Vargas, em 20 de janeiro de 1935, sobre o malefício da política de trustes para o país. Recebe a concessão de duas companhias de petróleo e fundador da literatura infantil brasileira, lança os livros “O escândalo do petróleo” e do infanto-juvenil “O Poço do Visconde” “Serões da Dona Benta” e “Histórias da Tia Nastácia” sobre a descoberta do petróleo, que antecipa no “Sitio do Pica-pau amarelo”.

Paraná, Pará e Rio Grande do Sul têm perfurações em 1933, ano em que o Decreto 23.016, de 28/7, concentra na Diretoria Geral de Produção Mineral do Ministério da Agricultura todas as atividades exploratórias. Em 1934 é implantado o Código de Minas, separando a propriedade do solo e do subsolo, esta reservada à União, que exige concessões oficiais para exploração. Guilherme Guinle, da família que fez o porto de Santos, financia pesquisas do DNPM no Recôncavo baiano.

Entre as principais tentativas de órgãos públicos de organizarem e profissionalizarem a perfuração de poços no Brasil está a criação do SGMB – Serviço Geológico e Mineralógico Brasileiro, em 1937 e antes do DNPM – Departamento Nacional de Produção Mineral, em 1933.

Em 1936, diante dos obstáculos impostos pelo Governo Vargas à exploração, Monteiro Lobato lançou o livro “O escândalo do petróleo e do ferro”, que vendeu vinte mil exemplares em poucos meses. No livro fazia diversos ataques ao governo. O livro foi censurado em 1937 por Vargas

Em 1937, Monteiro Lobato escrevia e publicava “O Poço do Visconde”, uma de suas obras infantis, em que seu personagem encontrava o “ouro negro” que fazia fortuna nos Estados Unidos e nos países em redor do Brasil há quase um século. Diz nele que “ninguém acreditava na existência do petróleo nesta enorme área de 8,5 milhões de metros quadrados, toda ela circundada de petróleo nos países vizinhos”. Acaba preso de 1941.

Nessa década, a questão da nacionalização dos recursos do subsolo entrou na pauta de discussões, o que viria a acontecer em 1938 quando, em 29 de abril, foi criado o Conselho Nacional de Petróleo para avaliar os pedidos de pesquisa e lavra de jazidas petrolíferas, obrigatoriamente brasileiras.

Também era estatal o abastecimento, importação, exportação, transporte e distribuição e comércio de petróleo e derivados, assim como o funcionamento de indústrias de refino. As jazidas eram, a partir daí, patrimônio da União. Inicia-se uma nova fase na história do petróleo brasileiro, que, no entanto enfrentará muitos obstáculos e uma forte pressão contrária do Grupo Rockfeller, da Standard Oil.

Em 1938, durante o Estado Novo, o Estado Maior das Forças Armadas elaborou um depoimento levantando a necessidade de uma política para o petróleo e propondo o monopólio estatal. Após diversos debates no interior do Governo, é editado o Decreto-Lei 395 (29/4/38), regulamentado pelo Decreto-Lei 366 de 7/7/38, criando o Conselho Nacional de Petróleo e nomeando o General nacionalista Horta Barbosa para comandá-lo, favorável ao monopólio que era.

A ordem era prospectar o poço de Lobato. Transcorria a Segunda Guerra e eram difíceis as importações dos materiais de prospecção, além da burocracia do órgão ter obstado iniciativas. O texto do Decreto-Lei determinava que as atividades relativas ao petróleo fossem obrigatoriamente da União. Em 1939 é descoberto o poço de Lobato, que passa algum tempo sem ser explorado até que chegam as sondas enviadas pelo DNPM e o petróleo jorraria abundante.

O mérito da descoberta foi atribuído a Oscar Cordeiro, presidente da Bolsa de Mercadorias, o que foi descoberto falso conforme depoimento de Dona Diva, viúva de Manoel Inácio Bastos – engenheiro que trabalhava para a Delegacia de Terras e Minas. A fonte é o livro “Afinal, quem descobriu o petróleo no Brasil?”, de Petronilha Pimentel.

Mas a Petrobrás fez justiça à Bastos, quinze anos após sua morte, em 1965. Era iniciada a construção da Refinaria de Mataripe, na Bahia. Mas em setembro de 1943 Horta Barbosa deixava o CNP, assumindo o coronel João Carlos Barreto, que mudou de posição e passou a defender interesses privatistas.

Em 1940 é instituído o imposto único sobre os derivados. O Decreto-Lei 1985, de 29/1, coloca em vigor o novo Código de Minas e o Decreto-Lei 3236 de 7/5/1941 reafirma a propriedade das jazidas de óleo e gás à União. O ano de 1941 tem a descoberta do poço de candeias, no Recôncavo baiano, o primeiro de exploração comercial. De 1939 a 1953 foram perfurados 52 poços no país, vários descobertos. Mas no início da década de 1950, o país ainda importava 93% dos derivados que consumia.

Em 1945 a iniciativa privada mostra interesse em participar da prospecção, o que é autorizado pelo CNP na Resolução 1/45. Em 1º de outubro de 1945 é adotada a Resolução 2.558, que permitia a instalação de refinarias pela inicitiva privada, utilizando-se de petróleo importado – medida tomada um dia após a queda de Vargas.

O Decreto-Lei 9.881, de 16/9/46 cria a Refinaria Nacional de Petróleo, com 50% das ações do CNP. Duas empresas vencem uma concorrência nesse ano para instalar duas refinarias que produziriam 10 mil barris/dia, em SP e RJ, mas elas só entraram em operação em 1954, oito anos depois.

O consumo de derivados de petróleo no país crescia vertiginosamente, 12 mil barrís/dia em 1932 e 30 mil em 1938, 100 mil em 1950. A resposta do Governo Dutra foi apenas a construção de Mataripe, que produziria cinco mil barris/dia, iniciando suas operações em 1950 produzindo apenas 2.500 – 2,5% do consumo nacional. Só no ano seguinte atingiria sua capacidade plena.


IX

1947: A REVOLUÇÃO DO
“PETRÓLEO É NOSSO”



A campanha pela autonomia brasileira no campo do petróleo foi intensa, uma das mais polêmicas da história do Brasil republicano. De 1947 a 1953 o país dividiu-se entre aqueles que achavam que o petróleo deveria ser explorado exclusivamente por uma empresa estatal brasileira e aqueles que defendiam que a prospecção, refino e distribuição deveriam ser atividades exploradas por empresas privadas, estrangeiras ou brasileiras.

Os nacionalistas argumentavam que se o Brasil não criasse uma empresa estatal, fatalmente aquele produto estratégico para o desenvolvimento econômico, seria oligopolizado pelas grandes corporações internacionais, pela Standard Oil, Shell, Texaco, Mobil Oil, Esso, entre outras - e que desta forma o país se veria refém daquelas grandes companhias.

Em dezembro de 1951, Getúlio Vargas enviou ao Congresso o projeto 1516 que previa a criação de uma empresa mista, com controle majoritário da União. Este projeto sofreu um substituto que afirmava um rígido monopólio estatal, excluindo qualquer participação privada nele. Pelo país afora os debates se ascenderam.

O Partido Comunista Brasileiro, na ilegalidade, liderou uma série de manifestações, juntamente com os estudantes da UNE, a favor do monopólio estatal, enquanto a grande imprensa ("O Estado de São Paulo", Diário de Notícias, "O Globo", etc...) defendia a posição dos interesses privatistas. Grande parte da oficialidade mostrou-se simpática a estatização do petróleo, apesar de não concordar com o ativismo dos comunistas e sua adesão as teses nacionalistas. Finalmente, depois de uma batalha parlamentar de 23 meses, o Senado terminou por aprovar a criação da Petrobrás, sancionada por Vargas - Lei 2.004 - em 03 de outubro de 1953.

No início do ano de 1947 o Clube Militar se posicionava contra a abertura do mercado petrolífero ao capital estrangeiro, favorável ao monopólio estatal.

O General Juarez Távora, que defendia uma proposta privatista, chamada “entreguista”, abriu uma série de conferências, defendendo a proposta de abertura, na oposição à proposta do General Horta Barbosa.

Anticomunista extremado, Távora liderava uma corrente que se baseava no apoio do PCB à causa para repudia-la – a do monopólio, defensor que era do atrelamento incondicional para proteção em caso de guerra.

Em tempos de debate entre o anticomunismo da “Guerra Fria” entre as superpotências EU e URSS, mas também de explosão anticolonialista, venceu a de maior densidade popular, engajada pelos comunistas.

Ao final, Horta Barbosa venceu, primeiro com sua eleição no Clube Militar em 17/5/1950, na dupla Estilac Leal – Horta Barbosa. E depois com suas teses da defesa da Segurança Nacional com as políticas nacionalistas do petróleo, que sensibilizaram mais do que as velhas teses dos anticomunistas de que eles comiam crianças.

A história de que os comunistas comiam crianças é derivada da antiga história lusitana dos “Diários do Reino”: Neles, estava escrito que o rei comia, pela manhã, um “pequeno assado”. E a oposição dizia que ele comia, pela manhã, um pequeno, assado.

A mobilização da campanha “O petróleo é nosso”, favorável ao monopólio estatal, foi um dos movimentos de opinião pública mais vigorosa da história brasileira. A Constituição de 1946 havia permitido o ingresso dos exploradores estrangeiros na atividade mineral, inclusive na petrolífera, exigindo apenas que a concessionária fosse organizada no Brasil.

Era tempo do Governo Dutra (1946-1951) e de uma economia liberal e pró-americana, inversa à anterior de Vargas. Em meio ao movimento, indiferente a ele, Dutra envia ao Congresso um Projeto de Lei liberal chamado de “O Estatuto do Petróleo”, permitindo a participação do capital estrangeiro até o limite de 40%.

A proposta desagradou a ambos os setores, nacionalistas e privatistas, pois as multinacionais queriam um estatuto igual ao da Venezuela, onde podiam instalar-se por 40 anos prorrogáveis por mais 20. E os nacionalistas defendiam o monopólio – confome reporta a obra de Jesus Soares Pereira, “Petróleo, energia elétrica e siderurgia – a luta pela emancipação”, publicada no Rio de Janeiro pela Paz e Terra em 1975.

Mas em 21 de abril de 1948 era fundado o Centro de Estudos e Defesa do Petróleo, em uma luta que marcava a reação das forças nacionalistas ao Projeto de Lei de Dutra, o “Estatuto do Petróleo” – reunindo civis e militares, intelectuais, estudantes e profissionais liberais em torno da campanha “O petróleo é nosso”.


X

1948, O CENTRO DE ESTUDOS
E DEFESA DO PETRÓLEO



O “Centro de Estudos e Defesa do Petróleo” foi fundado nacionalmente em abril de 1948, em uma assembléia realizada no Automóvel Clube, presidida pelo ex-presidente Artur Bernardes escolhido como seu Presidente de Honra, assim como aos generais Horta Barbosa e José Pessoa. E organizou-se por todo o território nacional, mobilizando principalmente os estudantes universitários, na liderança do Partido Comunista Brasileiro, como na Revolução de 1935. Também teve sua entidade em Santos.

Em 12 de junho de 1948 a entidade era fundada em São Paulo. No dia 4 desse mês, em uma Assembléia na Associação Brasileira de Imprensa no Rio de Janeiro, contou a Miriam Lage, da revista Veja (4/10/1978), propôs sua fundação o Capitão-de-Fragata e professor e membro do Clube Positivista e da Liga Antifascista da Tijuca, Henrique Miranda.

Lá estavam o presidente do Centro Acadêmico XI de Agosto, Rogê Ferreira; o coronel Arthur Carnaúba; o vereador Cid Franco e o professor Omar Catunda, entre outros.

O cronista social Ibrahym Sued, entre outros setores da direita, fazia intensa oposição a idéia, terminando sempre suas colunas com um “Sempre contra a PETROBRÁS”, em uma campanha que teve episódios trágicos com mortes – e que foi acusado como responsável o então delegado Charles Borer, presidente do Botafogo do Rio - e enfrentamentos dissolvidos com bombas de gás lacrimogêneo.

O objetivo era o de promover ampla campanha de conscientização da opinião pública voltada ao fortalecimento da tese nacionalista de exploração das jazidas pelo monopólio estatal. Em setembro de 1949 é que teria sido então adotada a denominação de Centro de Estudos e Defesa do Petróleo e da Economia Nacional, responsável pelo jornal “Emancipação” cujo primeiro número foi publicado em fevereiro de 1949.

Essa mobilização derrotou, impedindo que prosperasse no Congresso, o Projeto do “Estatuto do Petróleo”. Estava preparado o clima para que, na volta de Vargas, fosse criada a Petrobrás. O projeto veio em 1951, por Jesus Soares Pereira, convidado a integrar a Assessoria Econômica da Presidência da República. Antigo colega de trabalho de Horta Barbosa no CNP ele tinha as condições plenas do trabalho de que foi encarregado.


XI

O CENTRO DE ESTUDOS E
DEFESA DO PETRÓLEO EM SANTOS


A Frente de Defesa do Petróleo e da Economia Nacional foi fundada em Santos na solenidade do aniversário da tomada de Monte Castelo, uma batalha na Itália, em 21 de fevereiro de 1949. A reunião ocorreu no Cine Bandeirantes, na Avenida Ana Costa, atual Sindicato dos Metalúrgicos aqui em Santos, em promoção da Associação dos Ex-pracinhas da Itália presidida pelo ex-combatente nos campos da Itália Aldo Ripasarti, que terminartia como presidente da novel entidade.

Foi nessa assembléia que um popular pediu a palavra e propôs a fundação da Frente, para a qual nacionalmente havia sido eleito Presidente de Honra o General Horta Barbosa, comandante da Segunda Região Militar, nacionalista de prestígio, personagem das disputas nacionais no Clube Militar.

Na ocasião, Mattos Pimenta, um jornalista engajado na luta e diretor do “Jornal de Debates”, semanário panfletário do Rio de Janeiro, fez uma palestra. Lá estava a “fina-flor” da sociedade santista, como o bispo, representado pelo senhor Passos; o comandante da praça, Capitão Osman, o delegado Renato Leite Santana, representando o comando geral, o Capitão dos Portos e o delegado do DOPS Nelson Veiga.

Para a presidência foi eleito o vereador do Partido Socialista Brasileiro João Carlos de Azevedo, médico. O Primeiro-vice-presidente seria o vereador Florival Barletta e o segundo Francisco Mendes, também vereador do PTB. Aldo Ripasarti seria o terceiro vice-presidente, que após a caça ao movimento promovida pelo Governo Dutra chegaria a presidência.

As reuniões chegaram a ocorrer também na União Cívica Feminina, na Avenida Senador Feijó 250, sob a batuta da dona Marina Magalhães Santos Silva, onde o militante e autor teatral de peças infantis com conteúdo de lições de paz e socialismo, Oscar Von Phull, levava seu projetor e filmes de Charles Chaplin para exibir aos freqüentadores.


XII

AS MANOBRAS POLÍTICAS PARA CRIAÇÃO DO MONOPÓLIO ESTATAL


Frente às bancadas conservadoras da UDN e do PSD, favoráveis aos capitais privados na produção mineral como um todo, a pequena bancada do PTB não tinha como impor o monopólio – e nem Vargas queria estabelecer o conflito.

Os três assessores de Vargas encarregados de elaborar o projeto, Rômulo de Almeida, chefe da Assessoria Econômica da Presidência, Neiva Moreira e Jesus Soares Pereira, quem narrou o episódio, para evitar o conflito pediram ao Presidente que enviasse um projeto propondo uma empresa de economia mista com controle estatal e que fosse dedicada à produção e pesquisa de petróleo e derivados.

O projeto, enviado em outubro de 1951, previa que 25% do imposto cobrado sobre o consumo de derivados verteriam para a empresa, além de outras fontes.

Mas a reação parlamentar ao texto na Câmara foi liderada por Euzébio Rocha, do PTB, que procurou Vargas e lhe disse que isto estava contra suas posições nacionalistas históricas favoráveis ao monopólio estatal.

O presidente então determinou que a Comissão se reunisse com Rocha para deliberar as modificações, tendo participado dos encontros os generais Horta Barbosa e Leitão de Carvalho.

Não houve acordo, pois Rômulo de Almeida mantinha sua posição, alegando inclusive que seria inconstitucional privilegiar o capital nacional. Diante desse fato Rocha decidiu apresentar um substitutivo e informou Vargas de sua intenção, ao que este teria declarado que “quanto mais nacionalista for, mais corresponde aos meus desejos”, conforme depoimento dado em 1984 à Ângela Maria de Castro Gomes, Maria Celina D`Araújo e Plínio de Abreu Ramos, Rio de Janeiro, Fundação Getulio Vargas, CPDOC, 1991.

Vargas tinha evitado o conflito com a direita na apresentação e deixara o Congresso modificar o projeto, em uma manobra ardilosa que teriam, um final surpreendente: a UDN, por suas principais lideranças, apoiaria o monopólio. Objetivando o sucesso do projeto, considerou Eusébio Rocha, conforme o depoimento citado, na sua página 87.

O próprio presidente da UDN, deputado Bilac Pinto, apresentou um projeto propondo o monopólio estatal. A Comissão de Segurança Nacional aprovou o substitutivo de Eusébio Rocha, aprovado inclusive pelos representantes da UDN, tornando-se uma alternativa a mensagem presidencial.

Diante do avanço com o apoio unânime ao monopólio estatal, Getúlio apoiou a emenda doi deputado Lúcio Bittencourt, vedando a participação de acionistas estrangeiros na nova empresa.

O projeto foi para o Senado e lá foi desfigurado, em favor dos capitais privados. Retornou à Câmara em meados de 1953, que derrubou a maioria das emendas do Senado, mas a redação final permitiu que as refinarias privadas existentes pudessem continuar a operar e permitiu os capitais privados na distribuição dos derivados.

Provocado pelas denúncias de que era “um aliado do imperialismo”, em maio de 1952 quando o Projeto foi enviado à Câmara, Vargas reagiu chamando os udenistas, em um discurso pronunciado em um campo de petróleo na Bahia, de “conhecidos advogados dos monopólios econômicos estrangeiros”. A Convenção do CDPEN convocada para ser realizada em junho foi dissolvida à tiros, mas o governo voltou atrás e ela acabou sendo realizada. Pressionado pela opinião pública Vargas optou finalmente pelo monopólio estatal.

A Lei 2004 foi finalmente aprovada em 21 de setembro de 1953, dois anos depois de sua entrada em discussão no Parlamento, criando a Petrobrás. Seria sancionada por Vargas na data história da Revolução de 1930, que o levou ao poder – 3 de outubro. Em 10 de maio de 1954 a Petrobrás entrava em efetiva atividade.

A empresa herdaria do Conselho Nacional de Petróleo campos que produziriam em sua capacidade total 2.770 mil barris/dia, com a Refinaria de Cubatão em construção e vinte navios petroleiros com capacidade de 221 mil toneladas.

Jesus Soares Pereira lembra, na Coletânea de pronunciamentos do presidente Vargas sobre a política do petróleo, editada pelas “Edições Tempo Brasileiro”, citada por Raimundo de Araújo de Castro Filho e José Luciano Dias no verbete sobre a Petrobrás, in Fundação Getúlio Vargas, Centro de Pesquisa e documentação de História Contemórânea do Brasil – CPDOC.

Este integrante da Comissão pediu a Vargas para que apressasse as providências para as perfurações submarinas na bacia de todos os Santos, na Bahia. Vargas o convocaria em 22 de agosto, para, diante das pressões insuportáveis, em 24 suicidar-se, defendendo a Petrobrás até o último momento de sua vida.

XIII

O COMÍCIO SANTISTA
DO PETRÓLEO NO MACUCO


Um dos episódios mais importantes dessa era da curta legalidade do PCB e do auge da luta O PETROLEO É NOSSO foi o comício promovido pelo Centro Santista de Estudos e Defesa do Petróleo e da Economia Nacional, proibido pela polícia, em que foi assassinado o militante comunista Deoclécio Santana, ensacador de café, em 29 de setembro de 1949. Três mil pessoas acorreram ao local.

Embora não-autorizado pela Policia, a manifestação foi realizada na Bacia do Macuco onde, em frente ao bar ”Flor do Norte”, na Avenida Siqueira Campos, esquina com a Almirante Tamandaré, se concentraram os manifestantes. No dia anterior estivera em Santos a militante e intelectual Valéria Konder, como nos contou Aldo.

Logo chegariam ao comício cinco cavalarianos da força policial, três investigadores da Delegacia de Ordem Política e Social, o então temido DOPS, como escreve o jornal “A Tribuna” de 1º de Outubro de 1949, na sua página cinco.

No momento em que o alfaiate comunista Helio de Melo, subindo em uma elevação existente na parte fronteiriça do citado bar passou a discursar “de maneira inflamada“, escreve a matéria, foi preso pelos investigadores Manoel Correia Guimarães e Joviano Antonio da Silva.

“Helio, já escoltado, foi levado até o bar “Flor do Norte”, pois dali os policiais pretendiam chamar o “carro de presos”. Nesse momento ouviu-se um tiro e, a seguir, muitos outros. Houve correria e confusão. Quinze minutos depois, quando os ânimos serenaram, estavam estendidos no interior do estabelecimento o Marítimo José Cirilo Reis, de 42 anos de idade, brasileiro, que fazia parte da diligência policial, e o ensacador de café Deoclécio Santana, elemento comunista. O primeiro estava ferido na cabeça e o último no peito, ao lado do coração. Segundo nossa reportagem apurou, foram feitos vários disparos.”

DUAS ARMAS FORAM ENCONTRADAS PELA POLICIA

Ao local da ocorrência compareceram o dr. Máximo Rebelo, autoridade de plantão na central de polícia, dr. Miguel Teixeira Filho, delegado auxiliar, dr. José Carlos Franco, delegado de Ordem Política, o sr. Joaquim da Cruz Seco, inspetor da Policia Marítima e peritos da Técnica Policial.

(A Tribuna, 1/10/1949)

Segundo a matéria, sob o cadáver do “operário comunista”, descrição com sabor de época, um revólver calibre 48 com todas as balas detonadas. Mais adiante, em uma divisão de madeira, estava outro revólver, sem balas. O Guarda Marítimo, que estava próximo a porta, tinha apenas na cintura uma cartucheira de couro vazia. Não estava armado, diz o texto. “Segundo seus colegas, José Cirilo costumava usar como defesa uma pistola “Mauser”, a qual, entretanto, não foi encontrada no local da impressionante ocorrência”.

Diz a matéria de “A Tribuna” que o cadáver do policial foi conduzido para a câmara ardente da sede da Polícia Marítima e o féretro saiu daquela repartição para o cemitério do Saboó.

“O sr. Cruz Seco baixou comovente portaria elogiando o companheiro que tombou no cumprimento do dever”. E concluindo: ”Foram detidas inúmeras pessoas, na maioria elementos comunistas”. Eram tempos difíceis aqueles. Aldo foi um dos presos e seria condenado a cinco anos no Carandiru em São Paulo, dos quais cumpriu três. Ele contava que apesar de ter sido ex-combatente na Itália e de ter recebido medalha de heroísmo, sua saída era impedida pela sua expressão na luta popular, o que obstava sua libertação.
XIV

O “JORNAL DO PETRÓLEO”


Sediado no décimo andar do edifício Martinelli, com tiragem anunciada de vinte mil exemplares, o órgão que tem nos seus dois primeiros números o nome do diretor Adail de Oliveira é a primeira manifestação organizada em defesa do petróleo brasileiro.

Seus militantes, que assinam os artigos, são Monteiro Lobato e Hilário Freire, que assina o editorial. Notícias e apoio da Companhia Matogrossense de Petróleo, de Lobato e Vitor Freire, Octales Marcondes Ferreira, Paulo Alves Ferreira, Dr. Antonio da Costa Rondon, Dr. J. de Oliveira Botelo e Cel. Manuel Alves Arruda ilustram suas páginas.

O jornal significava a expansão da luta pelo petróleo brasileiro, que mais do que uma atividade econômica na qual a empreitada corajosa de Monteiro Lobato e outros empresários tinha o significado de redenção com a formação da infra-estrutura nacional.

“- Petróleo, por um Brasil rico e culto”, dizia o “Jornal do Petróleo” de 1937, estimulado por Monteiro Lobato, sociólogo, romancista, contista, criador das histórias infantis brasileiras: antes, brincávamos com fadas e gnomos na neve! Economista e defensor implacável dos interesses brasileiros que viam ampliados com o petróleo, idealista de grandes sonhos nacionais.

“Companhia donabetense de Petróleo” (de Dona Benta, a dona do Sítio). Era esse o nome da empresa fictícia que Lobato criou após a descoberta de petróleo pelo Visconde.

Um sonho do país era o de igualar o Brasil ao progresso econômico que já alcançava os Estados Unidos, que por ai arrancavam do solo um bilhão de barris por ano, que se transformava em energia mecânica, vem da produção, já reconhecido, então, como mais importante que o próprio ouro... Este novo Mauá dedicaria 10 anos de sua vida à batalha. Os “gringos” não queriam nos deixar descobrir o petróleo nesses tempos, pelo que mataram e prenderam, em tramas inacreditáveis de desaparecimentos e envenenamentos.

Leia-se “O escândalo do petróleo e do ferro”, de 1936, que tinha o subtítulo “Depoimentos apresentados à Comissão de Inquérito do Petróleo”. Foi Monteiro Lobato quem anunciou o “ouro negro” dois anos antes como fizera D.Bosco há séculos da Itália, definindo inclusive o local por um seu personagem infantil.

O PRIMEIRO

O primeiro homem que viu - da Itália - as tremendas reservas de petróleo do Mato Grosso, que na época se escrevia com dois “t”, escreve um artigo na página dois do número inicial do “Jornal do Petróleo”, foi o fundador da Congregação Salesiana, D.Bosco, hoje São João Bosco, em 1883. Foi quando, 150 anos antes da descoberta, ele teve um sonho entre 29 e 30 de agosto, em que viu o petróleo no pantanal matogrossense – e isso está escrito na página 390 do volume XVI de suas memórias biográficas editadas em 1935 pela Societá Editrice Internazionale.

O Jornal do Petróleo alerta, em seu número dois, para o fato de que todos os países da América do Sul, fronteiriços ou não, já tinham descoberto petróleo e já o exploravam. Menos o Brasil. E a Companhia Matogrossense estimulava: comprem ações, que quando o petróleo brotar elas valerão como bilhetes de loteria premiada!”.

O Visconde de Sabugosa, personagem infantil de Lobato, sabugo de milho falante e com pose de intelectual no Sítio do Pica-Pau Amarelo, foi o Anjo Gabriel do Petróleo brasileiro. Finalmente descoberto em 22 de janeiro de 1939, um domingo, CONSTA, por Oscar Cordeiro. Quem já leu o livro “O escândalo do petróleo e do ferro”, uma das armas de Lobato nessa batalha, escrito em 1936 na primeira edição (depoimentos apresentados à Comissão do Petróleo) observa isso.

No petróleo, era o tempo da Lei Fleury, outro criminoso, na filosofia dos trustes de “não tirar petróleo, nem deixar que o tirem”, visando resguarda-lo em tempos de vacas gordas. Era o tempo do monopólio Standard Oil e Royal Dutch & Shell, empresas que também dominavam as finanças, os bancos, o dinheiro e por conseguinte os governos e as máquinas administrativas.

As notícias de que um enorme território no hemisfério sul continha petróleo era uma ameaça para estas empresas. Um geólogo de nome Gustav Grussman anunciou nesta época que o Brasil tinha uma das maiores reservas de petróleo do mundo. Mas o governo...

Lobato diz que nestes últimos tempos os governantes usam os “cotovelos e calcanhares” para pensar, menos os miolos – e ai estava a causa da miséria da população que, para ele, já perdia a formas humana, criando rabos, “degenerescência física por miséria fisiológica” (“O escândalo do petróleo”, p.11-12).

Crítico sagaz do chefe do Serviço Geológico Fleury da Rocha, atribui a ele a culpa pela “Lei de Minas” que trancou e embaraçou a pesquisa do subsolo. Foi a primeira Lei Fleury: outras viriam no processo de opressão.

Éramos obrigados a comprar o petróleo deles, cinco mil contos anuais, 17 por dia, enquanto estudavam nosso território e compravam áreas potencialmente petrolíferas, fazendo contratos de subsolo, na idéia da reserva futura de um tempo em que o petróleo deles acabasse, produto que não deveríamos tocar em nosso benefício.

Essa política visava não permitir um novo produtor de petróleo no mundo que permitisse lançar uma sombra sobre os Estados Unidos. O Brasil tinha 40 milhões de habitantes. E tinha petróleo em vários Estados, áreas que tinham sido fundo de mar e formado um tremendo depósito de petróleo. Elas tinham as condições clássicas para ter petróleo. Uma única pesquisa séria no Alagoas por uma empresa geofísica alemã certificava estes sinais. Não precisava muito, pois as nações vizinhas haviam explorado e descoberto petróleo.

A ESTRATÉGIA ERA NÃO TIRAR
PETRÓLEO E NEM DEIXAR QUE O TIREM

Sangue e suor de gente como Aldo Ripasarti e Deoclécio Santana, entre tantos, que morreu com uma bala dos policiais em Santos em 1947, gritando que o Brasil tinha petróleo, o que era proibido...

Os Estados Unidos descobriram o petróleo 80 anos antes de nós, em 1859. Em 1927 tinham quase um milhão de poços. Em 15 anos, abrimos 65 poços, eles 380 mil. Foram 70 por dia, nós quatro por ano! São dados do livro de Lobato.” Tivessem um serviço geológico como o nosso e não conseguiriam. México, Venezuela, Colômbia, Chile, Peru, todos descobrem e exploram o petróleo. Mas o Brasil... Não tem”.! Mas Lobato, como Dumont, insistiu, contra tudo e contra todos os agentes do imperialismo. E descobriu o petróleo!

As edições do “Jornal do Petróleo”, de 1937, tinham como diretor responsável José Augusto Adail de Oliveira, enviado a Santos para um senhor chamado Guilherme Herzog. Marcas dos primeiros tempos dessa luta de ouro pelo ouro negro. “Nosso programa: por um Brasil rico e culto”, alinha-se como manchete na sua primeira página, com as fotos de Hilário Freire e Monteiro Lobato - o que se torna símbolo a partir do número 2. 1938, abril: o Governo decreta a nacionalização dos poços de petróleo. É a grande senha do progresso nacional, por mais escolas e hospitais, por apoio aos camponeses.


XV

CULTURA COMUNISTA

Em Santos, em março de 1948, no meio dessa fase histórica intempestiva, surgia o Clube de Cinema de Santos, o quinto do Brasil, fundado pelo jornalista e poeta Roldão Mendes Rosa e companheiros, como Maurice Legeard, membros do PCB, este que o controlaria por quase meio século, até 1997, quando faleceu.
Os comunistas foram os principais animadores do movimento cineclubista. No Clube de Cinema da Bahia, dirigido pelo comunista Walter da Silveira, se formou um diretor como Glauber Rocha. Eles chegaram organizar uma empresa para distribuir filmes, a Tabajara Filme.
Os comunistas ingressaram no mundo da arte cinematográfica e produziram diversos documentários de curtas-metragens sobre as atividades do Partido. Rui Santos criou uma empresa de produção cinematográfica chamada “Liberdade Filmes”.
A “Liberdade Filmes” produziu duas películas, “O comício de Prestes do Pacaembu” e “24 anos de luta”, ambos dirigidos e fotografado pelo próprio Rui Santos. O último filme tinha roteiro e texto de Astrojido Pereira, era narrado por Amarílio Vasconcelos e musicado por Gustav Mahler. Dele constavam depoimentos de Astrojildo Pereira, fundador do PCB, do escritor Jorge Amado e de outros comunistas históricos.
Nelson Pereira dos Santos, então jovem militante comunista, dirigiu dois documentários Juventude e Atividades Políticas em São Paulo. Os comunistas chegaram a produzir filmes de longa-metragem como Estrela da Manhã (1950) – com argumento de Jorge Amado, roteiro de Rui Santos e direção de Jonald Santos. As músicas eram do maestro Radamés Gnattali e Dorival Caimmi. Envolveram-se até mesmo numa co-produção com a República Democrática Alemã intitulada “Rosa dos Ventos”, baseada num texto do próprio Jorge Amado.
Esta situação foi sensivelmente alterada com o fechamento do Partido (1947), a cassação dos mandatos parlamentares (1948) e o acirramento da guerra fria no final da década de 1940 e início da década de 1950. A política cultural do PCB se tornou cada vez mais estreita e sectária. O crescimento do sectarismo no campo cultural no Brasil coincidiu com o amplo predomínio das idéias de Jdanov na política cultural soviética.
Tivemos, então, o afastamento gradual de inúmeros intelectuais e artistas brasileiros do campo de influência comunista. Entre eles estavam Carlos Drummond de Andrade, Manuel Bandeira, Érico Veríssimo, Otto Maria Carpeaux. Àlvaro Lins, Alceu Amoroso Lima.
Como lembra o historiador Augusto Buonicore, no artigo “Comunistas, cultura e intelectuais nos anos 40 a 50”, a revista Seiva da Bahia foi uma das primeiras publicações de esquerda criadas após a repressão de 1937. Nasceu já em 1938 e foi criação dos comunistas João Falcão, Rui Facó, Armênio Guedes, Diógenes Arruda e Jacob Gorender. Nela foi publicada Mensagem à inteligência da América que convocava “todos os intelectuais do continente para união e a confraternização em defesa da cultura e do progresso da humanidade”.
Na Bahia existia a secção mais ativa do PC do Brasil na ocasião, a repressão havia atingido duramente o partido no Rio, em São Paulo e Pernambuco. A revista foi fechada em 1943, após a publicação de uma entrevista com o general Manoel Rabelo, presidente da Sociedade Amigos da América, inimigo mortal do general direitista Eurico Gaspar Dutra, ministro da Guerra de Vargas.
Mas, a principal publicação comunista a circular no final do Estado Novo foi a Continental, dirigida por Armênio Guedes e na qual colaboravam Milton Cayres de Brito, Ruy Facó, Mário Alves, Maurício Grabóis, Edison Carneiro entre outros. Depois de 1943 ela passou a ser o porta-voz oficioso da Comissão Nacional de Organização Provisória do Partido Comunista, defendendo sua política de “união nacional” e de “pacificação da família brasileira”.
Mesmo assim, ela acabou sendo proibida de circular em 1944, na última grande investida repressiva do Estado Novo contra o PCB. Os comunistas desde a década 1930 sempre se preocuparam em manter relações com a intelectualidade.
O nome do poeta Carlos Drummond de Andrade constou entre os primeiros diretores do jornal Tribuna Popular. Função da qual se afastou logo em seguida por não concordar com a posição dos comunistas contrária a queda de Vargas. Drummond defendeu a candidatura presidencial do Brigadeiro Eduardo Gomes (UDN). Mas, para o Senado votou em Prestes e Abel Chermont e para Câmara federal votou numa chapa composta por comunistas.
Nestes anos de legalidade vários intelectuais foram candidatos pelo Partido Comunista, entre eles Cândido Portinari, Jorge Amado, Graciliano Ramos e Caio Prado Jr., entre outros. O próprio Carlos Drummond de Andrade foi convidado pessoalmente por Prestes para compor a lista de candidatos comunistas em 1945.
Organizavam-se exposições de artistas plásticos do Partido Comunista, nas quais se destacavam as obras de Cândido Portinari. Os artistas ilustravam jornais, revistas e outras publicações e colaboravam ativamente nas campanhas eleitorais e de finanças. No início dos anos 1950 organizaram clubes de gravuras por todo país.

A revista comunista Literatura, do primeiro semestre de 1947, foi dedicada ao centenário do poeta baiano Castro Alves. Este número publicou um manifesto da intelectualidade brasileira que afirmava: “Sem dúvida, a melhor forma de comemorar o centenário de Castro Alves consiste em reafirmar a fé patriótica que emerge do conteúdo da sua obra patriótica e democrática que emerge do conteúdo de sua obra como programa permanente de pensamento e ação ao serviço do povo”.
Este foi o manifesto mais expressivo que a intelectualidade brasileira já havia produzido até então. Assinavam cerca de 300 intelectuais entre eles Afonso Arinos de Mello Franco, Astrojildo Pereira, Caio Prado Jr., Carlos Drummond de Andrade, Graciliano Ramos, Manuel Bandeira, Otto Maria Carpeaux, Cândido Portinari, Hélio Peregrino, Sérgio Milliet, José Lins do Rego, Eneida, Prado Kelly. Este também foi o último documento da frente única cultural criada no final do Estado Novo.
Um dos momentos mais dramáticos do processo de cisão da intelectualidade brasileira ocorreu durante a eleição da Associação Brasileira de Escritores, ocorrida em março de 1949. Surgiram, pela primeira vez, duas chapas: uma apoiada pelos comunistas e outra pelos setores liberais-democráticos.
Da chapa de oposição liberal participavam Carlos Drummond de Andrade, Manuel Bandeira, Afonso Arinos de Melo Franco, Otto Maria Carpeaux entre outros – a grande parte deles havia assinado o manifesto de 1947 e apoiado os candidatos comunistas. Os intelectuais chegaram a entrar em confronto físico pela ata da reunião. O próprio Carlos Drummond de Andrade foi agredido. Os comunistas ganharam a eleição, mas a organização se esvaziou, perdeu seu caráter unitário – de frente única cultural – e toda importância que teve nos anos anteriores.



XVI
PERSONAGENS

ALDO RIPASARTI



Loquaz e perseverante na pregação revolucionária e na necessidade de transformação econômica da sociedade, fala rápida e incisiva, o filho de Adelino e Maria Aldo Ripasarti foi aprendiz de barbeiro desde os nove anos lá pelas bandas do bairro do Campo Grande. Onde, dizia, ter conhecido meu avô paterno e ter feito sua última barba, morador que era da Rua Duque de Caxias, autodidata, ingressou na Agência Marítima Martinelli aos 17 anos, só saindo para as lutas da Itália, de onde voltou engajado nas lutas sociais.

Nascido a 12 de dezembro de 1921, paulistano de berço, Aldo ia fazer 14 anos quando seu pai Adelino morreu na Itália. Sua mãe Maria era espanhola e foi ao consulado italiano local receber o que tinha direito. “Diante de um funcionário ríspido e prepotente que tinha atrás de si um retrato do `Dulce´ fascista Benito Mussolini, explodi de ódio sobre aquele que maltratava minha mãe e que naquele momento era a representação do fascismo”, contou ele. Dali em diante esteve na luta contra todas as formas de opressão.

Casado com dona Benedita Santos Ripasarti desde 20 de dezembro de 1960, sua vida foi uma seqüência de lutas contra a opressão, o que lhe custou dezenas de prisões, torturas que narrou, demissões e opressões diversas. Liderança popular, alto, esguio, falante, de olhos azuis, esteve no porto desde 22 de janeiro de 1954, nas vagas de conferente garantidas pelo Governo aos ex-combatentes da FEB na Itália, para onde foi e ganhou uma medalha de heroísmo na luta antifascista, que recebeu em 30 de julho de 1954.

Preso no Carandiru de 1947 a 1950, lhe foi negada a liberdade condicional mesmo sendo um ex-combatente valoroso. A série de apelos feitos em sua defesa, mesmo das mais expressivas personalidades e entidades, não funcionavam. Eram, ao contrário, demonstrações para os verdugos da sua importância social, implicando em denegar sua libertação.

Ele nos “contratou” para escrever sua longa história de participação no movimento social e de defesa do petróleo. Isso ocorreu há cerca de 20 anos, quando gravamos e colhemos dados sobre ele em seu apartamento que ele utilizava para tal, na galeria AD Moreira, na Avenida Floriano Peixoto. O trabalho, interrompido, resultou na coleta de depoimentos que escrevemos e aqui apresentamos. Integrante da direção do Sindicato dos Conferentes por diversas vezes, foi ativo militante das lutas sociais.

Militante ativo das lutas dos trabalhadores do cais foi preso por 92 dias no “Raul Soares” – o navio-prisão que encarcerou e torturou centenas de cidadãos santistas na época do Golpe Militar de 1964, tendo recebido o titulo de Cidadão Santista das mãos do então vereador Fábio Mesquita em 1996, aliás, por indicação deste autor.

Aldo foi presidente do Centro de Estudos e Defesa do Petróleo, alçado ao cargo depois de sucessivas debandadas dos que ocupavam cargos de direção acima dele, em face da intensa repressão, dispondo-se a enfrentar as forças que queriam impor o silêncio dos brasileiros na questão do petróleo.



XVII

A VITÓRIA COMUNISTA
NAS ELEIÇÕES DE 1947 NO BRASIL


Nas eleições para as Câmaras de Vereadores e prefeitos, realizadas no final de 1947, o desempenho do Partido Comunista foi ainda mais surpreendente, tendo em conta que estava na ilegalidade e sofrendo crescente repressão. Foi destacada a sua participação eleitoral nos principais centros operários do país.
Após a cassação do registro do PCB, os comunistas paulistas fizeram um acordo político com a direção do pequeno Partido Social-Trabalhista (PST). Assim, os “candidatos de Prestes”, como eram chamados, puderam disputar a eleição através daquela legenda.
Na cidade de Santo André, os comunistas numa atitude ousada lançaram o deputado Armando Mazzo para disputa da prefeitura. No entanto, após o registro dos candidatos comunistas, o diretório nacional do PST – pressionado por Dutra - interveio no diretório paulista na tentativa de impedir que os comunistas pudessem concorrer. O TRE aceitou a destituição do diretório estadual, mas manteve as candidaturas que já haviam sido registradas.

Em nove de novembro Armando Mazzo foi eleito prefeito com 6.483 votos, o que representava 33% da votação geral. Os comunistas elegeram também uma bancada de 13 veeadores numa câmara que existiam 31 cadeiras. No dia 1º de dezembro, todos receberam os diplomas que certificavam a vitória eleitoral.
Os setores conservadores, através dos diretórios do Partido Democrata-Cristão e do Partido Social Progressista, entraram com novo recurso no TRE, argumentando que era inconcebível que "um governo (...) no coração do parque industrial paulista fosse entregue aos comunistas". O TRE reconheceu a vitória dos comunistas, mas a decisão final coube ao TSE. Menos de 24 horas antes da posse, o TSE decidiu pela anulação de todos os votos conseguidos pelo PST. Este foi um verdadeiro golpe branco do poder judiciário.
O brasilianista John French descreveu assim aquele acontecimento: “Ao despertar no dia 1º de janeiro de 1948, os habitantes de Santo André deram com o centro da cidade ocupado pelos soldados e cavalaria da força pública estadual, enquanto policiais com cães patrulham as ruas”.

Caminhões de água com mangueiras estavam colocados em pontos estratégicos e a multidão, que se agrupava para uma passeata de protesto até o local, foi dispersa. “Com a exaltação dos ânimos a área central da cidade logo se transformou num campo de batalha onde os que protestavam foram agredidos e presos, pedras foram jogadas e golpes trocados com a polícia perto de três horas”.
Na cidade de São Paulo os comunistas elegeram 15 vereadores, conquistando assim a maior bancada da Câmara Municipal. Mas, no último dia de 1947, todos foram impedidos de tomar posse e, em seguida, tiveram seus mandatos cassados. As razões alegadas foram as mesmas que as utilizadas em Santo André.
Os comunistas tiveram também uma grande vitória na capital da República elegendo 18 vereadores. Em Recife os comunistas lançaram Gregório Bezerra para prefeito. Mas, foi aprovado “a toque de caixa” na Câmara dos Deputados, uma lei que acabava com a autonomia de várias cidades como Recife, São Paulo, Santos e Distrito Federal, que passariam a ter o seu prefeito indicado pelo governador e presidente da República.
Esta foi a maneira encontrada para impedir que candidatos comunistas pudessem vencer eleições em municípios estratégicos. Os comunistas de Recife não puderam eleger o prefeito, mas garantiram 12 vereadores numa Câmara de 25 assentos e em Olinda, também, fizeram a maior bancada.

Na cidade de Jaboatão, centro ferroviário em Pernambuco, o médico comunista Manoel Rodrigues Calheiros se elegeu prefeito. Este foi o primeiro prefeito comunista que tomou posse no Brasil. Por isso, a cidade ficou conhecida como “moscouzinha” brasileira. Os jornais da época dão conta que a condição de prefeito não lhe deu imunidade contra o arbítrio do governo Dutra. O prefeito comunista foi preso várias vezes, porém não consta que tenha sido cassado.

Não foram apenas nestas cidades que os comunistas tiveram vitórias eleitorais. Esta situação se reproduziu em todos os cantos do país. Em Fortaleza, o PCB elegeu 8 vereadores. Na cidade operária de Nova Lima em Minas Gerais, elegeu o vice-prefeito e quatro vereadores, sendo que dois deles foram os mais votados.



XVIII

A CASSAÇÃO DOS MANDATOS COMUNISTAS E INÍCIO DA CLANDESTINIDADE DO PCB


O Partido havia se recusado a mobilizar as massas contra o processo de cassação do seu registro. Acreditava que qualquer manifestação pudesse fortalecer as teses dos seus adversários que afirmavam que o Partido Comunista pretendia derrubar o regime constituído. A direção escolheu como campo de batalha preferencial o Parlamento e o Judiciário.

Apenas em 18 de junho, sentindo a real ameaça de cassação e o esgotamento da tática anterior, os comunistas realizaram um grande comício no Vale do Anhangabaú em São Paulo contra a cassação do registro do Partido e a ação movida contra os seus parlamentares.
No dia 21 de outubro a Tribuna Popular foi invadida e depredada pela polícia, os funcionários resistiram e acabaram sendo feridos. No mesmo dia o governo rompeu relações diplomáticas com a URSS. Em 24 de outubro realizou-se uma grande manifestação anticomunista de apoio à decisão do governo.

Agora era a direita que tomava as ruas da capital da República. Em 27 de outubro de 1947 o Senado aprovou o projeto de cassação dos mandatos comunistas e o enviou à Câmara dos Deputados.

Em novembro os comunistas, embora alterassem a sua posição em relação ao caráter do governo Dutra — que passava a ser definido como uma "ditadura terrorista"- continuavam tendo ilusões quanto à correlação de forças existente no país.

Para Marighella, o governo "fascista" de Dutra estava completamente isolado e não contava nem com o "apoio do partido que o levou ao poder" e concluiu incisivo: “o grupo fascista pensou eliminar o Partido Comunista, cassando-lhe o registro eleitoral, mas hoje nos achamos em pleno caminho da legalidade”.



XIX

O FECHAMENTO DO PCB


A mudança da situação internacional, com o crescimento da chamada “Guerra Fria” trouxe reflexos negativos para a situação política nacional. Neste período aumentou a ofensiva conservadora contra o movimento operário e popular, particularmente contra os comunistas. Cresceram as provocações da reação contra o PC do Brasil.
No início de abril de 1946, o governo proibiu os comícios pró-constituição democrática. No dia 1º de maio foram proibidas manifestações em quase todo território nacional, mas em Recife o PCB decidiu desacatar a ordem policial e organizou uma grande manifestação pública com a presença de Prestes.
O clímax da violência policial ocorreu no dia 23 de maio, quando uma manifestação pró-PCB realizada no Largo Carioca, foi duramente reprimida. Centenas de pessoas ficaram feridas e cerca de cinqüenta foram presas. A repressão ao comício foi ordenada pelo próprio presidente da República. Nova repressão um comício na Esplanada do Castelo ocasionou a morte da comunista Zélia Magalhães. Ela seria a primeira de uma série de militantes abatidos durante o governo Dutra.
No final de agosto, os estudantes do antigo Distrito Federal organizaram uma manifestação contra o custo de vida. O movimento acabou se degenerando em quebra-quebra, que foi assistido calmamente pela polícia.

Suspeitou-se, então, que o conflito teria sido provocado por agentes infiltrados naquela manifestação. Sem perder tempo, o chefe de polícia acusou os comunistas pelo ocorrido. Era a senha para a deflagração de nova onda de repressão.
A sede do PCB foi fechada e vários de seus dirigentes presos. O jornalista comunista Amarílio Vasconcelos foi alvejado quando resistiu a uma tentativa de prisão. A polícia tentou invadir a casa de Prestes, Pomar e Amazonas. A casa de Marighella chegou a ser invadida e ali foram presas várias pessoas. Criava-se o clima para a cassação do registro do PCB.
Uma das principais justificativa para a cassação foi o conteúdo de uma declaração dada por Prestes numa palestra. Na ocasião, ele foi surpreendido com uma pergunta: Qual seria a posição dos comunistas caso o Brasil entrasse em guerra contra URSS? Prestes respondeu sem vacilar: “Faríamos como o povo da Resistência Francesa, o povo italiano, que se ergueram contra Petain e Mussolini.“, disse.

E continuou: “Combateríamos uma guerra imperialista contra a URSS e empunharíamos armas para fazer resistência em nossa Pátria, contra um governo desses, retrógrado, que quisesse a volta do fascismo.

Se algum Governo cometesse esse crime, nós, comunistas, lutaríamos pela transformação da guerra imperialista em guerra de libertação nacional”. Levantou-se uma grita reacionária contra tal declaração.

O deputado Barreto Pinto e advogado Himalaia Virgulino, ex-procurador do Tribunal de Segurança Nacional, entraram, em março de 1946, com uma denúncia no Tribunal Superior Eleitoral contra o PCB, afirmando que ele seria uma organização internacional orientada pela URSS.

Mais tarde em uma diligência na sede do Partido foram encontradas cópias de um projeto de reforma do estatuto partidário. Surgiu então a tese de que o PCB teria dois estatutos. Um formal (de fachada), registrado no cartório e no tribunal, e outro não registrado (ilegal), que, de fato, regeria a vida da organização.

A partir de argumentos esdrúxulos como estes, no dia 7 de maio de 1947, o Tribunal Superior Eleitoral, por 3 votos contra 2, decidiu pela cassação do registro do Partido Comunista do Brasil. No dia 10 de maio o Ministro da Justiça determinou o encerramento de suas atividades em todo território nacional. Imediatamente as sedes foram invadidas e fechadas pela polícia. Apesar da grave derrota política que havia sofrido, o Partido Comunista ainda mostraria sua força eleitoral nas eleições municipais que se seguiriam.

Entre os documentos apresentados para o pedido de cassação tinham nove anexos, um dos quais, de número quatro, era o dossiê da Secretaria de Segurança Pública / DOPS, sobre a greve feita no bloqueio aos navios espanhóis em 1946, com 62 folhas. E livros de Marx e Engels (“Manifesto Comunista” E Lênin (“O Estado e a Revolução” e “Duas táticas da Social Democracia na Revolução Democrática”)).

O socialismo da Terceira Internacional de Lênin teve, a partir daí, sua autodenominação reformulada para “comunismo”, pára não ser confundida com o que chamava de “oportunistas da Segunda Internacional” socialista, que admitia a existência da iniciativa privada, vide modelo hoje existentes na Europa. Antes, o Partido era Social-Democrata e o Manifesto Comunista de Marx e Engels assumira essa denominação.

O crescimento do PCB nas eleições desses anos em todos os níveis foi extraordinário, inclusive conquistando a maioria na Câmara em Santos. Seu candidato á Presidência da República, o engenheiro de águas Yedo Fiúza, obteve 800 mil votos e o terceiro lugar, fora os 14 deputados federais e estaduais e o senador Luiz Carlos Prestes. Eram todos cassados por serem integrantes de um Partido que havia sido cassado pouco antes. E era preciso, para a burguesia, fazer cessar o crescimento do PCB.

A declaração de extinção dos mandatos comunistas veio em 10 de janeiro de 1948, declarada pela Mesa da Câmara, em face do disposto no Artigo 23 da Lei nº. 211 de 7/1 – comunicada pelo Tribunal Superior Eleitoral como efetivada em sete de maio de 1947 com a cassação do registro do PCB nesta data. Assinam a declaração de extinção dos mandatos comunistas os deputados Samuel Duarte, Munhoz da Rocha, Getulio Moura e Jonas Correia.

Fundado em 25 de março de 1922, com seu extrato do Estatuto publicado no Diário Oficial número 81, de 7/4/1922, pagina 6.977, o PCB desfrutou da legalidade por apenas três meses e dez dias depois da fundação. Os comunistas foram declarados ilegais em 5/7/22, o que seria uma prática constante, resultante do temor da propagação de suas idéias.

E a teria novamente em 1945, pela Resolução 234, de 10/11, apenas até 7/5/1947 – período que reportamos, que vai até 1947. Neste ano, o registro do PCB seria cassado pela Resolução nº. 1841 do Tribunal Superior Eleitoral em sete de maio de 1947.

Antes, o PCB tentara legalizar-se em 1933 (seu pedido de registro foi recusado), sem sucesso, tendo comandado a grande Revolução da Aliança Nacional Libertadora de 1935. Se ele cresceu na legalidade, ainda mais na clandestinidade do Golpe Fascista de 1937. Conforme disse o senador Luiz Carlos Prestes em seu discurso de 26 de março de 1946, o PCB não temia a clandestinidade, o que fora de 1935 a 1945 – tendo saído de 3 a 4 mil membros para mais de cem mil e teve 800 mil votos.

Sob o império do Decreto Lei 7.586, de 28/5/1945, o PCB tentou novamente legalizar-se, o que fez em petição de 3/9/1945, reformando os Estatutos de agosto desse ano. Sua vida legal vai de março de 1922 a maio desse ano, conquistando a legalidade em maio de 1945 até 1947.

Em 29 de setembro desse ano o Diário de Justiça baixou a Resolução 213, pedindo informações e esclarecimentos sobre o Estatuto do PCB e com a Resolução 285 de 27/10/45, no voto do relator Sampaio Dória o Partido tem seu registro aceito, o que se concretizou pela Resolução 324 de 10/11/1945 com uma lista de 13 mil associados pedindo e obtendo o registro definitivo.

Era legal o PCB, até que em 23/3/1946, quatro meses e treze dias depois, foi pedida a cassação de seu registro, com base em algumas denúncias: o partido seria “uma organização internacional orientada pelo comunismo marxista-leninista da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas”.

O Partido era do Brasil e não “Brasileiro” no argumento contestado no processo por um dos desembargadores que votaram (e perderam) pela improcedência do pedido de cassação (F.Sá Filho), que “do Brasil” também era a Central do Brasil e a própria República Federativa do Brasil, nossa então denominação nacional.

Diz o texto da denúncia que em caso de guerra com a URSS, o Partido ficaria contra o Brasil, interpretação que se depreendeu de uma declaração de Prestes publicada pelo jornal “Hoje”, de 28 de abril de 1946, de que ficaria com A Rússia se o Brasil fizesse uma guerra para reimplantar o fascismo naquele país. E mais, que o Partido era estrangeiro (era “do Brasil” e não brasileiro) e estava a serviço da Rússia.

Participaram do julgamento que decidiu pela cassação do registro do PCB Os Ministros do Tribunal Superior Eleitoral Antonio Carlos Lafayette de Andrada, presidente; F.Sá Filho, relator, voto contrário do fechamento como Álvaro Moutinho Ribeiro da Costa. O voto do presidente foi favorável como dos ministros J.A. Nogueira (relator designado) e Cândido Lobo Rocha Lagoa.



XX

CAFÉ FILHO: NO DIA ANTERIOR À CASSAÇÃO, UM NÃO-COMUNISTA DENUNCIA O ATO ANTIDEMOCRÁTICO


Dizendo-se “depor para a história”, o discurso do então deputado Café Filho, que seria Presidente da República, em seis de janeiro - o dia anterior ao da cassação -, criticou a mobilização parlamentar efetuada no Senado federal, que trabalhou no Dia dos Santos Reis “para algo de relevante, algo de importante para o bem ou para o mal”, diz.

Para Café Filho, o projeto ”...que não tendo coisa alguma de útil aos destinos da pátria fere os mais comezinhos princípios de caridade cristã, porque cassando o exercício legítimo de uma função, arrebata o subsídio dos que, eleitos pelo povo como nós outros, perdem, por um ato de violência desta Câmara, a remuneração, que é o pão de seus filhos”.

E frisa ainda o deputado: “De onde vem e para onde vai o monstro que enfraquecerá a Câmara em sua popularidade e autoridade moral?”, destacando que poucos defenderam o projeto e ninguém respondeu que projeto era aquele, que não era um projeto em defesa das instituições democráticas nem a unidade da pátria, ou não teriam votado contra ele “...os maiores democratas desta Câmara”, asseverou.

FOI BARRETO PINTO

Café Filho conta que tudo se deu a partir de uma discussão do Senado Prestes com o deputado Barreto Pinto, o “anunciante do golpe de 37”, acusa, que ameaçou entrar com um pedido de cassação do PCB e o fez com auxílio do senhor Himalaia Virgolino, ex-procurador do Tribunal de Segurança. Algo que ninguém levou a sério, caracterizado como vingança pessoal, algo que o denunciante disse várias vezes ir retirar. Não o fez e o processo teve um curso demorado, sem que lhe fosse dada muita importância.

O Governo Dutra não apoiou inicialmente o projeto 900ª, o fez depois, manipulando forças ocultas, nas palavras de Café Filho, que compara a situação ao falso “Plano Cohen” (em que os comunistas planejavam supostamente tomar o poder) de 37 para justificar o golpe de inspiração nazi-fascista do “Estado Novo”.

“Hoje cassação de mandatos, amanhã estado-de-sítio, tudo para manter na ilegalidade o Partido Comunista, que fatalmente lutará contra ela”, disse, ao que emenda o comunista Pedro Pomar: “O PCB já está na ilegalidade“.

“Os comunistas de 35, 36 e 37 e os de hoje serão os mesmos”, segue dizendo Pomar. Ele lembra que em 1937 não havia deputados comunistas na Casa “e hoje há 16 e na próxima vez serão em número muito maior” – divergindo de Café Filho que afirma ter existido um comunista em 37, Otávio da Silveira. O que é negado por Pomar, que afirma que “só agora” ele havia ingressado no PCB.

Diante do apoio do Governo Dutra à cassação do PCB, os deputados comunistas lançaram-se então contra o presidente Dutra sob o slogan de “renúncia”, ao que respondeu o governo com a dita cassação. Para Café Filho, foi uma iniciativa pessoal de Barreto Pinto, dizendo que o governo “tinha entrado de pingente no bonde”. E que o projeto tinha dividido o PSD e a UDN de Eduardo Gomes, o Partido Republicano, assim como a Maçonaria Brasileira.

O deputado José Crispim intervém dizendo que o projeto era de inspiração norte-americana, que só nasceu quando os comunistas, “que haviam defendido a Constituinte, a FEB, patriotas, democratas, passaram a atacar os Estados Unidos”. As “forças conservadoras”, acusa Café Filho, “que o senhor Acurcio Torres pensa em liderar, ou seja, o grupo fascista, tomaram a iniciativa de lutar contra a legalidade do Partido Comunista”, proclamou, na crítica que faz ao “projeto totalitário”.

“O que vai esta Casa dizer à nação no dia 8 de janeiro de 1948”?, pergunta Café Filho, que antes responde a pergunta de Gregório Bezerra “para quem ficarão as vagas dos deputados comunistas” dizendo “esta é a parte mais feia da questão”. “O que a Câmara vai dizer é que cassou os mandatos dos deputados filiados à bancada comunista”.

Como escreve o historiador Augusto Buonicore, mestre em ciência política pela Unicamp, em publicação do portal “Vermelho”, do PC do B, na eleição para a Assembléia Nacional Constituinte no dia 13 de novembro de 1945 o Partido Comunista do Brasil (PCB) divulgou o seu programa.


XXI

SANTOS, DA “BARCELONA BRASILEIRA” À “CIDADE VERMELHA”


A cidade foi “Barcelona Brasileira” do início do século XX aos anos 20, depois “Cidade Vermelha” e “Moscou Brasileira”, designações que retratavam a predominância ideológica inicialmente dos anarcossindicalistas e depois dos comunistas por aqui, movimentos de contestação ao “status-quo” e ansioso por reformas sociais, na majoritariedade do elemento proletário e sua concentração no porto.

Isto ocasionou a evolução ideológica do conjunto através da mensagem, que foi pródiga em todos os momentos – leia-se nosso trabalho sobre a imprensa operária do período anarquista do início do século XX.

Santos foi um dos três principais centros da mobilização operária em seu primeiro momento após a derrubada da escravidão, no final do século XIX e primeiras décadas do século XX, até o esmagamento do sindicalismo livre e a implantação do sindicalismo oficial nos anos 30. Daqui partiram as mobilizações que criaram direitos nos portos de todo o país e em toda a legislação trabalhista que ajudou a criar, efetivando conquistas com intensa mobilização.

Nestes anos de crescimento do PCB, que a partir de 1945 era legalizado e que depois de cassado concorreu com a sigla PST nas eleições municipais de 1947, fez 14 dos 31 vereadores nesta cidader e teria feito prefeito o comunista Leonardo Roitman, líder portuário nascido em 19 de maio de 1917, falecido em 1983 após militar bravamente na Campanha da Anistia.

Roitman seria eleito prefeito não fosse a cassação da autonomia da cidade. Mas concorreria para vereador e seria o mais votado da história até hoje em Santos, com mais de duas vezes o cociente, hoje cerca de 30 mil votos – quando o recorde absoluito está por volta de 11 mil votos atribuídos ao líder sindical petebista José Gonçalves, em 1978.

Os vereadores eleitos pelo PST/PCB tiveram seus diplomas rasgados e apagados da história, no dia 7 de janeiro de 1947, junto com todos os eleitos pela legenda em todo o país, vereadores, deputados estaduais, federais e senadores – pois que a legenda do PCB tinha sido cassada no início do ano e eles haviam concorrido pelo PST.

Os resultados dessa atitude foram amplos, basta dizer que em São Paulo um candidato que não tinha sido eleito assumiu com a cassação dos comunistas. Tomou posse na vaga deles e se tornou prefeito, chegando rapidamente à Presidência da República, da qual renunciou. Seu nome é Jânio Quadros.

Associados aos planos de um futuro grandioso para o Brasil, sonhando com uma sociedade de paz e solidariedade, sem conflitos e com igualdade, os comunistas, no passado, tiveram em Santos os maiores momentos, neste tempo de expansão mundial, se comparados a outras cidades menos proletarizadas e sindicalizadas.

Bancada comunista de 1946
O PROGRAMA COMUNISTA DE 1946

Nele constava o direito do povo de cassar a qualquer momento o mandato de seus representantes; o voto aos analfabetos, soldados e marinheiros; “igualdade de direitos sem distinção de sexos, de religião, de raça e de nacionalidade; liberdade para todas as religiões e o ensino público efetivamente laico; juizes eleitos pelo povo e a justiça como serviço público e gratuito; poder executivo exercido por um Conselho de Ministro sob o controle de uma Assembléia de Representantes (...), a ela cabendo eleger o Presidente da República, sem poderes superiores ao dela; forças armadas submetidas à autoridade suprema da Assembléia de Representantes; distribuição gratuita aos camponeses sem terra, das grandes propriedades mal utilizadas, abandonadas e devolutas; nacionalização dos trustes e monopólios que pelo poderio econômico possam (...) ameaçar a independência nacional.
Poucos dias depois, o PCB lançou o engenheiro Yedo Fiuza como candidato à presidência da República. Ele concorreria com dois candidatos militares: o Marechal Dutra e o Brigadeiro Eduardo Gomes. Por isso, no seu manifesto eleitoral, os comunistas afirmariam: “Como Partido do proletariado e do povo, não podíamos concordar com as duas candidaturas militares que hoje disputam os sufrágios da Nação. O dilema Brigadeiro-Dutra não interessa ao povo (...) “

E continuava: “São candidaturas reacionárias que não asseguram de forma alguma a tranqüilidade e a atmosfera de confiança que tanto almeja a Nação. Ainda há poucos dias vimos como à sombra dos mais tolos pretextos os dois candidatos militares se uniram com os mais ferrenhos inimigos do povo para um golpe armado contra o governo constituído (...) o depunham porque dava passos cada vez mais acentuados no caminho da democracia”. Esta era uma referência à destituição de Vargas promovida pela cúpula militar, com o apoio das correntes liberais.”
Fiuza havia sido prefeito de Petrópolis e diretor do Departamento de Águas e Esgotos da Prefeitura do Rio de Janeiro. A própria indicação de um técnico pouco conhecido, e não comunista, para candidato à presidência da República estava ligada à tática do PCB de não criar qualquer perturbação nos meios políticos, que pudesse dar margem para novas manobras golpistas da direita.

Em entrevista recente, o dirigente comunista João Amazonas afirmou que “Yedo Fiuza era um homem de Getúlio (...) Prestes imaginava que através dele poderia atrair o apoio de massa do Getúlio para o candidato do Partido (...)”. Mas, poucos dias antes da eleição, Vargas desceu do muro e declarou seu apoio à candidatura do General Dutra, frustrando os planos de Prestes.

Mesmo assim o Partido Comunista teve uma expressiva votação. O seu candidato à presidência da República conquistou 569 mil votos, o que representava cerca de 10% do eleitorado. Prestes se elegeu senador pelo Distrito Federal. O Partido ainda elegeu 14 deputados federais.

Entre os eleitos estavam: João Amazonas, Maurício Grabóis, Joaquim Batista Neto, José Maria Crispim, Osvaldo Pacheco, Jorge Amado, Milton Cayres de Brito; Gregório Bezerra, Agostinho Dias de Oliveira; Alcedo Coutinho, Claudino José da Silva, Alcides Sabença, Carlos Marighela e Abílio Fernandes.

Em janeiro de 1946 a direção nacional do PCB divulgou um documento no qual afirmava: “Pelos resultados divulgados do pleito presidencial, está claramente assegurada a vitória do candidato (...) General Eurico Gaspar Dutra (...) não temos dúvidas quanto ao caráter tremendamente reacionário das forças políticas agrupadas por trás da força vencedora.

O próprio candidato é perfeitamente conhecido pela sua persistente solidariedade à mais negra reação do último decênio, esteio principal que foi da ditadura de 10 de Novembro (...)”. De fato, como suspeitavam os comunistas, o governo Dutra seria uma dos mais autoritários da nossa história.

Após a promulgação da nova Constituição, ocorrida em setembro de 1946, os comunistas se lançaram na campanha eleitoral para os governos e constituintes estaduais, eleições que ocorreram em janeiro de 1947. Nestas, o Partido Comunista obteve uma nova e expressiva vitória, elegendo 46 deputados em quinze estados e no Distrito Federal.

Nas eleições para as assembléias estaduais os comunistas elegeram 46 deputados em quinze Estados e no Distrito Federal. Em São Paulo elegeu 11 deputados, em Pernambuco, 9; no Rio de Janeiro, 6; no Rio Grande do Sul, 3. Na eleição suplementar para a Câmara Federal, realizada em São Paulo, foram eleitos ainda os dirigentes comunistas Pedro Pomar e Diógenes Arruda. Eles foram eleitos pela legenda do pequeno Partido Social Trabalhista. A bancada federal comunista passou a ter 16 deputados e um senador.



XXII


O DISCURSO DE
GREGÓRIO BEZERRA


A memória é de um valoroso comunista preso e arrastado pelas ruas de Recife após o Golpe Militar de 1964. A manifestação do deputado Gregório Bezerra na véspera da votação sobre a cassação do mandato dos representantes comunistas é um pedido para que o Brasil tivesse creches para mães solteiras. Falando sobre o Departamento Nacional da Criança, que estava sendo reorganizado, Bezerra grava um dos maiores documentos da história brasileira quando discorren sobre as misérias do povo e o milionário esforço parlamentar para se cassar “meia dúzia de comunistas”.

“As crianças nascem famintas, criam-se famintas e morrem tuberculosas, pela fome”, diz, destacando que este quadro não era conhecido apenas pela bancada comunista. “Mas o que se cogita aqui é cassar os comunistas – porque são eles que expõem perante a consciência da nação os quadros dolorosos que vive o nosso povo”.

“Se o Chefe da Nação fosse o presidente de todos os brasileiros, em seu partido majoritário que só tem infelicitado nossa pátria já teria feito alguma coisa em benefício da criança, da mulher pobre do país, das mães solteiras, criandop creches e berçários para os trabalhadores das fábricas”, manifestou-se. O então ainda deputado comunista lembra os que se manifestam hipocritamente em nome da “solidariedade cristã”, mas não assistem a estas necessitadas mães. “São falsos patriotas”.

Fala de um governo “tirânico e sanguinário, sempre disposto a gastar milhões de cruzeiros para preparar uma polícia assassina, criminosa, organizada no sentido de derramar o sangue do povo carioca nas praças públicas, de depredar jornais com suas máquiinas, e de fazer correr o sangue generoso dos operários gráficos e do pessoal das redações ” .

Acusa ele que para o governo a solução para o problema da fome e da miséria consiste em combater os comunistas casando-lhes o mandato. “Mas pode ficar certo o senhor general Dutra que contra a sua vontade e de seus auxiliares, nós voltaremos. Saímos empurrados pela reação, mas voltaremos conduzidos pelos braços do povo e do proletariado.

Ai sim a composição deste plenário não será mais esta de reacionários e parafascistas, mas de democratas, homens que desejam a felicidade e o crescimento do Brasil, procurando, por todos os meios, entregar nossa pátria aos brasileiros e não aos banqueiros internacionais dos Estados Unidos da América do Norte”.

“O Brasil tem dinheiro para importar caviar no exterior para agbradar o sr. Presidente Videla, também grande defensor dos americanos do norte! O Brasil tem dinheiro para gastar com este plenário, sem qualquer proveiro público e compreensãop patriótica, som,ente para preciupitar a aprovação deste famigerado projeto!”.

Segue discursando o deputado comunista dizendo que “compreendo que estes representantes reacionários e fascistas se sintam mal, neste plenário, ladoa lado com os representantes do partido Comunista do Brasil. Estes senhores não sabem o que é a desgraça do povo, o que é ganhar apenas 5 ou 6 cruzeiros por dia.

Nunca passaram fome, nunca tiveram seus filhos mortos pela tuberculose, pela fome, pela falta de um pingo de leite. Estes senhores só sabem falar pela linguagem dos tubarões dos lucros extraordinários, dos donos dos trustes e monopólios internacionais, exploradores do prolletariado de nossa pátria”.

”É por isso que esses senhores deputados se sentem mal ao lado dos representantes do proletariado e do povo, de homens que só vem á tribuna para dizer verdades. Sabemos que elas erem profundamente, mas firam a quem ferir nós a proclamaremos, porque os comunistas nunca tiveram compromissos com negociatas, com capitalistas, com latifundiários, com usineiros ou fazendeiros reacionários, nem com cultivadores de cacau na Bahia, com os exploradores dos miseráveis soldados da borracha no Pará e do Amazonas, com os impiedosos escravizadores de nossos irmãos nordestinos! Nosso compromisso é com a massa sofredora, com o povo que se acha sob o tacão da reação, povo cujo sangue generoso frequentemente é derramado em praça pública (...)”

Ele acusa o Presidente da República, “...que até hoje nada fez pelo Brasil, pois sua preocupação única é combater o Partido Comunista”.


XXIII

INFRAÇÕES AO DIREITO

Em 18 e 25 de maio de 1949 foi julgado o Mandado de Segurança dos deputados comunistas contra o ato da Mesa da Câmara que lhes retirou o mandato, assinando Abílil Fernandes, Agostinho Dias de Oliveira, Alcedo Coutinho, Carlos Marighella, Gervásio de Azevedo, Gregório Lourenço Bezerra, José Maria Crispim e Mauricio Grabois. Fizera parte da Mesa e votou contra a cassação o deputado Pedro Pomar.“

Declarara extintos os mandatos comunistas em face do disposto no Artigo 2º da Lei 211 de sete de janeiro de 1948 e em vista do ofício nº PR-o-38 de nove de janeiro de 1948, pelo qual o Tribunal Superior Eleitoral, nos termos do citado Artigo 2º, parágrafo único, comunicou haver cassado, em resolução de sete de maio de 1947, o registro do mencionado partido”.

Argumenta o Mandado de Segurança que a inconstitucionalidade do ato resulta da inconstitucionalidade da Lei nº 211 “...e o exame desse defeito cabe ao processo do presente mandado segundo o Artigo 85 do Regimento Interno do Tribunal e a doutrina sintetizada no aresto lapidar, inserto na Revista Forense, 113, pág.402”.

Citando o princípio “Todo poder emana do povo e em seu nome será exercido”, o Mandato lembra que a lei coloca nas mãos dos partidos políticos. E a exztinção do mandato parlamentasr, disposta no Artigo 48 da Constituição, precinde de interpretações ampliativas, como estabelece a Lei 211, que ofende assim o Artigo 2º, Parágrafo 1º, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias.

Salienta o Mandado que no Artigo 38 da Constituição não se exige do candidato filiação partidária, do que decorre que ele não é representante do partido, mas do povo. A lei fere ainda o direito adquirido, do ato jurídico perfeito e da coiisa julgada (Art. 141, Parágrafo 3º). Eleitos e diplomados, os titulares se tornam titulares de um direito irrevogável. A lei incriminada prejudicou a peroclamação da Justiça Eleitoral, atingindo a coisa julgada.


XXIV


O BOICOTE AOS NAVIOS
ESPANHÓIS EM SANTOS


No ritmo de crescimento acelerado dos comunistas em Santos em 1946, ocorreria aqui o boicote ao carregamento aos navios espanhóis, país que havia sido vítima de um golpe fascista contra a República dado pelo Generalíssimo Francisco Franco, com apoio das quatro grandes forças da direita espanhola e inclusive de Adolf Hitler – em face da influência de socialistas, comunistas e anarquistas no comando político republicano daquele país, que em Santos tinha o segundo maior contingente de imigração depois dos portugueses.

A Federação Sindical Mundial havia determinado o boicote e este se fez contra o navio “Cabo Prior”, que carregava 3.075 barris de azeitonas e ancorou no Armazém 20 no dia nove de março. Desembarcaram no porto cem bombeiros de São Paulo no dia 11, sob o comando do coronel Índio do Brasil, onde foram recebidos pelo Capitão dos Portos, Comandante Bezerra Cavalcanti e pelo Delegado Auxiliar da cidade, Afonso Celso de Paula Lima. Junto com eles estavam 40 homens do 6º BC e um Grupo de Choque da Polícia Especial, que montaram uma metralhadora diante do navio.

A defesa da continuidade do movimento foi feita de maneira enfática por José Felix da Silva no Centro dos Estivadores de Santos no dia 11 de março, na entidade que enviou dois telegramas, um as Presidência da República e outro à Assembléia Nacional Constituinte pedindo rompimento com a Espanha em função de seu regime político que se assemelhava aquele derrubado na recente guerra mundial em que o Brasil esteve envolvido, o nazi-fascismo.

A Comissão de vinte trabalhadores que foi comunicar o boicote ao DOPS foi imediatamente presa e no dia seguinte o porto arou, com mais de mil e quinhentos estivadores deixando de operar. O poro foi ocupado pela Força Pública e pela Marinha e fura-greves foram chamados, e o Sindicato dos Estivadores, reaberto em 1943, foi fechado outra vez, assim como a União Geral dos Trabalhadores de Santos.



XXV

PERSONAGENS

OS ESTIVADORES PRESOS

Expressivos militantes do PCB foram presos neste evento:
Domingos Antonio, Coralio de Castro Pereiro, Abelardo José Gomes, Antonio de Lima, Aloísio Soares de Vasconcelos, Antonio Moura, Arcelino Salviano, Ayres Antonio de Oliveira, Belarmino Coelho, Carlos Matos Costelas, Deoclécio Augusto Santana, Diamantino Guedes Coelho, Waldemar Saldanha Guimarães, Manoel Justo Ribeiro, Manoel Duarte Ribeiro Junior, Leonardo Roitmann, José Reinaldo Cimei, José Maria, José Gonzalez Vila Verde, José Lima Campos Filho, José Bezerra Cavalcanti Albuquerque, João Taibo Cadórniga e Francisco Rodrigues Garcez – entre outros 500 trabalhadores.
PERSONAGENS

FELIX E VELOSO

Entrevistamos os então eleitos vereadores comunistas na época da entrevista ainda entre nós - os estivadores e pernambucanos José Félix da Silva e Manoel Dias Veloso, desaparecidos já passados dos 80 anos. Félix tinha 80 em janeiro de 1998, teria 89; Félix, que discursou na diplomação dos vereadores, em 2 de novembro de 1947, antes da cassação. Revolucionário de 1935, teria 95 anos, tinha 86 em janeiro de 1998.

Preso na mobilização da campanha “O petróleo é nosso” -, Felix, então bem de saúde, falante como dantes, foi um dos mais votados da legenda. Morava em Jardinópolis, São Paulo. Felix é de Petrolina e Veloso de Águas Belas, perto de Garanhuns, Pernambuco. Veloso recebeu o titulo de Cidadão Santista, em 1995, oferecido pelo vereador Altino Dantas. Estava quase cego e com a saúde precária. Revolucionário de 32, passou quatro anos no presídio Maria Zélia, em São Paulo. Foi diretor do Sindicato dos Estivadores entre 1943 e 1945. Vivia em Santos.

Apenas com forte aparato repressivo foi que em junho se voltou a operar navios espanhóis, com fuzileiros navais e cavalaria presente. Os estivadores desembarcaram o navio “Aldecoa” e o deputado comunista Jorge Amado esteve aqui pronunciando discurso, como conta o livro de Claudia Virginia Duarte Fonseca “Pátria Vermelha”, na página 73.



XXVI

PERSONAGEM

CORÁLIO

Coralio de Castro Pereiro foi um militante de uma época obscura e brilhante, que não podemos esquecer sob pena de atravessarmos de novo estes tempos difíceis. Era um dos “Candidatos do Prestes”, integrante da chapa de vereadores comunistas que disputou e venceu as eleições municipais de 15 de novembro de 1947 em Santos, elegendo a maioria de 14 dos 31 integrantes daquela Casa Legislativa.

Corálio participou do boicote aos navios de Franco em 1946 e foi preso por isso no dia 3 de abril de 1946 em sua casa, no aniversário de sua cunhada Maria, como conta sua esposa Irmã - já com 89 anos e moradora ainda na Avenida Bernardino de Campos, Canal 2.

Corálio se queixava de que todos tinham sido obrigados a fazer campanha para Leonardo Roitman, companheiro de legenda que não havia sido candidato a prefeito por terem cassado a autonomia da cidade e que terminou sendo o mais votado. Seus parentes, que sofreram os efeitos da atitude do nosso personagem, se recusaram a permitir que sua esposa desse depoimentos ou fornecer qualquer documento a respeito.



XXVII

PERSONAGEM

ALOÍSIO

Aloísio Soares de Vasconcelos, outro candidato, falecido já passado dos 90 anos, é outro santista ilustre porque candidato das eleições rasgadas pelo arbítrio de uma falsa democracia, de uma história aceita e consagrada que não está nos livros – mas que faz parte de nossa trajetória, a trajetória de lutas e sacrifícios do Partido Comunista Brasileiro. Ele também esteve como Ripasarti, na greve aos navios espanhóis.

Aloísio Soares de Vasconcelos nasceu em 1912 e foi diretor do Sindicato dos Estivadores, candidato a vereador pelo PST em 1947, legenda que abrigava os integrantes do extinto PCB-Partido Comunista Brasileiro.

Nasceu em Camocin, Ceará, e sua esposa se chamava Julieta Dionísio de Vasconcelos. Conta que foi jogador de futebol do Clube Atlético Santista, que para quem não sabe tinha um time de futebol que disputava campeonatos pela liga, tendo abandonado o esporte.

Aloísio é pai de Raimundo Antonio de Vasconcelos. Ele fez já fez parte de uma Santos que não existe mais – foi jogador de futebol do time do Clube Atlético Santista, que disputou campeonatos oficiais.

Aloísio esteve no navio Raul Soares como defensor das causas populares, junto com todos aqueles que defendiam os direitos do povo em 1964, foi diretor do glorioso Sindicato dos Estivadores de tantas lutas e conquistas que irradiou para os portos do país.

Membro da Célula Comunista da Estiva, que de tão grande foi transformada em Comitê, seu trabalho se somou ao de milhares para fazer não apenas o PCB o Partido mais votado da cidade, mas para fazer o vereador que mais votos recebeu na história de Santos, Leonardo Roitman de saudosa memória, aquele que não deixaram ser prefeito, pois que cassaram a autonomia de Santos nestes tempos tristes e opressivos do General Dutra.

Aloísio foi membro dessa heróica epopéia de 1947, que fez mais de 800 mil votos para seu candidato Yedo Fiúza nas eleições de 1946 para presidente da República, o terceiro mais votado do pais. Que fez Oswaldo Pacheco da Silva deputado estadual, que fez Prestes senador. Que elegeu Gentil Nunes vereador em Guarujá, que fez a história da democracia no Brasil.



XXVIII

O PETRÓLEO E O PCB


Mas o momento da legalidade do PCB era o da contribuição para que o país se tornasse forte para sua gente: esse era o momento da luta “O Petróleo é nosso”, então assumida pelo PCB e levada desde os anos 30, rigidamente proibida em nome de interesses estrangeiros que queriam o monopólio da venda, mantendo o subsolo brasileiro como reserva futura. Que venceria para criar a PETROBRÁS em 1954, na Lei de 1953, e 52 anos depois atingir a auto-suficiência no combustível. Trazemos seus documentos.

A palavra de ordem “O Petróleo é nosso” eclodiu em cada canto do país como bandeira da redenção nacional em todas as classes sociais, também como eixo central das forças de esquerda mesmo depois de sua colocação na ilegalidade após 1947. O ideal marxista se projetava desde 1918, na “União Maximalista” e em 1921, no “Movimento Comunista”, até a fundação do PCB em 1922 filiado à Associação Internacional dos Trabalhadores fundada em 1868.

Crescia a consciência de que o país só se afirmaria econômica e socialmente caso pudesse romper com as alianças coloniais que se arrastava desde a descoberta. E a chance para autonomia para a construção de uma sociedade justa e solidária se abria com a posse do petróleo guardado no subsolo – o que a direita, sob as ordens do “guardião anticomunista” dos Estados Unidos queria manter.

A luta popular pelo petróleo brasileiro foi uma das maiores batalhas populares do país, mobilizando milhares de brasileiros pela posse de sua própria riqueza, no maior movimento popular ocorrido em território pátrio. A meta era a da construção de um país livre das pressões e explorações internacionais. Reuniu trabalhadores, intelectuais e militantes sociais.

Desde 1934, quando foi instalada uma refinaria em Uruguaiana, no Rio Grande do Sul, que intensas pressões norte-americanas impediam que o petróleo fosse procurado e explorado por aqui, já que boa parte do dinheiro brasileiro ia comprar o petróleo deles, além da necessidade estratégica de manter oculto o “ouro negro” nacional, reservas para o futuro. Escolhido para o lugar de Getulio Vargas após sua derrubada em 45, apoiado por ele, o General Eurico Gaspar Dutra era “linha dura” anticomunista e pró-imperialista.

Foi Dutra que, em 1947, encomendou sondas e perfuradoras para continuar a exploração petrolífera, mas é “convencido” por seus aliados norte-americanos a desfazer a encomenda e a reprimir com violência os defensores da exploração petrolífera no Brasil.



XXIX

OS COMUNISTAS NO
BRASIL E NO MUNDO

Pouco tempo após a revolução russa de 1917, organizou-se em Porto Alegre, por volta de 1918, o primeiro agrupamento comunista no Brasil sob a denominação de “União Maximalista”. Depois de tentativas frustradas, constituiu-se no Rio, em 1921, o Grupo Comunista, que, no ano seguinte, passou a editar a revista mensal Movimento Comunista.
Fundou-se nesse ano de 1922 o Partido Comunista do Brasil, filiado à Internacional Comunista (IC) e tendo como seu órgão aquela revista. Em 1926, constituiu-se o Bloco Operário Camponês, que concorreu às eleições e chegou a eleger intendentes ao Conselho Municipal do Distrito Federal.
Os comunistas tiveram participações em congressos internacionais, ligações com o Profintern (Sindical Internacional Vermelha) e o Kornsonel (Juventude Comunista), criações de sociedades secretas aqui e em São Paulo, instalações de escolas de propaganda, foram processos de que se utilizaram os líderes comunistas para a disseminação da sua ideologia.
Em 1933, o PCB tentou, mas não conseguiu legalizar-se. Com adoção da tática das frentes populares, que teria sido recomendada pelo VII Congresso da IC, para cujo presidência de seu comitê executivo foi eleito Luiz Carlos Prestes, foi aqui criada, em 1935, a Aliança Nacional Libertadora.

Terminada a Segunda Guerra Mundial, em que a nação que fizera a sua Revolução Socialista em 1917 dava o maior número de vítimas para a vitória contra Hitler ao lado dos aliados Estados Unidos, França e Inglaterra, a União Soviética com seus vinte milhões de mortos, projetava mundialmente sua ideologia coletivista que se colocava diante de uma nação semi-feudal como a Rússia czarista.

Era a idéia de uma sociedade solidária q2ue se expandia pelo mundo, baseada nas idéias de Marx e Engels do socialismo econômico e do comunismo filosófico, que no Brasil fazia crescer o Partido Comunista. Nas eleições presidenciais brasileiras de 1946 o PCB faria dez por cento dos votos, impressionando pelo desempenho e assustando a burguesia. Cassado em nome da “guerra fria” que se estabelecia entre EUA e URSS, em 1947, esse curto verão vermelho tem importantes anotações em Santos, área de grandes lutas e conquistas.

Nas eleições de 2/12/1945 no Brasil o PCB havia elegido um senador (Prestes) e catorze deputados. Eram eles Carlos Marighella, Francisco Gomes, João Amazonas de Souza Pedroso, Mauricio Grabois, Agostinho Dias de Oliveira, Alcedo de Morais Coutinho, Gregório Lourenço Bezerra, Abílio Fernandes, Claudino José da Silva, Henrique Cordeiro Oest, Gervásio Gomes de Azevedo, Jorge Amado, José Maria Crispim e o líder estivador santista Oswaldo Pacheco da Silva.



XXX
OLGA, PRESTES E O BRASIL: O CHURRASCO COM PRESTES
Em uma das vindas do herói Luiz Carlos Prestes a Santos, nos anos 80, tive a oportunidade de conversar com ele algumas horas em uma churrascaria de Praia Grande, onde fomos acompanhar e festejar entre nós, após a palestra no Teatro Independência, o “Cavaleiro da Esperança” que Jorge Amado dedicara um livro. E tive a oportunidade de fazer-lhe pessoalmente a pergunta de como pudera apoiar Vargas em 50, após ele ter mandado a sua Olga para a GESTAPO nazista, assassinada em 1942.
“O que estava em jogo era o Brasil – disse-me ele -, não era o Prestes que, disse-me. Na ocasião, tinha então 88 anos (“ oito, oito”, falava-me, entre curtas dormitadas durante o churrasco). “E o Brasil naquele momento precisava de Vargas, para não voltar às mãos da reação”.
Era uma visão de futuro, coletiva e lúcida, livre do egoísmo burguês e digna de um comunista do porte de Prestes, que dera sua vida pelas maiorias. Em determinados momentos, Vargas abraçou as causas populares, pois o populismo nada mais é do que a ampliação da base popular da oligarquia, que supera. Não é o socialismo e nem o comunismo, mas um caminho. Há informações, também, de que a autorização para a deportação pedida pela Alemanha foi concedida pelo STF por 3 a 2, não tendoi Getulio atuado na concessão.
Olga, militante comunista alemã designada para dar segurança a Prestes, presa com ele após a tentativa fracassada da Revolução, quando foi obrigada a embarcar no “La Coruna” rumo à Alemanha, estava grávida de Prestes. No ventre, sua Anita Leocádia, nascida em 1936 no campo de concentração de Ravensbruck, Alemanha, exatamente um ano depois da Revolução que o Brasil perdeu, em 27 de novembro – com todo o significado desta geração.
Uma campanha mundial pela libertação de Olga foi feita com entusiasmo a partir da mãe de Prestes, dona Leocádia. Era a heroína da Juventude Comunista Internacional (“KIM”) que foi designada para dar segurança a Prestes na vinda para o Brasil, para promover a Revolução que o Brasil perdeu. Prestes se foi em sete de março de 1990 e seu nome está gravado na maior frente popular revolucionária que o Brasil teve em sua história.

A direita costuma contra-argumentar sobre a tese da evolução social frutificada do movimento comunista mundial, dizendo que Bismarck, o chanceler alemão, já introduzira uma legislação social no fim do século XIX, por volta de 1887. Desconhece que o ato de Bismarck foi uma tentativa de reduzir as vitórias eleitorais crescentes, dos comunistas, então - o que apenas confirma a tese.


XXXI

MONTEIRO LOBATO


Lá se vão 51 anos desde que Monteiro Lobato nos deixou, registrados em quatro de julho. Nascido a 18 de abril de 1882, em Taubaté, seu nome era José Renato. Mudou para José Bento por causa de uma bengala do pai, com as iniciais JBML. Foi este Juca que introduziria a literatura infantil de raízes brasileiras no país, que resgataria o petróleo latente e inedescoberto no solo pátrio, exemplo de atuação e patriotismo este Lobato - que, aliás, era o nome da cidade em que se descobriu o petróleo pelo que ele tanto lutou.

Lobato não era comunista, pragmático como quando em 1922 foi contra a Semana de Arte Moderna porque esta não adotou os personagens folclóricos como símbolo da brasilidade que se pretendia instalar. Escreveu o historiador Augusto Buonicore: “o escritor Monteiro Lobato se aproximou do Partido Comunista apoiando Prestes para o senado e votando nos candidatos comunistas para a Câmara dos Deputados e Assembléia Legislativa”. Publicou um folheto popular defendendo o “Cavaleiro da Esperança”, intitulado O “Zé Brasil”.
Lobato bate-se contra a ditadura de Artur Bernardes, contra a ditadura de Getúlio Vargas sendo um ativista ferrenho na defesa do voto secreto. Quando em 1936 lança O escândalo do petróleo já vinha de anos a sua luta pelo petróleo e por sua exploração e produção nacionais.
Ele próprio, em 1931, criara a Companhia Petróleos do Brasil, que no seu lançamento teve metade das ações subscritas em quatro dias, conseguindo, enfim, que em 1936, a sonda de Alagoas, de sua empresa, depois de ser interditada por intervenção federal, fizesse jorrar, a 250 metros de profundidade no poço São João, de Riacho Doce, o primeiro jato de gás de petróleo.
Lobato escreve cartas a Getúlio, milita na imprensa, faz palestras e conferências, viaja aos EUA, conhece e aprende as novas técnicas e metodologias de exploração e de produção do petróleo, batalha pela exploração do ferro por empresas brasileiras, exige políticas de proteção, de investimento e de desenvolvimento para exploração das riquezas escondidas no solo, até que é preso em 1941, em São Paulo sob a acusação de querer, com seus escritos e o seu persistente ativismo, desmoralizar, o Conselho Nacional do Petróleo.
A sua atuação, a força de suas análises e opiniões, o respeito nacional e internacional de que gozam o homem e o autor acabam por inspirar tanto os partidos de esquerda como os movimentos sociais que viriam pôr na rua, no começo dos anos 1950, a grande campanha nacionalista de defesa do petróleo.
Autor festejado, editor de sucesso, empresário polêmico, nacionalista ousado, teve uma política institucional tão grande quanto sua literatura. Inimigo das ditaduras de Bernardes à Vargas, defensor do voto secreto, era formado em Direito, teve como tutor o avô Visconde de Tremembé, pois os pais morreram quando ele era adolescente. Denunciou as queimadas em 1914 e criou o Jeca Tatú, símbolo do caipira abandonado ao seu atraso e miséria pelo governo, escrevendo no jornal O Estado de São Paulo.

Dono da maior editora de livros do país, que faliu na crise energética e nos conflitos com o presidente Artur Bernardes, foi adido comercial em Nova Iorque, de 1927 a 1931 - de onde voltou disposto a investir na produção de ferro e petróleo. Para ele, o único caminho para transformar o Brasil em potência.

Lobato percorreu o país falando ao povo e descobrindo petróleo, mas esbarrava na influência dos estrangeiros que insistiam em negá-lo. Defensor da exploração brasileira dos minérios, atacou em carta a política brasileira no setor, com graves acusações ao presidente, motivo pelo qual foi preso por três meses em 1941. Logo deixou de escrever para os adultos e voltou-se ao público infantil, com igual genialidade.

Autor de Cidades Mortas (1919), As reinações de Narizinho (1931), Emília no país da gramática (1934) e A chave do tamanho (1942), denunciou a cobiça internacional do petróleo brasileiro em O escândalo do petróleo e do ferro, em 1936, que explica sua luta para afirmação do petróleo brasileiro que venceu com a fundação da Petrobrás em 1954.

O petróleo que surgiu no país pela primeira vez há 60 anos, em 1939, ocorreu em uma cidade chamada Lobato, que ele previu dois anos antes, inclusive definindo nominalmente o local, no livro O poço do Visconde, um de seus personagens infantis, em 1937.

Foi em 22 de janeiro de 1939 que o petróleo anunciado por Lobato brotou de madrugada, após interrompida a prospecção, na cidade de Lobato, na Bahia, em incrível coincidência. São violentas as revelações e demonstrações do livro O escândalo do petróleo e do ferro, relato da luta de dez anos a que ele deu sua vida e da que saiu arrasado, porém vencedor.

Editado em 1936, teve como subtítulo Depoimentos apresentados à comissão de inquérito sobre o petróleo, narrando as manobras da Standard Oil Company para dominar o setor, na luta entre Inglaterra e Estados Unidos para dominá-lo, seiva da vida moderna que se provou. Lobato conta seus mártires, os que ousaram descobrir o petróleo em terras brasileiras, como o alemão Bach, em 1918, “afogado” dias depois de proclamá-lo. Ou o “suicídio” de Pinto Martins, que seguiu suas descobertas, entre outros narrados na obra deste que antecipou verdades.

Não há de se deixar de considerar que ele era partidário de soluções privadas e não estatais, defensor da ajuda do governo para prospecção e da venda de ações para ajudar as empresas a desenvolver o negócio que dava tanto dinheiro nos Estados Unidos desde logo após a descoberta do petróleo.

Diz-se que ele queria explorar a bacia terrestre de Santos – não seria a Bacia de Todos os Santos, na Bahia? -, sem nunca ter cogitado a exploração no mar, de onde brotou boa parte do “ouro negro”. Como publica o jornal O Estado de S. Paulo, 21/4/2006:

“Com uma área de 523 mil hectares, a Companhia Mato-Grossense seguia a pleno vapor”. Em março de 1938, Lobato escreve a Getúlio Vargas que se preparava para assinar uma nova legislação regulando as riquezas minerais. Nas cartas, ele reiterava que o Código de Minas, tornando sem efeito registros de jazidas selados conforme as regras anteriores - e sobre cujas bases se haviam erguido os negócios nacionais do setor -, abalaria os empreendimentos.
Ainda assim, Lobato abriu outra frente em Porto Esperança, Mato Grosso. Enquanto isso, continuava enviando mensagens tanto ao ditador Vargas quanto ao general Horta Barbosa, presidente do Conselho Nacional do Petróleo.
O enfrentamento com a cúpula do Estado Novo culminou na sua detenção em 1941 e na liquidação das suas companhias. "Depois que me vi condenado a seis meses de prisão, e posto numa cadeia de assassinos e ladrões só porque teimei demais em dar petróleo à minha terra, morri um bom pedaço na alma."
Com a redemocratização em 1945 e a retomada dos investimentos no pós-guerra, a questão energética voltou a mobilizar a opinião pública. O Centro de Estudos e Defesa do Petróleo, fundado com o apoio da UNE, encampou as bandeiras do escritor, lançando a palavra de ordem de "O Petróleo É Nosso". A intensa participação popular fez cair o projeto de Estatuto do Petróleo, favorável à ação irrestrita das multinacionais.
Ponto para Lobato, um nacionalista não xenófobo para quem a entrada do capital estrangeiro no negócio do petróleo era bem-vinda, desde que mantida a soberania e o controle em mãos brasileiras.
O ideário de Lobato, condensado na conferência proferida na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, sairia em O Estado de S. Paulo no dia 30 de setembro de 1947. "O fato de haver petróleo no Brasil não quer dizer que nos pertença. Perguntem àquela pobre gente do Iraque de quem é o petróleo deles.
“A propriedade de petróleo nada tem que ver com a nacionalidade dos bichinhos humanos que, como formigas, moram em cima do chão debaixo do qual o petróleo está.” E como se estivesse assistindo ao desenrolar dos acontecimentos geopolíticos do século 21, completou: "O chão é dos bichinhos, mas o que está no subsolo é de quem pode."
Na mesma ocasião, referiu-se à ineficiência das estatais da época e creditou a falência de suas empresas aos atos arbitrários do Estado Novo, denunciando: "O Conselho Nacional do Petróleo foi a Santa Inquisição que matou na forca, na fogueira, no garrote, todas as nossas tentativas de tirar petróleo. Foi criado exatamente para isso, e cumpriu muito bem a sua missão”: todas as companhias nacionais de petróleo foram trucidadas."
De volta ao poder pelo voto popular, Getúlio Vargas sancionou a Lei 2004 em 3 de outubro de 1953, cinco anos após a morte do escritor, criando a Petrobras. Transformada na maior empresa do País e entre as principais do mundo no setor, ela materializa o sonho de um escritor-cidadão que ousou acreditar na nossa auto-suficiência em matéria-prima combustível.
Marcia Camargos (camargos@plugnet.com.br) e Vladimir Sacchetta (sacchett@plugnet.com.br), diretor de conteúdos deste sítio eletrônico, são autores de Monteiro Lobato: Furacão na Botocúndia (Ed. Senac), ganhador dos prêmios Jabuti/Ensaio e Biografia e Livro do Ano/Não Ficção de 1998.
Publicado em O ESTADO DE S. PAULO, 30 de abril de 2006
Ele investiu o dinheiro que tinha e o que não tinha. Nas lembranças da neta Joyce, um talentoso contador de histórias dedicado ao sonho de um País independente.
A arquiteta Joyce Campos Kornbluh, 76 anos, passou a infância e parte da juventude ao lado do avô Monteiro Lobato, no bairro da Aclimação, em São Paulo. Única criança da família nos anos 30, ganhou toda a atenção do parente ilustre. "Vovô Juca era um homem muito sério, que passava o dia às voltas com livros e reuniões de negócios, mas sempre dava um jeito de contar histórias e falar de seus personagens", diz Joyce. Juca era o apelido do escritor no ambiente familiar.
Lobato, que durante anos escreveu para o Estado (foi no jornal que popularizou o personagem Jeca Tatu), tinha uma rotina de trabalho impressionante. "Ele dormia às 11 horas da noite e acordava às 3 horas da manhã para escrever", diz Joyce. "Ficava datilogrando até 10 horas da manhã e depois ia para o centro da cidade tocar a vida."Quando Joyce tentava entrar no escritório em que Lobato escrevia, era "ameaçada" com uma brincadeira.
O escritor dizia que vivia ali, dentro de uma garrafa, um saci-pererê. Se a garota entrasse, o saci sairia do esconderijo. A obstinação do escritor pelos negócios e pelo petróleo está viva na memória da neta. "Ele falava de petróleo o tempo todo", diz Joyce. Ela não guarda lembranças positivas desse período. "Vovô perdeu com o petróleo todo o dinheiro que tinha e o que não tinha inclusive o de amigos".
Para sobreviver, Lobato começou a fazer traduções. A situação ficou pior quando ele foi preso. "A família enfrentou imensas dificuldades financeiras." A família inteira começou a trabalhar. "Até vovó começou a fazer traduções, que depois ele revisava", lembra a neta. Segundo ela, Lobato morreu pobre. Tudo o que ganhou com os livros acabou investindo em projetos empresariais.
Além de Joyce, o escritor teve outro neto, o “marchand” Rodrigo Monteiro Lobato. Aos 67 anos e com o peso do sobrenome do escritor, Rodrigo lamenta não ter convivido com o avô. Seu pai Edgard morreu de tuberculose aos 32 anos, deixando um grande vazio na vida de Lobato.
"Morei em Tremembé a infância toda, enquando vovô estava em São Paulo", diz Rodrigo. "Infelizmente, não tive o prazer de conhecer essa gigantesca figura brasileira." Hoje os herdeiros enfrentam uma desgastante batalha jurídica com a editora Brasiliense, que detém os direitos autorais de Lobato desde 1945.

XXXII

CONCLUSÃO


Mais de uma vez o Brasil esteve sujeito a perder sua rota de grande nação em função de preconceitos lançados à crença popular e disseminados à larga para infiltrar-se na psique da população à guisa de interesses econômicops colonialistas. Assim como se instalaram pensamentos odiosos em relação à nacionalidades e raças, como no caso da Alemanha e do holocausto em 39/45,a a aversão aos comunistas e ao comunismo foi objeto de cuidadosa construção ideológica.

Isto se fez por força de contraditórios de caráter econômico oferecidos pelo capital, na defesa da continuidade do regime de exploração do homem pelo homem e da afirmação da mais-valia, em que os trabalhadores auxiliam na multiplicação dos recursos econômicos recebendo como paga um centésimo do que produzem.

O anticomunismo que serviria a Hitler serviu a Vargas em 1937, quando este instalou o “Estado Novo” sob argumento de um falso “Plano Cohen” em que os comunistas pretendiam tomar o poder. E instituiria um modelo nazi-fascista sem partidos, parlamentos, leis, forte e controlado. Vargas elogiava em discursos o “novo mundo” que surgia na Alemanha, no regime que se instalava para extirpar o socialismo que surgia.

Serviria em 1964 no Brasil para conter a “ameaça” de uma “República Sindicalista”. Na época sobre a qual discorremos, no embate entre os grupos nacionalistas e privatistas foi lançada esta pecha, já que os comunistas apoiavam a luta do petróleo. Ativos na organização popular, os comunistas mobilizaram o país nessa batalha e lograram derrubar o preconceito na clareza de sua pregação.

É uma lição nestes tempos em que as potências lançam olhos guerreiros para as nações que tem petróleo, dispostas a invadi-las, como fizeram para expandir seus metrcados nos séculos XV e XVI, na propagação do eurocentrismo destruidor de culturas e espécies humanas, matando índios e promovendo a escravidão em um espetáculo de barbárie como os que justificam seus interesses até hoje.

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