quinta-feira, 2 de julho de 2009

O SENADO DO INCITATUS

O SENADO DO INCITATUS

Paulo Matos (*)


A NOTÍCIA: “O Plenário da Câmara dos Deputados vai votar na quarta-feira que vem (27) um requerimento de urgência para a votação dos projetos de lei essenciais da reforma política – o do voto em listas fechadas (4636/09) e o do financiamento público exclusivo para as campanhas eleitorais (4634/09). O acordo entre os líderes foi fechado nesta quinta-feira (21), por maioria, em reunião dos líderes partidários com o presidente da Câmara, Michel Temer (PMDB-SP).”

Por que a representatividade do Senado e da Câmara não está na Reforma Política? Por que a questão absurda da proporcionalidade entre eleitores e deputados não está nem comentada entre as mudanças necessárias, sendo a maior delas? A desigualdade entre eles, na sua origem eleitoral, é estapafúrdia. Como instalar o financiamento público e o voto por lista sem reformar totalmente essa a representatividade instituidora da desigualdade?

Riem de nós os que conhecem nosso modelo, que se sugere elaborado pelo próprio Incitatus. Era o cavalo do Imperador Romano Calígula - que ele mesmo nomeou para o Senado. O Senado romano, em latim Senatus, é a mais remota assembleia política da Roma antiga, com origem nos Conselhos de Anciãos, da Antiguidade oriental (surgidos após o ano 4000 A.C.). Seu nome vem de senex, velho, idoso.

O senado era uma assembleia de notáveis - o conselho dos patres, ou chefes das famílias patrícias - que provinha já dos tempos da realeza romana. O Senado brasileiro nem original é, imita uma instituição que reúne estados diversos e não artificialmente divididos, o dos Estados Unidos – nosso modelo -, cujos estados tem origens heterogêneas e, por isso, necessariamente representados. Mas nós somos homogêneos, divididos após o poder instalado.

De acordo com Suetônio, o escritor, o eqüino senador Incitatus atinha dezoito assessores, quero dizer, criados, naquele tempo. Eram menos que o senador de Roraima ou Amapá, sem votos, mas poderosos. O cavalo tinha ainda uma estátua de tamanho real e um colar de pedras preciosas, sempre envolvido em mantas de cor púrpura.

Os senadores são o filtro das decisões da Câmara. O que e como filtram é que é o problema. No máximo, eles representam, além de si mesmos, um pequeno grupo privilegiado que lhes dá apoio logístico à campanha – geralmente financiados por seus suplentes, eleitos sem voto após bancarem campanhas.

O Senado tem três representantes por Estado, seja qual for seu número de eleitores. Áreas desérticas do norte e nordeste, territórios transformados em Estados ou Estados divididos em dois só para ganhar vagas de governador, deputados e senadores, têm três senadores cada. Pior: ainda que com poucos votos, eles têm suplentes eleitos sem um único voto – muitos deles em exercício.

Então vamos tentar entender: a Câmara mais alta do país, o Senado que filtra as decisões dos 513 deputados, tem senadores sem voto ou pouquíssimos votos, certo? Mas o absurdo não é único, tenham paciência. A própria Câmara federal também é assim. A norma legal fixa o mínimo de oito e o máximo de setenta deputados por Estado, limites que bagunçam completamente sua representatividade: uns tem muito mais do que representa seu povo, outros muito menos – de acordo com o perfil do eleitorado.

Senão, vejamos: dez minúsculos Estados do Norte, Nordeste e Centro-oeste, que tem o mínimo de oito deputados – juntos com cerca de 18 milhões de eleitores (AC, 670.000; AM, 3.200.000; AP, 300.000; MS, 2.300.000; MT 2.800.000; RN, 3.000.000; RO, 1.500.000; SE, 2.000.000; TO, 1.300.000; RR, 400.000) - reúnem 80 deles. São Paulo, com 41 milhões de habitantes, quase quatro vezes isso, tem 70, o limite.

Mas hoje é o dia da molecada, diria José Bonifácio quando foi exilado: deputados estaduais e federais tem votos em cidades que nunca estiveram, em um verdadeiro “show” de comunicação pessoal telepática. Foram eleitos com votos pulverizados, que nunca os elegeriam caso seu reduto fosse localizado caso existisse o voto distrital.

Nele os candidatos com pouco dinheiro ameaçam as grandes bolsas e campanhas, prescindindo de carros, aviões, helicópteros, milhares de cartazes e brindes, aparições “espontâneas” em festas e eventos – entre outros privilégios reservados a quem tem. Mas não se preocupem os atuais detentores do poder Legislativo, porque a reação à proposta do Presidente Lula de uma Constituinte exclusiva para a Reforma Partidária já foi abandonada, depois de acusada de “autoritária”.

E com a Reforma nas mãos dos interessados, deputados e senadores, imaginamos que como diria o iluminista Voltaire, tudo continuará a mesma coisa, quando se mudam apenas as pessoas e não os modelos. Nada disto está na pauta da Reforma Política. Durmam tranqüilos, senhores, sem ouvir o choro das crianças.



Paulo Matos - Jornalista, Historiador pós-graduado e Bacharel em Direito jornalistapaulomatos@yahoo.com.br
Fone 13 - 38771292 – 97014788

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