SANTOS, A TRIBUNA E A
CONSTITUIÇÃO MUNICIPAL - I
Paulo Matos (*)
CONSTITUIÇÃO MUNICIPAL - I
Paulo Matos (*)
São paralelos e associados os processos de fundação da Tribuna do Povo em 26 de março de 1894 e da Constituição Municipal desse ano, a única do país regulando uma unidade federativa local – produto da ousadia, revogada em 10 de julho de 1895. São elementos integrados a um conflito ideológico santista, entre forças avançadas e progressistas e aquelas vinculadas à monarquia e ao autoritarismo, que resultaram na revogação da norma pela ação dos últimos.
Obra do poeta Vicente de Carvalho, outro personagem importante é Olympio Lima, fundador da Tribuna do Povo e de A Tribuna. Ele está, com sua publicação, na alma deste conflito. Foi contestado com destruição física do jornal e tentativas a tiro contra ele mesmo, que o fazem afastar-se e voltar para refazer o órgão de imprensa. Assim, A Tribuna do Povo de 1894 é a mesma A Tribuna de 1899 – instrumento maior do grupo que proclamou as conquistas constitucionais municipais.
A cidade, com este registro vanguardista, repetia sua vocação libertária dos primeiros anos do século XVI. Quando é fundada à revelia dos colonizadores como comunidade autônoma e heterogênea nacionalmente. Também como pátria do Patriarca da Independência José Bonifácio, desterrado por desafiar o poder na “Constituição da Mandioca” - quando se curva aos canhões e não ao Imperador D. Pedro I. Terra de incontáveis exemplos libertários, depois, ao tempo da Barcelona Brasileira do sindicalismo livre, Cidade Vermelha do Raul Soares.
A chegada do jornalista maranhense Olimpio Lima em 1894 e sua integração no processo de luta política, no grupo liderado pelo médico santista Manoel Maria Tourinho, vereador e presidente da Câmara Municipal, é vital nessa caminhada. Que resultará na derrocada das concepções vanguardistas e democráticas, como a conquista das eleições diretas para os cargos de prefeito e vereador.
A cidade, com este registro vanguardista, repetia sua vocação libertária dos primeiros anos do século XVI. Quando é fundada à revelia dos colonizadores como comunidade autônoma e heterogênea nacionalmente. Também como pátria do Patriarca da Independência José Bonifácio, desterrado por desafiar o poder na “Constituição da Mandioca” - quando se curva aos canhões e não ao Imperador D. Pedro I. Terra de incontáveis exemplos libertários, depois, ao tempo da Barcelona Brasileira do sindicalismo livre, Cidade Vermelha do Raul Soares.
A chegada do jornalista maranhense Olimpio Lima em 1894 e sua integração no processo de luta política, no grupo liderado pelo médico santista Manoel Maria Tourinho, vereador e presidente da Câmara Municipal, é vital nessa caminhada. Que resultará na derrocada das concepções vanguardistas e democráticas, como a conquista das eleições diretas para os cargos de prefeito e vereador.
Estas fórmulas da Constituição de 1894, democráticas de eleição dos dirigentes e separação de poderes – quem dirige o Executivo é o Legislativo, até então - só serão instituídos quase 15 anos depois, em face da revogação da Constituição santista em 1895. Assim como do voto feminino pela segunda vez no mundo depois da Finlândia, entre outras normas. Ela elegeu Tourinho prefeito e José André do Sacramento Macuco vice, Vicente de Carvalho presidente do Tribunal de Recursos.
Em 26 de novembro de 1894, após promulgação da Constituição municipal no dia 15, no dia 18 de maio de 1895 vem a resposta ao recurso contra a Constituição municipal - argüido em 26 de janeiro. Ele enfatiza a liberdade de criação de poderes pelos municípios presentes na Lei federal número 16, de 13 de novembro de 1891. E do Decreto 86, de 29 de julho de 1892.
Em 26 de novembro de 1894, após promulgação da Constituição municipal no dia 15, no dia 18 de maio de 1895 vem a resposta ao recurso contra a Constituição municipal - argüido em 26 de janeiro. Ele enfatiza a liberdade de criação de poderes pelos municípios presentes na Lei federal número 16, de 13 de novembro de 1891. E do Decreto 86, de 29 de julho de 1892.
Estas normas que reconhecem nos municípios a capacidade de criar suas instâncias de poder
“... por órgãos a que cabe a ela criar e suprimir, marcando atribuições”. Mas isto é negado. Estes setores que investiram contra as liberdades da Constituição Municipal de 1894 se mantinham fiéis às da centralização monárquica. Esta revogação, que se deu por uma manobra parlamentar e não por efetiva inconstitucionalidade, valeria até hoje para todo o país.
Esta Constituição foi assinada pelos vereadores Manuel Maria Tourinho, presidente da Câmara Municipal; José Caetano Munhoz, Alexandre José de Melo Júnior, Antônio Manuel Fernandes, João Brás de Azevedo, Antônio Vieira de Figueiredo, José André do Sacramento Macuco e Augusto Filgueiras.
Um ano depois o jornal A Tribuna do Povo de 10 de julho de 1896 traz a palavra dos partidários de Manoel Tourinho e Olímpio Lima, criticando a anulação completa da carta:
“Singular jurisprudência essa, senhores congressistas, que decreta o aniquilamento, a invalidade de uma lei simplesmente porque ela arrogou-a um atributo – o voto da mulher – de exclusiva competência do Congresso federal (...). Tudo não passou de dar pasto à cobiça mal
dissimulada, ao ódio de uma política indecorosa, cujo alvo era infamar e castigar adversários que tiveram a coragem de não submeter ao governo do Dr. Bernardino de Campos ou o desprendimento de não servi-lo”.
“... No fundo tudo não passou de espoliar de seu mandato de prefeito municipal um homem cuja influência política crescente incomodava o governo. A notícia da disparatada decisão do congresso foi aqui vitoriada ruidosamente por um grupo chefiado por certos sicofantas, para quem a política serve e repasto à sua voracidade de dinheiro (...)”
dissimulada, ao ódio de uma política indecorosa, cujo alvo era infamar e castigar adversários que tiveram a coragem de não submeter ao governo do Dr. Bernardino de Campos ou o desprendimento de não servi-lo”.
“... No fundo tudo não passou de espoliar de seu mandato de prefeito municipal um homem cuja influência política crescente incomodava o governo. A notícia da disparatada decisão do congresso foi aqui vitoriada ruidosamente por um grupo chefiado por certos sicofantas, para quem a política serve e repasto à sua voracidade de dinheiro (...)”
O texto conta que
“... dias depois, a capangada invadia o edifício da Câmara e os sabujos assenhoravam-se das cadeiras dos vereadores (...) foram demitidos diretores de seção, escriturários, amanuenses, contínuos, porteiros, administradores da limpeza pública, dos cemitérios e serventes. Em seu lugar foram postos tudo o que o subsolo da política possui de mais repulsivo – indivíduos expulsos das repartições como gatunos, cabalistas eleitorais e desclassificados pela ausência de educação rudimentar”.
(*) Paulo Matos - Jornalista, Historiador pós-graduado e Bacharel em Direito
SANTOS, A TRIBUNA E A
CONSTITUIÇÃO MUNICIPAL - II
Paulo Matos (*)
A época da Constituição municipal de 1894 e da fundação de A Tribuna do Povo é de um jornalismo panfletário, rigorosamente antiflorianista e crítico das políticas das elites santistas. Defensor de idéias - como contra “a política de campanário”, como escreve Olympio, dos “de
cima”. E não meramente informativo e opinativo, de modo aberto e não dissimulado, em tempos de discussão sobre a autonomia das unidades federativas - em uma fase de grande crescimento econômico da cidade em função de seu porto e da expansão de negócios no porto que desde 1850 é o maior do país.
cima”. E não meramente informativo e opinativo, de modo aberto e não dissimulado, em tempos de discussão sobre a autonomia das unidades federativas - em uma fase de grande crescimento econômico da cidade em função de seu porto e da expansão de negócios no porto que desde 1850 é o maior do país.
A briga é entre Quintino de Lacerda, ex-administrador do Quilombo do Jabaquara – que coloca “seus” ex-escravos a serviço da Companhia Docas na greve de 1891 - e Olympio, quando o primeiro pedirá e conseguirá a cassação do segundo. Na verdade, a briga é entre os grupos políticos representados por eles, eleitos vereadores em 1894, quando apenas 5%
da população votavam. E isto vai influenciar na cassação da Autonomia Municipal de 1894, a mais avançada do país e que seria imitada pelos demais municípios, se sobrevivesse.
da população votavam. E isto vai influenciar na cassação da Autonomia Municipal de 1894, a mais avançada do país e que seria imitada pelos demais municípios, se sobrevivesse.
Revogada em uma manobra da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos deputados, onde foi objeto de recurso (justamente do personagem que atirou em Olympio Lima), este ato fechou ao país um ciclo de crescimento político e social. Era sim constitucional esta heróica legislação municipal, dentro das normas a Constituição Republicana de 1891, “de verbo ad verbum”, mas foi derrubada por setores politicamente atrasados, vinculados à época monarquista.
O maranhense Olympio Lima chamou, tempos depois daquele julho de 1895, da suspensão da Constituição Municipal de 1894 pelos adversários da democratização e dos verdadeiros republicanos, de “sicofantas”: pessoas caluniosas, difamadoras, velhacas. Era esse o clima do
enfrentamento – na época de Silva Teles e Carvalho de Mendonça somando-se com o poeta e autor da Constituição Municipal, Vicente de Carvalho.
Esta revogação contribuiu, com seu ímpeto centralizador, para o atraso social, político, econômico e cultural do país, que sofre ainda hoje seus efeitos com a dominação desta política ancestral que não evoluiu e se mantém crônica. A Constituição municipal criava a aposentadoria dos funcionários municipais por tempo (30 anos) e por doença. O texto previa sua revisão e estipulava a obrigatoriedade dos concursos públicos.
Na sua forma administrativa, a Prefeitura teria como órgãos de soberania “por delegação do eleitorado” a Assembléia Municipal - novo nome da Câmara -, o prefeito – então uma novidade, eleito para o cargo diretamente – e a Câmara de Recursos, o que iria dar base para sua rejeição.
Contrária à centralização, adversária do despotismo, a Autonomia Administrativa era idéia central dos republicanos de 1889, sua tese, partidários do sistema federativo de Autonomia das unidades federadas – estados e, por conseguinte, os municípios. Era a forma republicana
de manter a coesão do Brasil imenso, figura central do Manifesto Republicano de 1870. O contraponto do regime monárquico, calcado na imagem do imperador, hierárquico e centralizado.
A Constituição municipal de 1894 era baseada legitimamente nas decisões do Congresso Constituinte Estadual de São Paulo de 1891, que a 14 de julho o promulgava com seção para os regimes municipais, impondo apenas alguns princípios e remetendo-os à legislação ordinária. Oferecendo liberdade no modo de escolha dos parlamentares “... para deliberar sobre todos os negócios do Município, por meio de leis, posturas ou provimentos”.
O maranhense Olympio Lima chamou, tempos depois daquele julho de 1895, da suspensão da Constituição Municipal de 1894 pelos adversários da democratização e dos verdadeiros republicanos, de “sicofantas”: pessoas caluniosas, difamadoras, velhacas. Era esse o clima do
enfrentamento – na época de Silva Teles e Carvalho de Mendonça somando-se com o poeta e autor da Constituição Municipal, Vicente de Carvalho.
Esta revogação contribuiu, com seu ímpeto centralizador, para o atraso social, político, econômico e cultural do país, que sofre ainda hoje seus efeitos com a dominação desta política ancestral que não evoluiu e se mantém crônica. A Constituição municipal criava a aposentadoria dos funcionários municipais por tempo (30 anos) e por doença. O texto previa sua revisão e estipulava a obrigatoriedade dos concursos públicos.
Na sua forma administrativa, a Prefeitura teria como órgãos de soberania “por delegação do eleitorado” a Assembléia Municipal - novo nome da Câmara -, o prefeito – então uma novidade, eleito para o cargo diretamente – e a Câmara de Recursos, o que iria dar base para sua rejeição.
Contrária à centralização, adversária do despotismo, a Autonomia Administrativa era idéia central dos republicanos de 1889, sua tese, partidários do sistema federativo de Autonomia das unidades federadas – estados e, por conseguinte, os municípios. Era a forma republicana
de manter a coesão do Brasil imenso, figura central do Manifesto Republicano de 1870. O contraponto do regime monárquico, calcado na imagem do imperador, hierárquico e centralizado.
A Constituição municipal de 1894 era baseada legitimamente nas decisões do Congresso Constituinte Estadual de São Paulo de 1891, que a 14 de julho o promulgava com seção para os regimes municipais, impondo apenas alguns princípios e remetendo-os à legislação ordinária. Oferecendo liberdade no modo de escolha dos parlamentares “... para deliberar sobre todos os negócios do Município, por meio de leis, posturas ou provimentos”.
(*) Paulo Matos - Jornalista, Historiador pós-graduado e Bacharel em Direito
SANTOS, A TRIBUNA E A
CONSTITUIÇÃO MUNICIPAL - III
Paulo Matos (*)
Foi João Emilio Ribeiro Campos, advogado diretor do Diário de Santos, jornal local, que em 26 de novembro de 1894 escreveu ao Presidente do Estado Bernardino de Campos pedindo a suspensão da Constituição Municipal de Santos por “inconstitucionalidade”, desacordo com as normas superiores. Considerava Campos inconstitucionais a figura do prefeito e do subprefeito e do Tribunal de Recursos – que diziam ser um “Poder Judiciário” municipal. O Presidente do Estado, Bernardino de Campos, pediu informações a Assembléia Municipal santista e enviou a carta ao Congresso Estadual paulista.
Um dos argumentos para o pedido de revogação da Constituição municipal de 1894 foi que Santos se declarava território autônomo e não apenas soberano. E por ter criado um poder judiciário municipal, como consideravam ser o Tribunal de Recursos, dando o direito de voto às mulheres. E estabelecendo penas, definindo delitos e regulamentando formas processuais. Condenavam a competência municipal de desapropriar por Utilidade Pública.
Era ilegal, para os contestadores, a eleição de um prefeito, não um vereador eleito, como previa a lei central – sem atentar que a Constituição permitia a organização livre dos poderes. Assim como fixar, como fazia a norma, como renda municipal o aforamento de suas áreas de marinha. E marcar a data da eleição e posse dos vereadores, fixando normas para perda de mandato. Era a revogação dos mandatos que se busca até hoje.
Havia a possibilidade de incorporar territórios ao Município e previa a criação da Guarda Municipal, assim como criar salários aos vereadores e prefeito. Cassada a Constituição, os que receberam tiveram que devolver os recursos. Quando a Constituição Municipal criava a figura do prefeito, estipulava que ele teria poderes como o Presidente do Estado, como se chamava, então, o governador.
As atribuições e competências da Assembléia Municipal eram quase todas extraídas da Lei número 16, de 13 de novembro de 1891, regulamentada pelo Decreto número 86, de 29 de julho de 1892. E as terras da União, que o texto colocava sob domínio municipal, incluindo-as entre suas fontes de receita pelo aforamento.
As atribuições e competências da Assembléia Municipal eram quase todas extraídas da Lei número 16, de 13 de novembro de 1891, regulamentada pelo Decreto número 86, de 29 de julho de 1892. E as terras da União, que o texto colocava sob domínio municipal, incluindo-as entre suas fontes de receita pelo aforamento.
Na análise, o relator Alfredo Pujol considerou o Tribunal de Recursos mera instância administrativa, julgando improcedentes cinco das questões levantadas pelos adversários da Constituição Municipal. As demais questões estavam, para ele, firmemente apoiadas nas leis existentes. A eleição do prefeito, para ele, era constitucional. Mas os outros dois membros da Comissão se uniram e derrubaram o voto do relator.
Ocorreu que a República instalou-se sem a ruptura de poder com a Monarquia, ao contrário da Revolução Francesa. E isso fez com que aqui muitos “Republicanos” fossem, até o dia anterior, monarquistas, conservadores e atrasados. Esta foi uma questão não apenas localizada, mas geral na prática republicana.
O professor e escritor Júlio Ribeiro, no seu romance “A Carne”, fala da Santos de 1887. E da natureza de seu porto como causa dela encampar as causas mais avançadas, “... o único povo que julgo capaz de uma revolução”, escreve, lembrando de uma revolta local na questão da água em que a população irrompeu pelas ruas.
Júlio lembrava, como se espalhou, da Revolta dos Lampiões de 1884, uma manifestação contra os serviços públicos na cidade que teve muito quebra-quebra. Como escreveu há mais de 70 anos o historiador maior Francisco Martins dos Santos, a falta da Constituição Municipal, retirada e jamais devolvida à cidade, representou a ausência da Autonomia plena e uma constante ameaça aos peculiares interesses do Município sob o regime “odioso” da Lei Orgânica, a Lei nº 1 do Estado.
Para o historiador, essa norma “... só nos trouxe dificuldades e mutilações”, escreve, “ameaçando ainda extinguir o Município de Santos reduzindo-o ao território urbano de 31 km da área insular, ele que já teve mais de mil e áreas de derivação agrícola, industrial, turística
e sanitária”.
(*) Paulo Matos - Jornalista, Historiador pós-graduado e Bacharel em Direito
E-mail: jornalistapaulomatos@yahoo.com.br
Blog: http://jornalsantoshistoriapaulomatos.blogspot.com
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