quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

HAITI, A CONDENAÇÃO DA HISTÓRIA LIBERTÁRIA


HAITI, A CONDENAÇÃO DA HISTÓRIA LIBERTÁRIA

Paulo Matos (*)

Na luta pela liberdade, o Haiti – o “Ayti crioulo”, hoje o país mais pobre das Américas, que vive a tragédia 206 anos após sua independência – em sua história heróica esteve à frente da Revolução Francesa. E até mesmo dos revolucionários das Américas. Mas pagou por isso e hoje vive, como diria Hobbes, em estado de natureza. Proclamou sua independência em 1804, como segundo país do continente, o primeiro latino, a fazê-lo – na inédita ousadia de derrotar o escravismo implantado pelos colonizadores franceses.

A França recebeu o território dos espanhóis pelo Tratado de Ryswick, em 1697. Custou caro esta intrépida vanguarda negra, que tomou o poder na Revolução de 1-1-1804, libertando-se. A antológica revolução haitiana, liderada pelos escravos com Toussaint L´overture (que morreu preso na França), a partir de 1791 e que.em 1801 queria implantar uma Constituição - derrotando ingleses e espanhóis e desejando associar-se à França revolucionária, sendo outra vez traído.

A independência foi iniciada por Vicente Ogé e inspirada na própria Revolução Francesa, disseminando o medo planetário do “haitianismo” libertário. Essa ação atemorizou as potências coloniais de então, assustadas para a única revolução negra bem sucedida da história. O país foi isolado mundialmente por não ser escravista. Hoje, só dez por cento de sua gente fala francês, idioma oficial. A maioria fala o “crioulo” local e a metade da população é analfabeta.

Os maiorais derrotados da época da independência do Haiti eram o nascente estado norte-americano, a Espanha, a Inglaterra, a França - que só aboliu a escravidão em suas colônias em 1794 - e Portugal. Mas as lutas raciais, ocorridas após a independência em 1804, impuseram a derrocada da “Pérola das Antilhas”, em sua geografia com formato de crocodilo - explorada, combatida e ousada.

A realidade de 500 mil escravos e 30 mil brancos, na exploração dos “plantation”, decretou a rebelião contra os que dizimaram ou escravizaram seu povo nativo desde 5-12-1492, quando Colombo chegou lá. Em 1822, o presidente José Pierre Boyer unificou a ilha chamada “hispaniola”, denominada depois São Domingos pelos franceses. Mas em 1844 a República Dominicana fez sua independência. Foi o também escravo Jean-Jacques Dessaline que completou o trabalho emancipador, em 1804.

Os escravistas europeus e norte-americanos impuseram ao Haiti um bloqueio de 60 anos após a independência, como fazem com Cuba. Estes ocuparam o país entre 1915 e 1934. Ressalta-se acima da tragédia da nação caribenha a culpa das potências coloniais por esta conjuntura opressiva aos seus nove milhões de habitantes, de histórica heróica, de que se orgulha seu povo em seu inconsciente coletivo. O Haiti passou da condição de colônia mais rica do mundo e maior produtora do planeta de café, cacau e açúcar, no século VII, para a miséria – por culpa de sua vontade libertária.

Nos anos finais do século XVIII arderam os cafezais e plantações de cana, no amor pelo iluminismo que gerou dor, ignorância, medo e sofrimento. Isto ocorreu na ausência de teoria revolucionária, como na Comuna de Paris. O país que divide a ilha de São Domingos foi cedido pela Espanha à França, em 1697. E até a independência, em 1804, viveu o progresso capitalista e opressor de sua riqueza tropical de trabalho escravo.

O Brasil foi atingido pelo temor do “haitianismo” libertário e adversário dos regimes escravistas e coloniais das Américas. E por isso editou em meados do século XIX a Lei Eusébio de Queiroz, proibindo o tráfico. Reprimindo com vigor inaudito a Revolta dos Maués, negros islamizados, em Salvador, Bahia – no incentivo às imigrações européias para “branquear” o país e fazer cessar a revolução negra.

Mesmo os revolucionários como Simon Bolívar negaram e traíram a liderança negra do Haiti, que inclusive os financiou, quando este se refugiou lá em 1815 na luta contra os espanhóis. Foram afastados do Congresso do Pan-americanismo de 1826. Também os negou o iluminista da independência americana, Thomas Jefferson.

Hoje, após a tragédia que vitimou centenas de milhares de pessoas, falam em perdoar a dívida do Haiti, no valor de 215 milhões de dólares, junto ao Clube de Paris. Mas a dívida imposta pelas armas em 1825 pela França - como indenização pela independência, no valor de 150 milhões de francos-ouro -, ah, esta só poderá ser perdoada pela história.
  
Paulo Matos
Jornalista, Historiador pós-graduado e Bacharel em Direito
E-mail: 
jornalistapaulomatos@yahoo.com.br
Blog: 
http://jornalsantoshistoriapaulomatos.blogspot.com
Twitter: http://twitter.com/jorpaulomatos
Fone 13-38771292 - 97014788€

Nenhum comentário: