quarta-feira, 9 de julho de 2008

SANTOS, PORTO E HISTÓRIA - 6 CAP.


SANTOS, PORTO E HISTÓRIA

Uma história portuária inédita desde antes do nascimento do Porto de Santos – o primeiro e o maior do Brasil e do hemisfério

PAULO MATOS

Em 6 capítulos, a história do primeiro atracadouro da cidade, elementar para se compreender as modificações que viriam naquele que seria um dos maiores portos do mundo, o maior do hemisfério e do país a partir de 1850. Um porto que cresceu com o país e que sofreria, no final do século XX, drásticas modificações em sua operação com a introdução de técnicas e “know-how” portuário, influenciando toda sua estrutura.

Seu primeiro comércio é de escravos, seu primeiro produto são os bergantins, barcos que produzia, em função de uma sociedade que se organizava fora do poder colonial português. Isso provocaria o primeiro conflito pela posse da terra. Chegaríamos aos contêineres, mas para isso seria preciso uma caminhada. Foi necessário que, nestes 500 anos, os paradigmas se alterassem – ou o porto não sobreviveria.

Cada elemento, nestas fases, tiveram maior ou menor importância, de acordo com o papel que o porto desempenhava, do qual era a expressão. Se hoje é maior porto do país e da América Latina, nestes tempos era a simples expressão de uma comunidade que se instalava, nos primeiros trinta anos após a descoberta do Brasil.

Aqui só chegavam degredados e, sabe-se hoje, boa parte deles de origem judaica, cerca de 60 a 70%o – em função da Inquisição européia

Vamos à nossa história


II

O PRIMEIRO PORTO E A
GLOBALIZAÇÃO SANTISTA, COMO AS DEMAIS

Primeira das regiões brasileiras a ser tocada e desenvolvida pelos colonizadores, a Baixada Santista comemorou seus primeiros 500 anos, em 2000, no auge da globalização, que transformou o paradigma portuário no final do século XX.

Esta globalização não é aquela dentro da qual se insere sua descoberta - que, na realidade, foi descobrir a realidade emergente que se impunha a Portugal de assumir, de pronto, a posse da terra brasileira, na globalização das navegações do século XVI – na missão de tomar posse de novos territórios. Como as demais.

Mas foi aqui, na região denominada São Vicente, que se decidiu estabelecer a primeira vila, o primeiro governo, a doar as primeiras sesmarias, enfim, a estabelecer Portugal no Brasil. Os dados são claros: o Brasil foi descoberto no Monte Pascoal, mas começou a existir em São Vicente, aqui, em que existiu o primeiro canavial e o primeiro engenho, o primeiro fortim e o primeiro pároco – e que teria a primeira Câmara de Vereadores. Só que São Vicente não era apenas a hoje cidade homônima, mas vasta região, ainda maior que o estado que a sedia.

Estes fatos ocorreriam 30 anos após a descoberta, diante da ameaça concreta da posse portuguesa, exigindo a intervenção. Antes, nos primeiros 30 anos, ocorreram os episódios da comunidade livre do Bacharel da Cananéia, politicamente incorreta aos olhos de hoje porque exportadora de escravos indígenas.

Segundo alguns historiadores, os primeiros colonizadores aportaram inicialmente na Ilha do Sol – hoje Praia do Góis, na ilha de Santo Amaro – em que fica a Fortaleza da Barra, que historiamos, como passagem para o desembarque do outro lado, em que foi construída uma comunidade e um porto – que hoje é Santos. A vila foi erigida mais tarde no extremo da ilha, em lugar mais abrigado dos navios, em que hoje fica a cidade de São Vicente.

No espírito da reconstrução das histórias ainda desconhecidas da descoberta e da região hoje denominada Baixada Santista, a menção obrigatória é a da expedição de Martim Afonso – em 1532 -, que incorporando a época, vem oficializar a posse das novas terras nominadas pela expedição de 1501, que veio reconhecer as descobertas cabralinas.

Mas eles chegaram em 1532 por aqui no Porto dos Escravos do Bacharel-Mestre Cosme Fernandes Pessoa, existente desde 1502, há 30 anos – no lugar já denominado São Vicente, como consta de inúmeros mapas anteriores. Impondo, pela ocupação militar, a colonização vertical em uma área em que ela se desenvolvia, heterogênea e inter-racialmente, na sociedade construída pelo Bacharel da Cananéia, ameaçando a posse colonial.

E QUEM ERA ESTE CHAMADO “BACHAREL” ? NÃO DEIXE DE VER NO PEÓXIMO CAPÍTULO. AFINAL, É DELE A PRIMEIRA SOCIEDADE QUE EXISTIU POR AQUI E FOI ELE QUEM FUNDOU O PRIMEIRO PORTO, AO QUE SE SABE EM 1510 – ONDE HOJE É A PONTA DA PRAIA.

II
O BACHAREL DA CANANÉIA

O Bacharel era um degredado político que fundou cidades e instalou nesta região um dos primeiros, senão o maior, pólo produtivo do país. Nesse conflito, o primeiro embate pela posse da terra, na Guerra de São Vicente, em 1537. O embate foi com as forças dos colonizadores oficiais, que vieram reprimir a nova sociedade que surgia, quando Portugal se sentia ameaçado com a ameaça francesa de Francisco I – que dizia desconhecer a cláusula do testamento de Adão que dividiu o mundo entre portugueses e espanhóis. Considerava que o sol brilha para todos.

Do lado de cá, em Santos, na atual Ponta da Praia - em frente ao local onde é hoje o atracadouro dos barcos que demandam para as praias do Góis e Pouca Farinha -, se faria um porto, aproveitando o remanso das águas. Foi lá que aportaram os navios, em 22 de janeiro de 1502, na expedição de Gonçalo Coelho, como avaliou o historiador Francisco de Varhangen a data de chegada da expedição, que estivera em São Sebastião 2 dias antes.

Esta expedição trazia o intelectual e navegador florentino Américo Vespúcio como geógrafo, autor dos relatos que descrevem o episódio. Ela veio fazendo as denominações cristãs da costa brasileira. Onde nasceria a Capitania de São Vicente, na antiga ilha de Guayaó, como a chamavam os indígenas.

Do outro lado da barra, o Guarapissumã dos nativos, ficava a Ilha do Sol. Como a chamou Pero Lopes de Souza em seu Diário de Navegação, a atual Praia do Góis. Em que, dizem alguns, primeiro aportaram os colonizadores. Era a ilha de Santo Amaro, como passou a ser chamada a partir de 1545, substituindo a denominação Guaíbe. Acima dela que o sol se punha naqueles dias da chegada.

Pequena praia de quinhentos metros, na ilha de Santo Amaro, lado direito do canal da barra de entrada no porto de Santos, a Ilha do Sol fica em frente ao porto instalado pelo Bacharel em 1510. Seu nome vem dos Góis, que vieram na armada do donatário Martim Afonso – Pedro, Luiz, Gabriel e Scipião, como conta Chico Martins, que ali tiveram pouso ou sítio. A parte sul da ilha foi de Estevão da Costa, cunhado de Martim Afonso. Mais tarde, ocorreria um debate sobre esta divisão.

A ilha de Santo Amaro, em que está o município de Guarujá, foi chamada pelos espanhóis de Ysla Oriental. E nas escrituras mais antigas aparece o nome de Guaíbe ou Guahibe e Guaíbe. Alguns tratadistas e escritores a citaram como Guaymbê, aludindo a existência de um cipó com esse nome por toda a ilha. Mas que existia por toda a Serra do Mar, o que, para o historiador Francisco Martins dos Santos, não configura razão para aplicar-se a denominação apenas à ilha.

Quando a expedição chegou por aqui, entrou por uma baia larga e segura, chamada Guarapissumã, que pensaram ser um rio e a que denominaram rio de São Vicente, como ficou conhecido até 1532 como fizeram com o Rio de Janeiro. Ela trazia degredados, pessoas expulsas de Portugal por motivos diversos, também políticos e religiosos. Entre estes o Bacharel, chamado também mestre, Cosme Fernandes Pessoa – deixado em Cananéia, 200 quilômetros ao sul, o limite das terras portuguesas pelo Tratado de Tordesilhas de 1494.

A história oficial disse, até agora, que o fundador oficial de São Vicente foi Martim Afonso - e o de Santos, Brás Cubas, quem mudaria o porto para o outro lado da barra. Que chegaram a 21 de janeiro de 1532 e aportaram também na Ilha do Sol ou Santo Amaro – havendo versões fantasiosas de que sua armada atracou na praia localizada na atual cidade de São Vicente.

Fantasiosas porque não existiam as mínimas condições de aportamento, salienta o historiador Francisco Martins, pois que o mar naquela região não tinha (e não tem) calado para navios. Foi apenas uma tentativa de caracterizar historicamente a vila de São Vicente com a capitania de São Vicente – e assim sediar as comemorações dos 500 anos do Brasil, polemizando com Salvador como o primeiro núcleo a ser povoado na nova terra.

Mas o Diário da Navegação da Armada que foi a terra do Brasil em 1530, de Pero Lopes de Souza, publicado em Lisboa em 1839, mostra o fato deles já conhecerem o Porto de São Vicente, fundado pelo Bacharel na atual Ponta da Praia, em Santos. Informado pelos traidores deste iniciador do desenvolvimento regional e em um processo histórico que caminharemos. Afinal, quem foi este Bacharel ?

Quando Martim Afonso chegou, em missão de estado, para reprimir sua comunidade nacionalmente heterogênea, haviam 10 ou 12 casas e uma construção de pedra fortificada, habitada por cerca de 70 pessoas, que praticavam uma agricultura de subsistência, criavam porcos, galinhas e viviam de atender os navios que iam e que vinham.

O QUE DIZEM OS LIVROS DE HISTÓRIA SOBRE ESTA CHEGADA? NÃO DEIXE DE VER O PRÓXIMO CAPITULO.

III


Como escreve Francisco Martins dos Santos, maior dos historiadores da cidade, em seu livro “História de Santos”,

“Pela altura de 1510, presumivelmente, tendo vindo de Cananéia onde cumpria o degredo imposto por D. Manuel I, onde fora deixado pela Armada de André Gonçalves e Américo Vespúcio, Mestre Cosme Fernandes Pessoa, o famoso Bacharel, fundou à margem desse Rio de São Vicente (de 1502) o porto do mesmo nome, citado por todos os navegantes da época e designado em seus portulanos ( diários de navegação) .

Originou a fundação de tal porto ali e não junto ao povoado que o mesmo Bacharel fundara atrás da outra barra (a terceira) mais a oeste, refundada e feito vila por Martim Afonso em 1532, a superioridade de seu ancoradouro, franco, amplo, seguro, abrigado das águas e dos ventos (detalhe muito importante para a navegação à vela), com bastante fundo e próximo a terras boas para plantio e excelentes aguadas,

em contraste com a incapacidade da outra barra (a da vila), batida de vagas na entrada a rebentar sobre o banco de areia, ali existente, cheia de arrecifes e parcéis em toda a redondeza, com pequena área navegável (para as embarcações de calado) e um canal precário junto à Ilha do Mudo (atual Porchat), rematada ao fundo por terras lodacentas ou alagadiças, quase todas salobras, sem possibilidades agrícolas”

Foi o porto mais conhecido, freqüentado e próspero da costa brasileira, “empório fornecedor de todas as armadas que demandavam o ”eldorado” paraguaio”, lembra o historiador. O historiador Francisco Martins dos Santos escreveu que “.corria o ano de 1531 quando Martim Afonso de Souza, nomeado governador geral da costa do Brasil, com sede em São Vicente, aportou às águas mansas da antiga Burióca (Casa dos Macacos, Bertioga). Se houvesse água abundante ali, talvez tivesse surgido no local a primeira vila regular...”

O que diz Olao Rodrigues, outro historiador santista? Que Martim Afonso fundeou na Ilha do Sol, que seria hoje a Praia do Góes, na Ilha de Santo Amaro, em 21 de janeiro de 1532. Consta que a capitania teve como núcleo a área junto ao porto, do outro lado do rio de São Vicente – a baia – pela facilidade de escoamento de produtos destinados ao comércio, a operação de embarque e desembarque de navios em trânsito, o acesso ao rio da Prata e ao planalto já cobiçado.

MAS AINDA EXISTIAM OS ÍNDIOS, FEROZES E ORGANIZADOS, QUE VINHAM DO LITORAL NORTE E APAVORAVAM OS COLONIZADORES. SAIBA SOBRE ELES NO PRÓXIMO CAPÍTULO.
IV

Sair da Ilha do Sol era uma maneira de evitar os indígenas, que usavam a ilha de Santo Amaro como passagem, vindos do litoral norte em busca de alimentos ou em patrulha contra os brancos. As histórias sobre a Confederação dos Tamoios daquelas bandas são demonstrativas da ameaça concreta - a que eles exerciam sobre o domínio colonial, tanto que foi feito um pacto com os silvícolas. Mas alguns embarcadiços ficaram pelas terras do Guaíbe e eles garantiram a ocupação através das demais expedições que se sucederam.

Fundador real de três povoados, Iguape, São Vicente e Cananéia, O Bacharel iniciou a construção de uma comunidade em São Vicente, empório que abastecia navegadores e navios – conhecido em todos os mapas mundiais, à época. Foi o temor dos colonizadores de que sua sociedade nacionalmente heterogênea nacionalmente, de índios, espanhóis e portugueses, firmasse seus passos sobre o Brasil, que motivou a ocupação militar e a fundação oficial de Martim Afonso

Isso ocorreu quando D. João III percebeu que o momento impunha a posse efetiva do Brasil ou corria o risco de perdê-lo – ou fragmentá-lo -, pela ameaça velada da França, através de Francisco I – que declarara desconhecer o testamento de Adão que dividira o mundo entre Portugal e Espanha.

Ou isso ocorrera pelo livre crescimento de São Vicente, já com seu estaleiro e sua casa de pedra (fortim), com seu aberto aos navegadores, com seu povoado fortalecido pela pujança das tribos dos caciques Tibiriçá e Piquerobi – sogros respectivamente de João Ramalho e do Bacharel.

O Bacharel foi deixado em Cananéia, assim chamada como lugar dos cananeus, dos judeus, Cananor – o ponto mais extremo das terras portuguesas no Tratado de Tordesilhas. Que em 1494, este país assinara com a Espanha, dividindo o mundo entre eles.

Habilidoso, inteligente, líder e, por isso, perigoso, Cosme Fernandes era de um tempo em que a maçonaria judaica reunia e defendia os perseguidos e os que lutavam contra as perseguições e os confiscos, na Espanha e Portugal, conforme escreve F. M. Santos. Que aventa sua ligação com o também judeu maçônico João Ramalho, que vivia distante, no planalto.

Ramalho e Antonio Rodrigues, ao que se sabe, já estavam aqui quando chegou o Bacharel, náufragos de 1508 na ilha dos Porcos, Ubatuba, ou degredados. Atravessava Portugal uma fase aguda de perseguições, expulsões e degredos, por motivos políticos, econômicos e, principalmente, religiosos, em face da instalação do Santo Ofício – a Inquisição católica – no país.

O fato explicaria a facilidade com que se encontrariam técnicos e colonos judeus, árabes e luso-árabes, cristãos novos ou velhos, para compor o voluntariado colonial. Numerosos seriam os membros da maçonaria judaica de Portugal, a se reconhecerem por sinais e pequenos símbolos, incluídos em suas assinaturas.

D. Manuel, o rei luso, quis usar aqueles expulsos para consolidar sua propriedade sobre aquele ponto extremo, marcando pela ocupação, definitivamente, a posse portuguesa. Mas para a Espanha, o limite era outro, em São Sebastião. Chico Martins, o grande pesquisador, acreditava nessa interpretação.

Cosme desde logo entendeu-se com a sociedade igualitária e ao mesmo tempo guerreira dos índios, casando-se com a filha de um chefe indígena goianá Piquerobi. Fez amigos, cunhados e genros, expandiu-se. Veio para cá degredado, mas ao invés de atender aos desejos do rei português no seu exílio em Cananéia, veio para o outro lado, fundando vilas.

O Bacharel aliou-se a espanhóis e, em 1507, instalou-se em São Vicente. Em 1510, fundaria um porto com este nome na atual Ponta da Praia, em Santos, com a comunidade ao abrigo dos piratas e navios viessem de onde viessem. Seu porto foi logo chamado de Porto dos Escravos, pelo comércio que manteve exportando escravos indígenas e fabricando barcos, os bergantins.

No lugar em que o Bacharel fez um porto, existe um remanso natural, um abrigo das marés. Constava dos mapas internacionais a localização deste porto, em 1526. Lá havia a possibilidade de aportamento, o que não era possível no local em que ele instalou o povoado, do outro lado da ilha. A comunidade de Mestre Cosme crescia e enriquecia com os índios aprisionados e a produção de barcos e provisões, heterogênea nacionalmente, composta por índios, portugueses e espanhóis. Chico Martins lembra esse porto.

MAS QUE PORTO ERA ESSE? NÃO DEIXE DE VER O PRÓXIMO CAPITULO.

V
QUE NOVO PORTO ERA ESTE ?
CONTA O HSTORIADOR FRANCISCO MARTINS QUE

...Por ele comunicou-se sempre o Bacharel, com as expedições que passavam, negociando escravos, vendendo ou permutando gêneros da terra, negociando barcos feitos em seus estaleiros no Japuí, fornecendo guias e práticos para a negociação no sul e penetração nas florestas, depois que a miragem na prata começou a atrair os aventureiros.

Ali esteve o Bacharel, dividindo sua vida entre o porto, seus pontos agrícolas, (de Enguaguaçú, da Ilha Pequena, do Itapema, do Icanhema e encostas da Ilha do Guaíbe e o povoado de São Vicente até o ano de 1531, cercado das alianças que fizera, dos seus inúmeros parentes, descendentes, agregados. Como da indiada local, que o tinha como amigo.

Enquanto ele viveu em São Vicente, houve paz no lugar; o gentio andou sossegado e uma primeira civilização se estendeu, com todas suas características, pela região vicentina da qual o Porto de São Vicente ( na Ponta da Praia de hoje) era o entreposto comercial, seguro e farto.

Há registros desse porto em carta do navegador Diogo Garcia Moguer, Memória de La Navegacion, de 1527, publicada em revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro.

Era um comandante português a serviço da Espanha que, que a caminho do rio da Prata, parou no Porto de São Vicente. Lá, encontrou lá o bacharel e seus genros, há 30 anos no lugar. Que comprara um bergantim, barco de fabricação deles, e que tratava fretamento para condução de 800 escravos para a Espanha, desembarcando em Cananéia em 15 de janeiro de 1528.

Chico Martins dá uma idéia de valor, na descrição de Moguer, do preço dos escravos: 4$000 por cabeça, 3.200.000 réis em 800 escravos embarcados. Comparando, Brás Cubas recebeu do rei 200$000 por uma expedição contra os índios, em 1546. Um Provedor da Fazenda da época, alto funcionário, ganhava 200.000 réis por ano. Mas o Bacharel, em Cananéia, aliado aos espanhóis, estava desgostoso com Portugal, privado que fora do que havia construído em 30 anos. Comprara armas e, em 1534, aprisionara um navio francês, reforçando-se militarmente.

Quando o Bacharel recebe ordens de Gonçalo Monteiro para subordinar-se a São Vicente, este que havia sido escolhido para dirigir a vila, ligada ao porto no caminho aberto por Pascoal Fernandes e Domingos Pires – e que pensava utilizar-se das forças do Bacharel para isolar os espanhóis ao sul -, se nega.

Ocorre então a Guerra de São Vicente, com suas forças marchando contra São Vicente, com grande destruição – retirando-se em seguida para evitar a retaliação da metrópole portuguesa. Que certamente viria se continuassem ocupando as terras conquistadas.

O desenvolvimento dessa comunidade era absolutamente independente dos donos da terra, os portugueses. Mas em 1529, com D. João III no poder naquele país, com problemas com os nobres e a Igreja, uma ação foi exigida contra a comunidade que seguia seu próprio caminho - ainda mais com participação de estrangeiros.

Crescia o poder do Bacharel, um degredado, judeu, cheio do dinheiro, casado com uma índia e entrosado com espanhóis e até franceses. A solução não seria diferente da aplicada hoje aos países que resolvem assumir os seus destinos. E dos governantes ansiosos por medidas drásticas : a invasão é iminente.

As notícias haviam chegado nas intrigas do dois mui amigos do Bacharel, Pedro Capico e o ex-aliado Henrique Montes. Eles viajaram para Lisboa e disseram da preparação do clima para o domínio espanhol das novas terras, nestes tempos de guerra fria.

Rui Mosquera, o espanhol que vivia com o Bacharel, era identificado como um agente do governo da Espanha. Para quem a linha do Tratado de Tordesilhas passava não em Cananéia, mas em São Sebastião. Logo, para eles, eram deles as terras em que estava o Bacharel, situação delicada. Francisco Martins dos Santos diz que Pero Capico foi capitão da capitania de São Vicente desde 1516, antes de Martim Afonso - até 1527.

Quando foi para o reino e a deixou com Antonio Ribeiro, cuja posse ocorreria a 26 de outubro de 1528. Embora se diga que Pero Capico fora capitão em Itamaracá, em Pernambuco – que seria destruída em 1532 por uma nau corsária francesa, conforme carta de D. João a Martim Afonso, em 28 de setembro desse ano, Francisco Martins dos Santos argumenta o contrário.

SAIBA OS NOVOS PASSOS DESTA RUMOROSA HISTÓRIA NO PRÓXIMO CAPITULO, A TRAIÇÃO AO BACHAREL E A RETOMADA DA TERRA PELOS COLONIZADORES.

VI

E QUEM ERAM OS MEMBROS DESSA EQUIPE?

O fato é que Capico, o escolhido como companheiro, escrivão e guia de Martim Afonso, conhecia como ninguém a região. Logo, era daqui. E tinha intimidade com o Bacharel e seus genros, João Ramalho e Antonio Rodrigues, elemento ideal para uma entrada facilitada naquela comunidade.

Francisco Martins dos Santos argumenta, com dados, que Capico era ligado ao Bacharel. E o traiu após enriquecer com o comércio de escravos no porto de São Vicente, sendo responsável pelo sucesso de Martim Afonso na empreitada.

De repente, a comunidade heterogênea do Bacharel tornara-se foco de disputa de dois reinos, os mais poderosos do planeta. Eis que D. Manuel chama Martim Afonso, soldado e navegador com histórico de conquistas. E manda armar uma poderosa esquadra para ocupar o território descoberto 30 anos antes.

A esquadra de Martim Afonso, poderosa armada, disfarçada de expedição colonizadora, saiu de Portugal no final de 1530 – quando Martim Afonso recebeu a missão de tomar posse das terras descobertas, colonizando e combatendo os franceses.

A comunidade autônoma e nacionalmente heterogênea do Bacharel. Seria nomeado capitão-mór do mar da índia em 1533, quando saiu do Brasil, que chegara um ano antes, para voltar em 1545.

Gonçalo da Costa, um dos genros do Bacharel, o avisou da investida e este sabia do poder que iria enfrentar, retirando-se para o lugar original de degredo junto com os seus índios e amigos. Deixando uma comunidade construída, destruindo o que puderam.

Com a chegada de Martim Afonso e poderosa armada, o porto do Bacharel continuou como ancoradouro oficial e porto da capitania, enquanto o antigo povoado do lado oeste da ilha passava a categoria de vila ou capital desta, que tomou seu nome. Porém, o porto de São Vicente fez a semente de uma cidade, responsável pelas atividades mercantis e pelas ligações com o velho mundo.

O porto avançou depois pelo estuário de Guarapissumã para dentro, para fixar-se junto ao Enguaguassú – onde havia uma sucessão de terras antes freqüentadas e exploradas pela gente do Bacharel. Agora do outro lado da ilha, continuou sendo denominado Porto de São Vicente. Este foi depois o Porto da Vila de Santos – que só o seria oficialmente em 1546. Entre 14 de agosto de 1546 e 3 de janeiro de 1547, escreve Frei Gaspar da Madre de Deus, historiador do século XVIII. Mas o Barão do Rio Branco diz que Santos foi vila em 19 de junho de 1545.

O Bacharel, primeiro fundador de Cananéia, Iguape e São Vicente, teria ido para Santa Catarina com seus companheiros. Ou faleceu em Iguape, onde há registros de sua permanência, em um sítio denominado Tapera. Foi um personagem essencial para nossa formação social pela sociedade que implantou e pelas contradições que fez surgir, quando iniciou o desenvolvimento em uma área abandonada pelos colonizadores – provocando a atitude da ocupação oficial.

Após a chegada de Martim Afonso de Souza, que trouxe Brás Cubas, o porto se mudaria para o outro lado da barra, em que está hoje. Mas esta é uma outra história...

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