domingo, 20 de julho de 2008

LIBERDADE DE MATAR - II

Liberdade de Matar - II

Paulo Matos

Porque proibir a propaganda de bebidas alcoólicas? Ora, diriam os seus defensores e dos lucros, "porque o alcóol só é danoso para quem o utiliza de maneira irresponsável". É não, diria a gente, porque o que ele causa de desgraça é infinito! Olha, como dizia o Rousseau, na sociedade primitiva o homem vivia em estado de natureza, sem controle ou leis. Isso proporcionava amplos direitos ao indivíduo, mas liberava aos demais a invasão deles, restringindo-os. Você podia fazer o que quiser desde que os outros mais fortes deixassem. Antigamente, era a "Lei da Selva". Na sociedade organizada, por razões de auto-preservação, era preciso instituir um contrato social. Em que o homem perdia a liberdade natural, mas ganhava a liberdade civil - delimitando os espaços da liberdade de cada um, para que ela possa ser exercida. E é nisso que a gente entra, porque não podemos deixar que um povo inteiro receba a mensagem venenosa sob uma capa colorida.Em nossa sociedade, construída na base do contrato ou pacto social, uns com os outros, os direitos de liberdade são relativos. São limitados e condicionados pelo estado, em nome de seus representados -, que deve proteger e garantir a vida e seu exercício. Pedra angular da democracia, como a definiu Aristóteles, é positivo o direito à liberdade enquanto faculdade individual de autodeterminação, mas irracional quando permite a aniquilação do outro. Quando a liberdade é atacada pelo estímulo aos valores negativos - como ao uso do alcóol, entre outras prazeres mortais - como valorizam hedonistas qualitativos, que defendem o prazer mas o qualificam, como John Stuart Mill.Princípio e fim da democracia, a liberdade traz o ônus das limitações. É negativa quando depende da abstenção do estado. Não intervindo, por exemplo, nas manifestações do pensamento, garantindo-se, por decorrência, o seu exercício. Ela é absoluta, sim, mas sua manifestação é ato exterior, que entra no mundo jurídico. E, portanto, está sujeita à função disciplinadora do estado, do qual exige-se a proteção coletiva - que não pode eliminar sua essência - a de defender a população. Mas há plenas condições de identificar e separar a livre manifestação e o implante de idéias e hábitos lucrativos para multinacionais impessoais, sociedades anônimas, na razão democrática da sociedade organizada. Para Pontes de Miranda, liberdade absoluta supõe a unicidade do ser livre. E nessa perspectiva, nem Deus seria livre, porque criou as leis do universo, denotando sua relatividade social. Na sociedade moderna, com o desenvolvimento de canais de comunicação poderosos e capazes de dirigir hábitos, culturas e processos sociais sob o controle de pequenos grupos - através da televisão, do rádio, do cinema, dos patrocínios esportivos, da pressão psicológica constante e perseverante sobre os cidadãos -, torpedeia-se o livre pensar. Condicionam-se ações, corrompe-se e degrada-se a sociedade com um prazer não moral, porque de conseqüências más. Expoente liberal, John Locke demonstrou que o estado tem por finalidade defender os direitos humanos - não intervindo na ordem social senão para regulamentar as relações externas da vida do homem em sociedade. Para ele, o homem permanece com o seu direito natural, cumprindo ao estado garantir-lhes o exercício. Locke, como Spinosa, refuta a concepção de Hobbes do contratualismo, para quem ao estado de natureza original contrapunha-se o estado de guerra. Racionalizando-o, afirmando sua razão de que a sociedade é útil. Os homens não transferiram ao estado sua liberdade de pensar, que continua livre. Nem ao seu estado-leviatã de monarcas - nem às forças de mercado, observe-se, capazes de ordenar seu pensamento. O homem é racional e criativo. E pode determinar o bem coletivo.

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