sexta-feira, 8 de maio de 2009

MAIO, MAURICE, ROITMANN - Ideologia Humana

MAIO, MAURICE, ROITMANN
Ideologia Humana

Paulo Matos (*)



“Pensar dói?” O autor da frase se foi em um 25 de maio, há uma dúzia de anos. Desde então, não mais convivemos com Maurice Armand Marius Legeard, o cinéfilo e intelectual francês-santista do cinema, que se foi quando tinha 72 – ou seis dúzias de anos. Era pouco. Também nascido em maio, dia 1º, no histórico ano de 1917, o sindicalista Leonardo Roitmann – seres mágicos que a geração iluminista de 1947 nos deixou para o 1968 da Ponderosa e do cais - heróis dos tempos modernos e militantes que qualificam este maio operário de tantas glórias e sacrifícios heróicos como eles.

São estes que queremos homenagear com uma Praça, criando referências, por seu significado histórico que traz a identidade da cidade sindical, cultural, solidária, combativa. Roitmann se foi às vésperas da Caravana da Autonomia que ajudou a organizar em 1983, já com 66 anos – ele que não deixaram ser prefeito em 1948, cassando nossos direitos de elegê-lo, vereador mais votado da história que não deixaram assumir - covardes.

Maurice durante quase meio século promoveu a cultura cinematográfica e social na cidade – e com ela a elevação e a enlevação dos níveis de consciência - para a que trouxe o que de melhor a sétima arte construiu desde que os irmãos Lumiére a criaram no final do século XIX. Por ele, Santos teve um dos primeiros Clubes de Cinema do Brasil e foi vanguarda na cinematografia brasileira.

O francês santista nasceu nos arredores de Paris em nove de abril de 1925 e veio ainda pequeno para cá, com seis anos. Amigo e companheiro da jornalista e intelectual Patrícia Galvão, que hoje dá nome ao nosso teatro municipal, da intelectualidade que renascia no pós-guerra, foi um dos motores desse renascimento ideológico - livre-pensador e combatente social, aliado do poeta Narciso de Andrade e da juventude militante que éramos.

O filho de Mauricette e Emile era, como Patrícia Galvão, o militante do ideal, como era chamada a atriz e revolucionária. Ele educou gerações com o melhor cinema, colocado à margem pela estrutura comercial da área - o chamado cinema de arte - tendo sido o criador no Brasil da sessão da meia-noite, no cine Roxy. Campos, o cap dos cinemas, dono da rede, sabia da importância da cultura cinematográfica e cedia a sala para sua expansão, que se fez.

Rapazote, funcionário do Expresso Luxo, Maurice se integrou ao grupo que, em 16 de outubro de 1948, havia fundado o Clube de Cinema de Santos. Segundo Maurice, uma das primeiras expressões do movimento cineclubista brasileiro, logo após o surgimento de entidade similar no Rio de Janeiro - integrado pelo poeta e diplomata Vinícius de Moraes. Secretário do cônsul francês e funcionário da Associação Franco-Brasileira, amante e profissional da fotografia, no entrosamento com a intelectualidade que renascia, resultaria o introdutor cultural da nova linguagem.

Maurice, o Gurú dos Gurís, como foi chamado no curta-metragem rodado sobre ele nos anos 80, foi companheiro de Roldão Mendes Rosa (o sócio número 1 do CCS), na equipe de Rubens de Ulhoa Cintra, Gastão Frazão, Nelson e Armando Sá, entre outros. Contemporâneo de Plínio Marcos e de Gilberto Mendes, a partir de 1954 passaria a dirigir o Clube de Cinema sozinho, morando junto. O que fez até os anos 80, quando se afastaria para fundar a Cinemateca de Santos - em janeiro de 1981.

Na sede, um acervo de quase mil filmes de arte em vídeo, livros, arquivos jornalísticos de atores, diretores, técnicos, coletados diariamente durante décadas e cuidadosamente fichados, mais de cinco mil filmes selecionados em arquivo. Tem também e desenhos do artista-irmão da caminhada cinematográfica nas últimas quatro décadas, Miro - quem elaborava os geniais cartazes dos filmes apresentados nas sessões, em obras marcantes.

Cronista do jornal Hora Santista, Maurice recebeu mensagem de Charles Chaplin no final dos anos 60, através do cartunista Dino. Fio condutor de concepções libertárias, que abriu novas etapas no pensamento de tantas gerações, agente do progresso e da civilização do amanhã, era o chapinha das madrugadas - que nunca mais serão as mesmas sem a força de sua contradição, lançada sempre em busca da lucidez.

Sua mensagem não se incendeia como a película de Persona, o filme de Bergmann, mas permanece nas sínteses devassáveis, frondosas e acessíveis e sensíveis deste menestrel dos celulóides. Ousado e luminoso como Weles, Maurice não tergiversou como Kane, perenizando seu “rosebud”, que balbucia Kane, como Spártacus e Os Companheiros. Esse tigre feroz das madrugadas - como o descreveu o poeta e amigo Narciso de Andrade -, não briga mais, deixando livres os algozes da inteligência e da compreensão da sociedade coletiva, com diz seu poema:

“Tigre feroz das madrugadas, Maurice não briga mais. Podeis passar levianos, com vossos passos melífluos, Maurice não briga mais. A cidade está tranqüila, na Conde D’Eu e no Outeiro, nas catacumbas do Itararé, nos antros podres do Gonzaga. Maurice não briga mais. Podeis acordar mais tarde, habitantes da grande noite, damas das vielas e das esquinas, frágeis infantes das calçadas, Maurice não briga mais.

Este é o recado que traz o vento frio da madrugada, da madrugada rubra do cais - Maurice não briga mais. Catraieiros do mercado, que levais vossas catraias, ao outro lado do estuário, sem temor da cerração, Maurice não briga mais. Proprietários dos botecos, deixais vossas portas abertas, servi vosso conhaque nas mesas, liberai o papo franco pelas manobras do álcool, Maurice não briga mais. Kurosawa, Bergmann, Fellini, que tristeza, que tristeza, Maurice não briga mais...

(*) PAULO MATOS - Jornalista, historiador pós-graduado e bacharel em Direito - jornalistapaulomatos@yahoo.com.br
Blog: http://jornalsantoshistoriapaulomatos.blogspot./com
Fone (13) 97014788

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