quarta-feira, 9 de julho de 2008

A HISTÓRIA DO TRANSPORTE COLETIVO EM SANTOS

A HISTÓRIA DO TRANSPORTE
COLETIVO EM SANTOS

Paulo Matos

O transporte coletivo em Santos tem 144 anos, registrados neste 2008, desde as gôndolas de Luis Masoja movidas a boi de 1864, passando pelos bondes a burro que circularam desde 9/10/1871 e os bondes elétricos. Este era um serviço exemplar inaugurado em Santos a 28 de abril de 1909 e que em 1917 era o maior da América do Sul em rede aérea. Neste momento, a crise social provocada pelas atitudes dos tomadas no setor, contribui para rebaixar a qualidade de vida no ambiente urbano.

1.1. O monopólio da City

O percurso do sistema em Santos traz um momento importante quando, com a Lei Municipal 438, de 14/12/1910, foi autorizada a unificação dos contratos de transporte de passageiros e mercadorias, luz e energia elétrica, gás de hulha, água e iluminação em mãos da City, que já fora detentora de contratos no setor e os transferira - como em 1890 para à Cia. de Melhoramentos de São Paulo, que adquirira da Cia. de Melhoramentos de Santos.

A unificação dos serviços da City se iniciara em 20/2/1904, quando esse patrimônio voltou a pertencer à empresa, que comprara a Cia. Paulista Viação (que por sua vez tinha incorporado as linhas da Emmerich & Ablas, da Eboli & Cia. e da Cia. Ferrocarril Santista, esta em 1908), estabelecendo o monopólio.

Mas o monopólio da City na orla santista revela fatos estranhos aos dias de hoje, pois fez com que a Câmara exigisse várias vantagens - mas que não foram para os dirigentes da cidade ou para os vereadores, mas para Santos. Como no caso da implantação portuária pela Docas, permutavam-se concessões urbanas por benefícios.

Estes benefícios eram, por exemplo, a redução dos preços do gás e da iluminação pública e particular, 10 e 20%, respectivamente, com limite máximo de 600 réis o Kilowatt, além da obrigatoriedade de carros para irrigação da linhas. Fez mais a City, retretas, campos de futebol iluminados, jardins e rinques de patinação e promovia excursões turísticas à São Vicente.

1.2. Os bondes

Os bondes a burro operaram desde 9 de outubro de 1871, um ano antes de São Paulo, sendo Santos a primeira cidade da América do Sul a operar transporte de mercadorias por trilhos (o “tram-road”). Em 7/7/1873 tivemos o primeiro bonde para São Vicente, que durou até a instalação dos bondes elétricos, em 1909.

1.3. Os ônibus
Os ônibus operam em Santos desde 1926 em pequenas organizações, operados pela City desde 1928, que atuou no Brasil desde 7 de maio de 1881 (um mês depois em Santos), e pela Viação Santista desde 7 de dezembro de 1936 - nesse ano também pela Viação Excelso e em 1/9/ 1944 pela Expresso Brasileiro Viação. Que atuou por 11 anos, até 5 de outubro de 1955, passando a SMTC a ter o monopólio das linhas na cidade e sendo as intermunicipais absorvidas pela Viação Santos-São Vicente, fundada em 1956, desdobrada na Viação Santista, Viação Cubatão e Viação Praia Grande.

1.4. Os trólebus
A rede aérea de trólebus foi inaugurada em 12 de agosto de 1963, com 17 veículos, 70 adquiridos em 1968. O ano de 1971 seria o da paralisação total dos bondes e em 1979 a primeira privatização de linhas para a Viação Santista, controlada pela Santos-São Vicente, que em face dos problemas gerados e da tentativa de “lockout” – a paralisação dos serviços - para forçar o aumento tarifário, foi objeto de intervenção da Prefeita Telma de Souza em 1989.

1.5. A privatização
Os fatos ocorridos após a última etapa de privatização do setor, em 30/12/1994 (Termo de Permissão, concorrência nº 004/94) e 22/9/95 (Termo de Permissão, concorrência nº 002/95), quando 32 linhas foram cedidas à Executiva Transportes Urbanos, ficando a CSTC, fundada em 1976, com 13 linhas, foram o da compra por esta empresa da antiga garagem do Jabaquara, na rua Rangel Pestana 475 – ficando com o restante de seus pátios, oficinas e garagens, os mesmos que herdou da City, da SP Trailway e da SMTC, sucessivamente.

Saliente-se a absoluta ilegalidade da concessão feita pela CET – e não pela Prefeitura, autorizada pela Câmara, como determina a Seção II, Artigo 39 – São da iniciativa privativa do prefeito as leis que-VII: criação, transformação, fusão, cisão, incorporação, privatização (grifo nosso) ou extinção de fundações, autarquias e órgãos da administração direta. O Artigo 12 da Lei Orgânica reza, em seu Parágrafo Único, que dependem dos votos de 2/3 dos membros da Câmara, I- as leis concernentes à: letra “c”, concessão de serviços públicos. E no Artigo 20, XII: autorizar a concessão de serviços públicos.

O estatuto da Companhia de Engenharia de Tráfego, Decreto 3.214, de 2/7/98, publicado em 3/7/98 estabelece, em seu inciso XXXIV, a competência para exercer as atividades delegadas pela Prefeitura, mas esta delegação não se sobrepõe à legitimidade para este exercício, que se exige seja compartilhado: sendo o transporte competência do município (Artigo 150 da Lei Orgânica, Seção IV, dos transportes), compreende-se Executivo e Legislativo.

1.6. Os contratos

Observe-se nos contratos que o Capitulo IV – das cláusulas - , na cláusula quarta estabelece o poder de gerenciamento, controle, fiscalização, emissão de normas e regulamentos, aplicação de penalidades e demais atos pertinentes ao termo sob competência da Companhia de Engenharia de Tráfego, a CET. A cláusula sétima estabelece que as mudanças impostas pela permitente (a Prefeitura) serão aceitas pela permissionária (a empresa), tendo o contrato prazo final em 31/12/1999.

O contrato seguinte absorveu mais 17 linhas (objeto, capitulo III) e na cláusula terceira obriga a permissionária ao cumprimento das legislações federal, estadual e municipal, com término em 23/9/2000. Em 28/12/95 é feito o primeiro aditamento nº 14, modificando as cláusulas quarta e 19ª do Termo celebrado em 30/12/94. O poder de gerenciamento e outros que eram da CET passa a ser da CSTC ou outro órgão delegado pela Prefeitura. A cláusula 19ª modifica os valores pagos pela permissionária.

O segundo aditamento é feito em 9/6/97 e tem o nº 009 , absorvendo mais 2 linhas, estabelecendo, pela cláusula 8ª, que as características técnicas serão estabelecidas pela permitente, incluindo-se a automação de sistemas, consoantes com as condições exigíveis às perfeitas condições de tráfego. No mesmo dia é feito o aditamento nº 10, incorporando mais 3 linhas à empresa. Em 22/4/98, na concorrência 001/98, a permissionária é a Viação Piracicabana Ltda, representada pelo mesmo proprietário, Joaquim Constantino Neto.

Observe-se que o relatório de desempenho de todas as linhas sob concessão sofreram redução do IPK: a linha 4, de 4.0 (dezembro/96) para 3.0 (outubro/97); a linha 10, de pouco menos de 4.0 para 3.0, no mesmo período; a linha 17, de 3.0 para menos de 3.0, o mesmo da linha 19; a linha 20 foi exceção, de 3.3 para 4.5; a linha 23, de 4.0 para 2.7, o mesmo desempenho da linha 29; a linha 42, de 4.1 para 2.6. O que é explicável, pois o decreto 3.758 autorizava a retirada do cobrador para linhas com IPK baixo. Só não é compreensível, face à intensa repressão que conseguiu eliminar o transporte coletivo por peruas clandestinas.

Desta feita, após racionalizar o número de veículos, hoje pouco superior ao existente ao tempo dos bondes – quando era metade a nossa população -, o projeto pretende se expandir com substância e energia, com apoio de técnicos e entidades para corrigir as deformidades existentes neste que foi o primeiro serviço público a ser privatizado e que mostra seus (d) efeitos, tais e quais a população brasileira enfrenta hoje nos demais setores.

1.7. As concessões
O esgotamento da Companhia City, instalada em Santos em 1881, com os serviços em crise, deu lugar ao SMTC – Serviço Municipal de Transporte Coletivo, fundado em 20/12/1951 como autarquia municipal, criada pelo Projeto de Lei 55/51, transformado na Lei 1.297, de 20/12/1951 – quando era Prefeito de Santos Joaquim Alcaide Valls. Que adquiriu o acervo patrimonial da City, iniciando seus serviços em 1/1/1952.

O SMTC daria lugar à CSTC (“Companhia” municipal, não mais “Serviço”, de modo a permitir operações de crédito), em 15 de outubro de 1976, na transformação operada pelo Prefeito Antonio Manoel de Carvalho. A CSTC sucedia a SMTC (1951-1976), a The São Paulo Trailway, Light and Power Co. Ltd. (1928-1951), a The City Santos Improvements Co. (1904-1928) e a Ferro-Carril Santista (1891-1904).

Mas a crise no transporte tem uma história fácil, porque santista, brasileira e mundial, notadamente nos países dependentes dos Estados Unidos: esta cidade, que teve em 1917 o melhor serviço de bondes elétricos da América do Sul, a partir do momento posterior ao Golpe Militar de 1964 é atacada – e os agressores visam extinguir a rede de bondes, movimentados pelo “lobby” da borracha e do petróleo, como em outros países, estimulando o uso de ônibus – com vida útil encurtada, gasto de combustível à base de petróleo e gasto de pneus.

1.8. O fim dos bondes
A extinção da linha de bondes para São Vicente, implantada em 7/7/1883, foi o primeiro passo, tomada apesar dos protestos da Câmara, no dia 12/11/64 e da cidade como um todo, seguindo-se a destruição do sistema em favor das fábricas de ônibus, de pneus e de petróleo, tanto aqui como em Buenos Aires e outros centros.

A nomeação, durante a Ditadura Militar (1964-1985) do general Aldévio Barbosa de Lemos, ex-Secretário da Segurança do Estado, para comandar o SMTC acelerou a retirada de circulação e a destruição a machadadas dos bondes, “necessária” porque estes veículos duravam séculos – e era “preciso” acabar com eles. Em 28/2/1971 se completa a tragédia da liquidação dos bondes – e a crise do petróleo, no final da década, com a alta nos preços, vai mostrar o erro da opção pelos ônibus.

A queda da qualidade do transporte popular foi fatal e crescente, com a entrega do serviço às empresas privadas, distanciando drasticamente as necessidades populares do número de veículos, que em busca do lucro denegriam suas condições e restringiam horários, reduzindo o número de veículos. Décadas após os anos dourados do transporte coletivo, o número de veículos era o mesmo, com a população quintuplicada, implicando em sofrimento popular.

1.9. O “chiqueirinho”
Em 1984, os militantes sociais se organizam e fundam a Associação dos Usuários do Transporte Coletivo, que vai organizar a luta contra as altas tarifas e as más condições do sistema e, principalmente, contra uma tortura imposta pelos empresários, então: o “chiqueirinho”. Com a alta tarifária, cresce o número de pessoas que viajam sem pagar, descendo pela porta de trás antes de passar pela catraca.

As empresas haviam adotado um sistema que visa obrigar o usuário a passar na roleta assim que entrasse no ônibus – para que não pudesse sair sem pagar - e é este o chamado “chiqueirinho”, porque comprime pessoas em um pequeno espaço antes da roleta, impedindo mais de 3 ou 4 usuários de adentrarem ao veículo.

A mobilização popular da Associação dos Usuários conseguiu, através de pressões e manifestações, em 5 de abril de 1984, um edital criando a Comissão Tarifária, composta por entidades sindicais e populares da cidade – e no dia 26 faz uma grande passeata em prol de suas reivindicações, quando ocorre a prisão de dois militantes do movimento, indiciados na Lei de Segurança Nacional, um dos quais é este autor. Novo aumento das passagens e acirramento da luta contra o “chiqueirinho”, que no dia 11 de abril de 1985 tem um projeto do vereador Reinaldo Camarosano - proibindo o equipamento nos coletivos.

As pressões contra a pautação da matéria, feita pelos empresários, retardam a votação para 5 meses depois. Só após uma morte ocorrer, no dia 1º de agosto, devido ao “chiqueirinho” – Claudia Celico - e que a empresa tenta esconder, mas é confirmada pela polícia, o assunto é pautado para o dia 2 de setembro, após ele ameaçar ir à Justiça contra o equipamento repressivo. Mas as pressões sobre a Câmara fazem a derrota do projeto por um voto, 10 a 9.

Na época, duas empresas, a CSTC municipal e a Viação privada, operavam na cidade – e diversos acidentes ocorriam em virtude do “chiqueirinho”, gerando inúmeras manifestações contra o equipamento de personalidades e entidades. Na votação, milhares de pessoas na Câmara, militantes e os trabalhadores da empresa conduzidos pela empresa para defender seus interesses, com grande alarido e vitória por um voto da bancada que apoiava a empresa e o equipamento repressivo.

A 20/11/85 é aprovada na Assembléia Legislativa a Lei do deputado José Cicote, do PT, número 4953, proibindo o “chiqueirinho” em todo o estado, conforme determina o Secretário de Estado dos Transportes, Adriano Murgel Branco, após a assinatura do então Governador Franco Montoro - obedecendo a lei que teve como relator o então deputado Nelson Fabiano.

Após o início das sessões da Câmara de Santos em fevereiro de 86, quando o vereador Camarosano prometia reapresentar seu Projeto, ocorrera que a bancada governista havia sofrido um desfalque –, pois o vereador Nobel Soares decidira votar contra o “chiqueirinho”, que iria ser fatalmente ser derrotado. Então, prefeito Oswaldo Justo negocia com a empresa a retirada do equipamento.

Em 26 de janeiro de 1986, o líder aposentado Aldo Ripasarti denuncia: nunca assistira tanta violência contra os usuários do transporte. Em maio, o jornal “Idéia Nova”, do vereador Camarosanno, editado por este autor, conta todo o percurso da luta, que afinal, derrubara o “chiqueirinho” – mas que demoraria a ser totalmente extinto dos veículos urbanos de transporte popular.

Década e meia após, voltam os sistemas proibidos, agora agravados pela retirada do cobrador. Mas por que as catracas na porta dos ônibus, que impedem o acesso das pessoas aos coletivos – o “chiqueirinho” – são ilegais e exigem ser banidas? Contra este instrumento de tortura muito se lutou há 18 anos, quando militantes foram amarrados em postes e surrados, causando a prisão e até a aplicação da Lei de Segurança Nacional – no último indiciamento do país - e demissões contra seus militantes, afinal vitorioso.

Como serviço público, deve existir um balanço entre lucratividade financeira e responsabilidade social, deixada de lado por empresários que se expandem e que já fundam até empresas de aviação, fenômenos de enriquecimento às custas da saúde e da vida de milhões, exigindo uma normatização federal do sistema, dado sua importância no dia a dia dos brasileiros.

Mas, disse o alemão Goethe, é mais fácil matar o dragão do que remover a carcaça. E a eterna mania de tratar como escravos à população trouxe de volta os “chiqueirinhos”. Voltam, então, os militantes sociais a defenderem os direitos populares e exigirem seu fim, fazendo história.

3 comentários:

Unknown disse...

Nao tenho palavras para colocar de forma coerente a falta de visao de nossos governantes para o tema de transporte publico. O Brasil tem tudo para ser referencia internacionas em transporte ecologicamente correto. Me chamo Halan Lemos Moreira, sobrinho neto do General Aldevio Barbosa de Lemos, hoje estou dedicado em encontrar solucoes para o caotico sistema de transporte da cidade de Sao Paulo. Nao so se deve aprimorar nosso atual sistema, mas como motivar a populacao sair de seus carros para utilizar este novo sistema a se implementar. Ao servir melhor o centro da cidade por exemplo, se deve cobrar tarifas eletronicas cada vez que um carro cruza determinadas ruas do centro. Entre sistemas ja bastante conhecidos o Brasil pode contar tambem com o Monorail, de construcao rapida, estrutura leve, silencioso e sem poluicao, seus trilhos sao de vigas de concreto com largura de apenas 69cm, com espaco de 5 metros entre trilhos permitindo a construcao de canteiros verdes entre suas colunas que tem um vao de ate 45m. O onibus ainda continua sendo a opcao de nossos governantes, sempre que falam de corredores de onibus me da um no na barriga. Sera que nunca aprendemos com a historia. Onibus nao e solucao, pode servir apenas para complementar sistemas mas nunca sera a melhor opcao de linha tronco.

Unknown disse...

Temos que aprender com nossa historia. Onibus nunca deve ser visto como linha tronco para transporte publico, pode servir apenas para apoiar sistemas mais eficientes. Linhas troncos para nossa realidade atual devem ser sbterraneas ou elevadas. O monorail por exemplo poderia ser uma solucao inteligente para o caos que vive Sao Paulo, com construcao rapida, o trilho e de concreto com largura de 69cm e com espaco entre trilhos de 5m podendo construir canteiro verde entre colunas construidas a cada 45m. E silencioso, peneus de borracha e nao polui pois e eletrico, 3,5kw/h.
Vamos aprender com os erros do passado. Me chamo Halan Lemos Moreira. Sobrinho neto do General Aldevio Barbosa de Lemos. Hoje dedico meu tempo e encontrar solucoes para os problemas de transporte em nosso Brasil.

Anônimo disse...

Prezado Sr. Paulo.
Eu estou escrevendo um livro sobre a História dos Bonde de Santos. Se possivel eu gostaria de inserir no livro algum comantário vosso.
Muito grato
Waldir Rueda
wrueda@uol.com.br