sexta-feira, 10 de abril de 2009

Tarquínio, 82 anos

TARQUÍNIO, 82 ANOS - I
Paulo Matos (*)

Em 12 de abril de 2009, Esmeraldo Soares Tarquínio de Campos Filho faria 82 anos. Era o marido de Alda, pai de Esmeraldinho e Débora, vicentino, ex-vereador de Santos e deputado estadual, prefeito eleito da cidade no ano mágico de 1968. Mas se foi aos 55, em 10 de novembro de 1982, quando começava de novo a caminhada à Prefeitura – em uma das grandes tragédias santistas.

Nascido em 12 de abril de 1927 em São Vicente – calunga -, foi eleito vereador em 1960, e deputado estadual dois anos depois, com 7.192 votos, cargo para o qual foi reconduzido em 1966. E homenageado pela imprensa como o melhor da legislatura, personagem célebre da história de Santos como Martin Luther King assassinado no 1968 que não acabou, como Robert Kennedy – personagens que ele conheceu. Era um quadro político nacional.

Tarquínio foi vereador, prefeito, advogado, deputado estadual, engraxate, carregador de caminhão, funcionário de firma de despachos e cantor de orquestra, “peladista” emérito do futebol de praia, não nesta ordem.
Ficou cedo órfão de pai e foi logo se virar. Candidato em 1965 pelo MTR, disputando com Silvio Fernandes Lopes a Prefeitura de Santos, foi impedido de fazer campanha por dois meses e ainda assim perdeu por pouco, oito mil votos. Em 1968 voltaria para a consagração, violentada em 13 de março de 1969.

Na eleição de 1965, a cidade tinha 120 mil eleitores e Silvio teve 42 mil votos, contra 34 mil de Tarquínio. Este, embora derrotado, obteve a espantosa soma de 35 mil votos, aproximadamente. Um ano depois, foi reeleito para a Assembléia com expressiva votação de 32.520 votos. Seu nome vem de Tarquínio, o Soberbo foi o último rei de Roma e o terceiro dos reis Tarquínios.

Advogado, sorridente, negro, alto e forte, cantor de orquestra de voz incrível ao nível do jazz americano, socialista, era uma clara opção de poder popular e chegava em um momento crucial da Ditadura Militar, resposta da cidade reprimida. Mas a alegria popular mais uma vez duraria pouco, pois a violência se abateu novamente sobre a cidade.

Em 1982, quando ele se foi para sempre, trabalhando e fazendo campanha para a que se preconizava votação gigantesca, faltavam cinco dias da eleição em que ele iria voltar à Assembléia Legislativa. Na rota para o “começar de novo”, seu lema nessa época na canção de Elis. Cidadão Honorário de Springfield, capital do Estado de Ilinois, nos Estados Unidos, a Lei Municipal Nº 1.638/98, declara dia 12 de abril o “Dia Municipal Dr. Esmeraldo Tarquínio de Campos Filho”.

O fato é que fomos privados de viver mais esta experiência libertária derivada das eleições de 1968, impedido que ele foi de assumir quando eleito aos 42. Os ditadores não tinham sua grandeza de marchar à frente da passeata dos estudantes em julho de 1968, negro magistral na terra que primeiro fez a Abolição no Brasil e que teve a primeira e única Constituição municipal, que deu o voto às mulheres pela segunda vez no mundo – terra heróica.

Tarquínio começou sua carreira política pelo PSB em 1959, quando se candidatou a vereador e foi eleito com 689 votos, tomando posse em janeiro de 60. Na disputa de Jânio com Lott, Esmeraldo Tarquínio, contrariando a cúpula do PSB, apoiou o primeiro. Por isso, deixou o partido e fundou com amigos a Ação Socialista, sob a presidência do prof. Alípio Correia Neto.

Durante o tempo em que José Gomes foi o prefeito, até ser cassado pela Ditadura, Esmeraldo foi seu líder na Câmara – no compromisso que estendeu por sua vida e em que persistiu com seu sacrifício.
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TARQUÍNIO, 82 ANOS - II
Paulo Matos (*)

Quando seu pai morreu, Esmeraldo Tarquínio, eleito prefeito em 1968 aos 42 anos e impedido de assumir, tinha sete anos e já sabia ler. Sua mãe ensinou. A situação financeira da família não andava bem e não tardou que ela se mudasse para São Paulo. Na Capital, para onde foi com a mãe após a morte do pai, começou o drama do menino pobre. O que não impediu sua subida no esforço do dia a dia carregando caminhão ou vendendo jornal. Mas seu destino estava preconizado: em 1937, ano em que Santos perdia pela segunda vez sua Autonomia, no dia 13 de janeiro mudou-se novamente para Santos, com sua mãe.

Este nosso Tarquínio começou a trabalhar aos nove anos de idade, sem abandonar os estudos. Após anos de trabalho e escola, ingressou na Faculdade de Direito e aos 30 anos formou-se advogado. Disputou e venceu as eleições para a Prefeitura em 1968, com Oswaldo Justo como vice. Foi cassado e continuou a advogar e passou a lecionar. Quando voltava com o lema “Começar de novo” partiria para sempre, a cinco dias da eleição.

Aos nove anos, tornou-se aprendiz de marceneiro. Sobrava tempo ainda para estudar no Grupo Escolar Eduardo Prado. Seu segundo emprego foi como aprendiz de gráfico. Mas, ficou pouco em São Paulo. Em 14 de novembro de 1944 Tarquínio ouviu que podia ser para cantor: Esmeraldo abafou na orquestra de "Nardi e os seus rapazes".

Sua estréia foi no baile do Jabaquara. Favorecido por uma lei de Dutra, em 1950, que beneficiava os que se formavam na época em Contabilidade, fez um cursinho e prestou vestibular para Faculdade de Direito em Niterói. Entre 1.753 candidatos, conseguiu ingressar com uma boa média.

A partir de 1957 abandonou todos os empregos, dedicando-se exclusivamente à advocacia. Várias escolas municipais de diversas cidades da região levam seu nome, além de uma ponte ligando Santos a Praia Grande, entre muitos outros equipamentos públicos. Mas sua memória é ainda mais latente no coração do povo que o escolheu seu herói e seu mestre.

É uma exigência de Santos revirar constantemente sua própria memória e sua história heróica, que se fez no povo e em seus extratos mais proletarizados. Isto se faz em mais este episódio que revela sua expressão de cidade taumaturgo, criadora de milagres e astros humanos, capazes de projetar idéias e sentidos de transformação – e por eles se sacrificam e escrevem passagens de heroísmo.

Tarquínio é aquele que não deixaram ser prefeito e que quando voltava da cassação, depois de ser o melhor deputado estadual escolhido pela imprensa, antes da cidade conquistar sua autonomia mais uma vez levada e poder eleger Tarquínio prefeito, chamaram de volta para ser semente taumaturga geradora de milagres destas terras. Outros virão, portanto.

Junto com Tarquínio a Ditadura cassou 96 políticos, sendo três deputados federais e 92 estaduais – em São Paulo Esmeraldo Tarquínio (que havia sido considerado pela imprensa o melhor da legislatura na Assembléia), Fernando Perrone, Jacinto Figueira Júnior – “o homem do sapato branco” – e Marcondes Pereira.

O filme em cartaz era “A face oculta”, com Marlon Brando e Karl Malden, no cine Caiçara. “General fala à juventude”, informava o jornal. Moacyr Araújo Lopes criticava Marcuse, o filósofo alemão, que segundo ele queria “... desmoralizar e destruir a autoridade”. Pelo mesmo motivo o adoravam em Paris das passeatas e nas capitais do mundo levantando sua foto, na dissintonia vigente entre o poder e a vontade popular naqueles tempos...

(*) Paulo Matos é jornalista, historiador pós-graduado e bacharel em Direito
E está escrevendo o livro “As Autonomias nacionais da Santos libertária!”.

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