AMBULANTES DE PRAIA - I
- A VITÓRIA DOS OPERÁRIOS DO SOL / 1983-1986
A praia e o mundo melhor
Paulo Matos (*)
Em Santos, a vitória dos "operários do sol" há mais de duas décadas, em 1986, os ambulantes de praia vendedores de caipirinha, foi produto do nosso trabalho individual e solitário - um dos maiores trabalhos de massa da região. O registro disso está em mais de duzentas reportagens jornalísticas, narrando o passo a passo desta caminhada, cujo início completou 26 anos. Era a prova do que aprendi na caminhada de militância social. São hoje cerca de 300 ambulantes vendedores de bebidas em toda a praia de Santos. São os primeiros (é únicos por lei, que elaborei) “operários do sol” a serem legalizados no país – ostentando bandeiras em um imenso visual de ponta a ponta nos 5,5 Km de areia, com (agora) bem equipados carrinhos metálicos, que outrora eram toscos e de madeira. Perseguidos pelos fiscais e pela polícia há 50 anos em dramáticas e por vezes sangrentas ocorrências em praia lotada, proibidos e trabalhar desde seu surgimento, sua legalização registra uma vitória popular de trabalhadores e consumidores. E foi completada no trabalho de um indivíduo, que por acaso é este que vos escreve, em intenso trabalho de engajamento e mobilização com setores marginalizados - sem preconceito. A conquista foi fruto de um trabalho de empenho e militância social que hoje se revela grandioso e socialmente representativo. Eram proibidos: e por que eles não poderiam trabalhar? Seus consumidores os queriam e eles tinham direito ao trabalho? Ora, a lei deve se adaptar ao povo e à natureza, disse Rousseau. E foi o que fizemos, “pelo direito à vida e ao trabalho dos operários do sol”, nosso lema nessa luta que venceu a resistência dos estabelecimentos da orla e seu sindicato patronal. Cerca de 200 reportagens de dois jornais locais ilustraram a heróica caminhada, uma luta que tive que fazer sozinho. No final, o apoio do então vereador do PT que ajudei a fundar, Nobel Soares, apresentando o trabalho que elaborei na Câmara - a lei legalizando os ambulantes, hoje um orgulho pelo trabalho reconhecido pelos antigos profissionais. A idéia de divulgar a luta e a conquista dos Ambulantes de Praia, vendedores de caipirinha (e na época de “raspadinha”, refresco produzido com gelo) é antiga e resumo agora o farto material que ainda possuo, com todas as reportagens. Durou de 1983 a 1986 e entra no item "Artistas de Rua", mesmo porque estas batidas de frutas coloridas são obras de arte. E seus artistas eram menosprezados. Vagas em frente de trabalho para limpar ruas? Foi a oferta do então “prefeito” Barbosa para que deixassem a atividade clandestina. Qual o quê, disseram em coro, lembrando a canção: nosso lugar é na areia. Um jornalista amigo disse-me na época que eu “tomaria uma facada” deles, que se tornaram sim meus melhores amigos, até hoje gratos pela adesão incondicional à sua luta. Eu os convocava, elaborava os convites, pagava a impressão, discursava nas assembléias durante três anos, organizava o material de imprensa, levava aos jornais e dava entrevistas. Batia o escanteio e corria para cabecear, para ser claro. E caminhava a praia inteira constantemente no trabalho de aglutinação. Um velho militante comunista deu-me a senha da mobilização. Esta batalha, que clareou a praia ainda mais que o sol, incluiu no mercado de trabalho mais de mil e quinhentas pessoas, no início, hoje mais. Cada um ganha milhares de reais a cada fim de semana de verão. Saíram das marquises e moram em casas e apartamentos. Evoluíram e tem milhares de adoradores, que deles usufruem. Ao chegarmos na Câmara na primeira visita, em massa, a idéia de um vereador (Mantovani) foi de ir ao Rio de Janeiro ver a legislação local sobre a legalidade dos ambulantes. Foram, à custa da Câmara, claro. Não existia legalidade nenhuma, como não existia no resto do país. Foi a primeira do Brasil, aqui, que fizemos. Por que fiz isso? Adianto que não ganhei nada. Ora, os banhistas os adoravam. E seu direito à vida era patente. Sou militante social desde a tenra juventude e fiz este exercício de cidadania. Cheguei a propor uma campanha das “diretas já” na praia. Na manifestação desse movimento nacional na Praça da Independência, pela eleição direta do presidente da República, nas fotos só dava ambulantes de praia na luta, sua maior presença. Essa presença majoritária também se verificou na posse do prefeito Justo e do vice Tarquínio em 1984. Foi quando 500 ambulantes lotavam a Praça Mauá com 50 faixas, mais 50 espalhadas nos cruzamentos pela cidade. Não dava para agüentar a pressão, que era de um homem só e um conjunto militante forte e nordestino em formidável entrosamento e união inéditos. A luta pela legalidade dos ambulantes de praia começou com uma inédita assembléia no Gonzaga - Fonte Luminosa, onde hoje estão os coqueiros - no dia 25 de fevereiro de 1983, com centenas de ambulantes. Era o dia seguinte ao incêndio da favela de Vila Socó com 200 mortos, em Cubatão. Sob o impacto da notícia, fundamos a Socó Unidade Ambulante de Resistência, hoje Sindicato dos Ambulantes. Essa legalidade fez a praia e o mundo melhor e tenho imenso orgulho pela tarefa que me coube. Paulo Matos Jornalista, Historiador pós-graduado e Bacharel em Direito E-mail: jornalistapaulomatos@yahoo.com.br Blog: http://jornalsantoshistoriapaulomatos.blogspot.com AMBULANTES DE PRAIA - II - A VITÓRIA DOS OPERÁRIOS DO SOL / 1983-1986 O mundo fica melhor assim Paulo Matos (*) A luta pela legalidade dos ambulantes de praia começou com uma inédita assembléia no Gonzaga - Fonte Luminosa, onde hoje estão os coqueiros - no dia 25 de fevereiro de 1983, com centenas de ambulantes. Era o dia seguinte ao incêndio da favela de Vila Socó com 200 mortos e, sob o impacto da notícia, fundamos a Socó Unidade Ambulante de Resistência, hoje Sindicato dos Ambulantes. A história terminou com a aprovação na Câmara da lei que elaborei em 1986, seguida de batalha para sua sanção. Foram mas de 200 assembléias que convoquei e dirigi no Centro dos Estudantes de Santos (Avenida Ana Costa 308). A manifestação inicial de 25 de fevereiro de 1983, há 26 anos, foi seguida de uma passeata até a Praça da Independência. Tinha mais de uma centena de trabalhadores, diante de um incrédulo público - que nunca viu ou verá algo assim. Lotamos as sessões da Câmara Municipal e da Assembléia Legislativa várias vezes, cercamos governadores, secretários estaduais, deputados e candidatos a prefeito com o pleito da legalização. O primeiro obstáculo foi a proibição estadual. Fomos falar com os líderes da Assembléia estadual e uma semana depois chegou a resposta. Era um Decreto-Lei (52.388) que não havia sido votado, era de 1971. E não valia mais nada. Eu disse para o presidente do Sindicato dos Bares e Restaurantes de Santos, vigoroso opositor da legalidade ambulante: vamos fazê-la. Ele duvidou. A fizemos! Durante a luta, o então secretário de Saúde, médico, alegou que a “raspadinha” que os ambulantes faziam continha um veneno poderosíssimo, a “tartrazina”. Fui pesquisar e era um componente do Ki-Suco, um refresco em pó vendido nacionalmente e que eles colocavam no gelo moído. Ou raspado, melhor dizendo. Quer dizer, o “veneno” vinha no produto industrializado. Uma foto do jornal mostra este jornalista apontando o dedo para o dito cujo, secretário de um interventor no cargo de prefeito, Paulo Barbosa, durante uma audiência em seu gabinete na Prefeitura. A batalha foi manchete de dois jornais de Santos, os maiores - A Tribuna e Cidade de Santos, que não existe mais - durante três anos, com muitas fotos, 240 reportagens em meio à cidade e a praia lotada de gente atropelada por carrinhos em fuga dos fiscais, até a legalidade e a consecução de um serviço público moderno, com geladeiras e higiene, mais variedade de oferta de produtos, refrigerantes. Foram feitos 30 mil panfletos convocando os ambulantes, criados, patrocinados e distribuídos por mim em diversas edições, distribuídos um a um, dezenas de assembléias com 300 profissionais – em que cada um tem toda uma história. O tema é fantástico e drasticamente diferente dos usos e costumes sem graça da propaganda formal. Vale a pena apostar nos "Operários do Sol", metáfora que criei e que fez grande sucesso. A lua teve episódios épicos como a da resistência que acabou com as apreensões de carrinhos. Foi em um dia de sol na praia, no Gonzaga, em que se enfileiraram dezenas deles para impedir as dramáticas apreensões dos toscos carrinhos pelos fiscais da Prefeitura - feitos e geladeiras velhas e rodas de bicicleta. Construídos por pessoas pobres, migrantes em maioria, que colocavam todo seu patrimônio naquela construção. A história de Ad, apelido que dei ao Ademir - um ambulante destes, moreno e esguio - foi definitiva para meu engajamento solitário na causa, iniciando a organização da luta. Ad pegara todo o dinheiro de casa, inclusive para o filho recém-nascido, indo comprar frutas e cachaça para ampliar o “capital” e comprar comida. Teve seu carrinho e todo material de trabalho apreendido. A história contada por ele bastou-me. Foram muitas histórias assim. Qualquer outra pessoa atenderia às ameaças do chefe (eu trabalhava na CETESB) de que eu seria demitido se continuasse e abandonaria o movimento. Mas eu não nasci para isso e segui em frente. Fui demitido, mas não tive caráter para escolher uma alternativa não solidária. Na mesma época, como membro da coordenação da Associação dos Usuários do Transporte Coletivo, fui preso e indiciado na Lei de Segurança Nacional em uma manifestação – 26/3/1984. É a minha natureza, deixando a praia e o mundo melhor. |
Paulo Matos
Jornalista, Historiador pós-graduado e Bacharel em Direito
E-mail: jornalistapaulomatos@yahoo.com.br
Blog: http://jornalsantoshistoriapaulomatos.blogspot.com
Jornalista, Historiador pós-graduado e Bacharel em Direito
E-mail: jornalistapaulomatos@yahoo.com.br
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