MAURICE, O JUBILEU DO CHAPINHA
(*) Paulo Matos
Maurice, uma memória de Santos que durante quase meio século promoveu a cultura cinematográfica na cidade – para a que trouxe o que de melhor a sétima arte construiu desde os irmãos Lumiére -, nasceu nos arredores de Paris em 1925 e veio ainda pequeno para a cidade, com 6 anos. Amigo e companheiro de Patrícia Galvão e da intelectualidade que renascia no pós-guerra, foi um dos motores desse renascimento intelectual – livre-pensador e combatente social. Ele se foi em 1997, em 25 de maio, arma e instrumento da rebeldia que formou muita gente.
O filho de Mauricette e Emile era, como Patrícia Galvão, o militante do ideal, como era chamada a atriz e revolucionária. Ele educou gerações com o melhor cinema, colocado à margem pela estrutura comercial da área – o chamado cinema de arte – tendo sido o criador no Brasil da sessão da meia-noite, no cine Roxy. Campos, o cap dos cinemas, dono da rede, sabia da importância da cultura cinematográfica.
Rapazote, funcionário do Expresso Luxo, Maurice se integrou ao grupo que, em 16 de outubro de 1948, havia fundado o Clube de Cinema de Santos, uma das primeiras expressões do movimento cineclubista brasileiro, logo após o surgimento de entidade similar no Rio de Janeiro - integrado pelo poeta e diplomata Vinícius de Moraes. Segundo a história dos cineclubes brasileiros, é o quinto do Brasil a ser fundado. Secretário do cônsul francês e funcionário da Associação Franco-Brasileira, amante e profissional da fotografia, no entrosamento com a intelectualidade que renascia, resultaria o introdutor cultural da nova linguagem.
Maurice, o Gurú dos Gurís, como foi chamado no curta-metragem rodado nos anos 80, foi companheiro de Roldão Mendes Rosa (o sócio número 1 do CCS), na equipe de Rubens de Ulhoa Cintra, Gastão Frazão, Nelson e Armando Sá, entre outros. Contemporâneo de Plínio Marcos e de Gilberto Mendes, a partir de 1954 passaria a dirigir o Clube de Cinema sozinho, morando junto, o que fez até os anos 80 – quando os planos de abertura não deram certo e Maurice se afastaria para fundar a Cinemateca de Santos – em janeiro de 1981.
O Clube, em outras mãos, em breve desapareceria; restaria, ativa, a Cinemateca de Maurice, o CCS ressurgido. Tempos de mudanças múltiplas, tempos difíceis, do apartamento na Ana Costa ao Sesc, uma sede na rua Pará – em que ele exibia filmes para as crianças, como o Sinfonia Amazônica -, e Cadeia Velha, até a sede no bairro do Mercado, na rua Paulo Gonçalves 22 – dirigida por sua filha Patrícia Legeard, a Zuzuca.
Mantida pela Prefeitura, ficava em uma rua sem saída esta sede. Durante muito tempo Maurice sonhou com um mural da Cinemateca no paredão em que terminava a rua, debalde: se foi sem vê-lo. Hoje, a Cinemateca, de Patrícia e do marido Renato, brilhante, fica no Campo Grande.
Nos tempos do Clube, eram até 5 sessões semanais em, cinemas e entidades, com sua máquina de 16 milímetros que ele mesmo operava. Uma de suas últimas grandes realizações foi a antologia do cinema no Sindipetro, inaugurada massiva e festivamente com Os Companheiros, de Monicceli, que terminava ao som da Internacional Socialista. Depois, as pessoas desapareceram. Eram outros os tempos...
Na sede, um acervo de quase mil filmes de arte em vídeo, livros, arquivos jornalísticos de atores, diretores, técnicos, coletados diariamente durante décadas e cuidadosamente fichados. Tem também e desenhos do artista-irmão da caminhada cinematográfica nas últimas 4 décadas, Miro – quem elaborava os cartazes dos filmes apresentados nas sessões em obras marcantes.
Cronista do jornal Hora Santista, Maurice recebeu mensagem de Charles Chaplin no final dos anos 60, através do cartunista Dino, publicada em “A Tribuna”. Fio condutor de concepções libertárias, que abriu novas etapas no pensamento de tantas gerações, agente do progresso e da civilização do amanhã, era o chapinha das madrugadas - que nunca mais serão as mesmas sem a força de sua contradição, lançada sempre em busca da lucidez.
Nessas madrugadas, ele esculhambou solenes personalidades, irritando os que assumiam sua mediocridade. Que Maurice descobria com seu olhar felino, azul e multicor, como o personagem de Um dia um gato, o filme checo da Primavera de Praga. Estação que, ainda que sem ele, continuaremos a buscar, apesar deste outono sombrio da informação massificada e desqualificada.
Maurice recebeu o título de Cidadão Santista da então vereadora Telma de Souza, que seria prefeita da cidade (1989-1992). Sua mensagem não se incendeia como a película de Persona, o filme de Bergmann, mas permanece nas sínteses devassáveis, frondosas e acessíveis e sensíveis deste menestrel dos celulóides. Ousado e luminoso como Weles, Maurice não tergiversou como Kane, perenizando seu rosebud. Esse tigre feroz das madrugadas – como o descreveu o poeta e amigo Narciso de Andrade -, não briga mais, com diz seu poema:
Tigre feroz das madrugadas, Maurice não briga mais. Podeis passar levianos, com vossos passos melífluos, Maurice não briga mais. A cidade está tranqüila, na Conde D’Eu e no Outeiro, nas catacumbas do Itararé, nos antros podres do Gonzaga. Maurice não briga mais. Podeis acordar mais tarde, habitantes da grande noite, damas das vielas e das esquinas, frágeis infantes das calçadas, Maurice não briga mais.
Este é o recado que traz o vento frio da madrugada, da madrugada rubra do cais - Maurice não briga mais. Catraieiros do mercado, que levais vossas catraias, ao outro lado do estuário, sem temor da cerração, Maurice não briga mais. Proprietários dos botecos, deixais vossas portas abertas, servi vosso conhaque nas mesas, liberai o papo franco pelas manobras do álcool, Maurice não briga mais. Kurosawa, Bergmann, Fellini, que tristeza, que tristeza, Maurice não briga mais...
O filho de Mauricette e Emile era, como Patrícia Galvão, o militante do ideal, como era chamada a atriz e revolucionária. Ele educou gerações com o melhor cinema, colocado à margem pela estrutura comercial da área – o chamado cinema de arte – tendo sido o criador no Brasil da sessão da meia-noite, no cine Roxy. Campos, o cap dos cinemas, dono da rede, sabia da importância da cultura cinematográfica.
Rapazote, funcionário do Expresso Luxo, Maurice se integrou ao grupo que, em 16 de outubro de 1948, havia fundado o Clube de Cinema de Santos, uma das primeiras expressões do movimento cineclubista brasileiro, logo após o surgimento de entidade similar no Rio de Janeiro - integrado pelo poeta e diplomata Vinícius de Moraes. Segundo a história dos cineclubes brasileiros, é o quinto do Brasil a ser fundado. Secretário do cônsul francês e funcionário da Associação Franco-Brasileira, amante e profissional da fotografia, no entrosamento com a intelectualidade que renascia, resultaria o introdutor cultural da nova linguagem.
Maurice, o Gurú dos Gurís, como foi chamado no curta-metragem rodado nos anos 80, foi companheiro de Roldão Mendes Rosa (o sócio número 1 do CCS), na equipe de Rubens de Ulhoa Cintra, Gastão Frazão, Nelson e Armando Sá, entre outros. Contemporâneo de Plínio Marcos e de Gilberto Mendes, a partir de 1954 passaria a dirigir o Clube de Cinema sozinho, morando junto, o que fez até os anos 80 – quando os planos de abertura não deram certo e Maurice se afastaria para fundar a Cinemateca de Santos – em janeiro de 1981.
O Clube, em outras mãos, em breve desapareceria; restaria, ativa, a Cinemateca de Maurice, o CCS ressurgido. Tempos de mudanças múltiplas, tempos difíceis, do apartamento na Ana Costa ao Sesc, uma sede na rua Pará – em que ele exibia filmes para as crianças, como o Sinfonia Amazônica -, e Cadeia Velha, até a sede no bairro do Mercado, na rua Paulo Gonçalves 22 – dirigida por sua filha Patrícia Legeard, a Zuzuca.
Mantida pela Prefeitura, ficava em uma rua sem saída esta sede. Durante muito tempo Maurice sonhou com um mural da Cinemateca no paredão em que terminava a rua, debalde: se foi sem vê-lo. Hoje, a Cinemateca, de Patrícia e do marido Renato, brilhante, fica no Campo Grande.
Nos tempos do Clube, eram até 5 sessões semanais em, cinemas e entidades, com sua máquina de 16 milímetros que ele mesmo operava. Uma de suas últimas grandes realizações foi a antologia do cinema no Sindipetro, inaugurada massiva e festivamente com Os Companheiros, de Monicceli, que terminava ao som da Internacional Socialista. Depois, as pessoas desapareceram. Eram outros os tempos...
Na sede, um acervo de quase mil filmes de arte em vídeo, livros, arquivos jornalísticos de atores, diretores, técnicos, coletados diariamente durante décadas e cuidadosamente fichados. Tem também e desenhos do artista-irmão da caminhada cinematográfica nas últimas 4 décadas, Miro – quem elaborava os cartazes dos filmes apresentados nas sessões em obras marcantes.
Cronista do jornal Hora Santista, Maurice recebeu mensagem de Charles Chaplin no final dos anos 60, através do cartunista Dino, publicada em “A Tribuna”. Fio condutor de concepções libertárias, que abriu novas etapas no pensamento de tantas gerações, agente do progresso e da civilização do amanhã, era o chapinha das madrugadas - que nunca mais serão as mesmas sem a força de sua contradição, lançada sempre em busca da lucidez.
Nessas madrugadas, ele esculhambou solenes personalidades, irritando os que assumiam sua mediocridade. Que Maurice descobria com seu olhar felino, azul e multicor, como o personagem de Um dia um gato, o filme checo da Primavera de Praga. Estação que, ainda que sem ele, continuaremos a buscar, apesar deste outono sombrio da informação massificada e desqualificada.
Maurice recebeu o título de Cidadão Santista da então vereadora Telma de Souza, que seria prefeita da cidade (1989-1992). Sua mensagem não se incendeia como a película de Persona, o filme de Bergmann, mas permanece nas sínteses devassáveis, frondosas e acessíveis e sensíveis deste menestrel dos celulóides. Ousado e luminoso como Weles, Maurice não tergiversou como Kane, perenizando seu rosebud. Esse tigre feroz das madrugadas – como o descreveu o poeta e amigo Narciso de Andrade -, não briga mais, com diz seu poema:
Tigre feroz das madrugadas, Maurice não briga mais. Podeis passar levianos, com vossos passos melífluos, Maurice não briga mais. A cidade está tranqüila, na Conde D’Eu e no Outeiro, nas catacumbas do Itararé, nos antros podres do Gonzaga. Maurice não briga mais. Podeis acordar mais tarde, habitantes da grande noite, damas das vielas e das esquinas, frágeis infantes das calçadas, Maurice não briga mais.
Este é o recado que traz o vento frio da madrugada, da madrugada rubra do cais - Maurice não briga mais. Catraieiros do mercado, que levais vossas catraias, ao outro lado do estuário, sem temor da cerração, Maurice não briga mais. Proprietários dos botecos, deixais vossas portas abertas, servi vosso conhaque nas mesas, liberai o papo franco pelas manobras do álcool, Maurice não briga mais. Kurosawa, Bergmann, Fellini, que tristeza, que tristeza, Maurice não briga mais...
(*) Paulo Matos - Jornalista, Historiador pós-graduado e Bacharel em Direito
E-mail: jornalistapaulomatos@yahoo.com.br
Blog: http://jornalsantoshistoriapaulomatos.blogspot.com
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