domingo, 3 de janeiro de 2010

DEFESA DOS “CORRUPTOS” DA PRAIA, UMA HISTÓRIA LITORAL - I, II E III

DEFESA DOS “CORRUPTOS” DA PRAIA,
UMA HISTÓRIA LITORAL - I

Paulo Matos (*)

O trabalho ecológico que desenvolvi de preservação de uma espécie meio marinha, meio da terra – o “calichirus SP”, apelidado “corrupto” porque mora dentro da areia da beira-mar, a dois metros da superfície – marcou época e determinou uma ação nacional do IBAMA para impedir a eliminação do crustáceo. Dei as bases para a edição da portaria proibitória da captura nacionalmente, agindo ecologicamente.

Na ocasião desta portaria proibitória da captura do espécime, de um órgão federal, quase dez anos após, fui entrevistado por uma rádio paulistana (CBN 1/6/1997), a que demonstrei todo o esforço que desenvolvi enviando apelos às autoridades, pedindo o cumprimento da Lei de Proteção à Fauna e à Flora, em infrações que enumerei em oito itens claramente burlados. Aqui a captura se estendia em centenas de “sugadores” de PVC, nos 5,5 Km de praia em Santos e nos 54 km de Bertioga, à época território santista.

Certa feita, caminhando pela areia à noite com meu filho Paulo Jr., ainda pequeno, conhecedor da epopéia e vendo o brilho das luzes a refletirem as pequenas fontes de água causadas pela respiração do espécime disse que, a minha passagem, eles se manifestavam “para agradecer” – em uma metáfora magistral. Sim, dei a eles meu esforço, que não custou senão atenção ambiental.

Transcorreu entre dezembro de 1987 e meados de 1988, há mais de 20 anos, este movimento que atuou na cidade e no país. O “corrupto” tem em média 15 centímetros e pesa 20 gramas. Foi colocado em debate comigo pela rádio, nacionalmente, o então presidente da Associação Nacional dos Pescadores.

O líder nacional dos pescadores argumentou com o grande número de espécimes existentes (em Santos a maior do país), ao que respondi que quem determinava isso era o ambiente e suas exigências – já que se acredita que esse “primo” do camarão e “sobrinho” da lagosta, chamado também de “camarataca” ou “tamburutaca” absorve poluentes.

Em alguns locais, comenta-se, o “corrupto” serve de alimento, venenoso pelo arsênico que contém, aqui utilizado para isca - o que ainda ocorre na ausência da fiscalização que chegou a existir, com a prisão de pescadores flagrados na captura.

Atribuindo o papel de renovador do ecossistema marinho, apelei ao então prefeito Oswaldo Justo pelo espécime ameaçado (A Tribuna, 6/12/1987) e caçado à larga, assim como ao comandante da Polícia Florestal Osmair Sachetto, tenente-coronel PM, então predados por pescadores – como se refere o texto da nota de “A Tribuna em 18 de dezembro de 1987. Era a batalha de preservação ambiental, que iria frutificar.


DEFESA DOS “CORRUPTOS” DA PRAIA,
UMA HISTÓRIA LITORAL - II

Paulo Matos (*)

Na luta em defesa do “callichirus SP”, camarataca ou tamburutaca, o “corrupto” - espécime meio marinho, meio da terra -, em 20 de dezembro de 1987 o capitão PM João Leonardo Mele, comandante da primeira companhia da Polícia Florestal, comunica em resposta ao meu apelo pela ação proibitória da captura que não existem leis que permitam a ação. E que já defendeu sua criação pela SUDEPE, a Superintendência de Desenvolvimento da Pesca.

Em 28 de dezembro de 1987 o tenente-coronel Sachetto, comandante da III Companhia da Polícia Florestal, solicita que o apelo seja dirigido à SUDEPE. O coordenador regional de pesca, Ari Souza Almeida, observa que talvez a distância da praia que tem a SUDEPE (em SP) é que dificulte sua identificação do problema. E ação saneadora do órgão “em problemas específicos de sua área de atuação, razão pela qual “... ignorou a vida, paixão e morte dos pobres “corruptos” da areia”, diz a matéria.

Em janeiro de 1988 a revista Destaque reporta a luta em todos seus contatos e apelos às personalidades e autoridades, reportando a promessa do prefeito de colocar em ação a Guarda Municipal. Antes, em sete de março, o jornal A Tribuna publica extensa carta de minha autoria sobre a questão, em que enumera os artigos infringidos da Lei de Proteção à Fauna e à Flora, Lei número 5.197, de 3/1/1967. No dia 12 de março de 1988 extensa matéria de A Tribuna reporta “Apesar dos riscos, continua a caça predatória do `corrupto´.

No dia 15 de março o jornal A Tribuna publica matéria com a chamada “Florestal não pode agir no caso dos corruptos”, pela inexistência de norma, que supri com os apontamentos legais ao IBAMA, gerando a norma proibitória. O biólogo Luiz Eduardo Marrtins da Silva, diretor cientifico do Centro dos Estudos do Mar, discorre sobre suas andanças na praia, em que identifica o simples “desejo de matar” dos que capturam o espécime.

No dia 16 de março de 1988, a chamada é captura popular do `corrupto´ não causa danos, reportando a decisão do superintendente da SUDEPE, contrariando sua própria manifestação anterior. Fez isso após consultar seu primo, Sérgio de Almeida Rodrigues, do Departamento de Zoologia do Instituto e Geociências da USP. Ele que em 1963 desenvolveu pesquisa sobre o espécime. Denunciei que o fato dele ser primo do catalogador do “callichirus SP” e não agir contra a devastação de dezenas de espécimes hoje exauridas não afirmava sua autoridade no tema.

Nota na revista Destaque é publicada em março e o dia 22 deste mês o coordenador da SUDEPE garante que não vai regulamentar a captura do “calichirus SP” – mas o então vereador Rivaldo Justo promete apresentar Projeto de Lei proibindo a prática, atendendo meu apelo do dia 17 de março de 1988 – o que fez no PL 31/88. Foi considerado “inconstitucional”, embora mais tarde fosse aprovado o mesmo projeto de autoria do vereador Marcus de Rosis.

O então deputado Rubens Lara, reporta A Tribuna em primeiro de abril de 1988, oficiou ao presidente da Federação dos Pescadores do Estado, Julio Tadanore Alikawa, contra os poluidores do mar e contra a captura do “callichirus SP” – vinculado às ações ambientais que era. Um passo importante na luta.


DEFESA DOS “CORRUPTOS” DA PRAIA,
UMA HISTÓRIA LITORAL - III

Paulo Matos (*)

Lara, deputado estadual santista e militante ambientalista, criado da estação ecológica Juréia-Itatins, anuncia seu apoio à luta contra a captura do “corrupto” nas praias em uma postura “... que vai ao encontro as expectativas dos ambientalistas”. É o endosso necessário. No dia 24 de março de 1988 ele insiste na proibição da captura, conforme ampla matéria de A Tribuna, que traz o apoio também do integrante do movimento ecológico MDV, o Movimento em Defesa da Vida, Alfredo Coelho Júnior.

Coelho, pesquisador e ambientalista que seria presidente do Conselho de Defesa do Meio Ambiente da Prefeitura na administração da prefeita Telma de Souza, estranha que se atribua à SUDEPE a proibição, “pois o caso não é de pesca e nem tem o animal em estudo”, diz. “O que ocorre é a caça, com equipamento perverso, afirma, “infringindo a lei”.

Na edição de maio/junho de 1988 do “Jornal da Pesca” da SUDEPE – número 13 -, editado nacionalmente, é reportada a palavra do agente em Santos, José Maria Gadelha. A entidade promoveu um encontro no Hotel Mendes Plaza, no Gonzaga, onde tive a palavra para apresentar a luta e detalhar seus temas.

Nessa ocasião, Gadelha disse sobre os prejuízos causados pela poluição e pesca predatória. Ele acusou a captura indiscriminada de “corruptos” (com as “bombas” de sucção utilizada) como um dos motivos de redução do volume de peixes. E alerta sobre o perigo de envenenamento por arsênico dos que se alimentarem do espécime.

A publicação, na palavra de seu agente em Santos, explica que o alto número de espécimes nas praias de Santos – que em Bertioga eram capturados com tratores, junto com outros elementos da fana marinha – se deve à poluição, alertando para o perigo de sua extinção.

“O corrupto é um animal filtrador – escreve o texto – e retém organismos e substâncias da água”, denotando que os espécimes encontrados em Santos tinham alto índice de arsênico. “Ingeridos, podem provocar hepatite, câncer, encefalite, dermatite, nefrite, distúrbios visuais e problemas mentais.

Com o dobro da quantidade de arsênico permitido pela Organização Mundial de Saúde, esclarece Gadelha, em áreas não-poluídas o espécime pode servir como alimentação – que aqui é “temerária”. No encontro, o superintendente nacional da SUDEPE, Aécio Moura Silva, abraçou a causa e disse ser favorável à regulamentação dessa captura. As colunas sociais locais fizeram menção ao ato (AT Especial, 30/7/1988).

Alertando para o perigo de sua extinção, como já ocorreu com vários espécimes marinhos, munidos de aparelhos sugadores de PVC vendidos nas lojas de pesca, uma minúscula fonte de água na beira-mar denuncia o “corrupto”: é quando ele respira. Quando capturado, junto com ele saem centenas de filhotes colados ao corpo deste espécime capturado em sacos em uma espetacular devastação. Esse equipamento foi utilizado, por pesquisadores da USP para estudo e a partir daí se disseminou.

A Lei de Proteção à Fauna e à Flora, reporta o texto, prevê em seu Artigo oitavo a publicação e a atualização anual dos espécimes e áreas onde eles poderão sofrer captura. Em seu artigo primeiro proíbe a captura de qualquer espécime em território nacional, exigindo regulamentação.

O artigo 10 da Lei de Proteção à Fauna e à Flora, de 1967, proíbe, na letra A, o uso de instrumentos que maltratem a caça, o que faz o sugador utilizado. Na letra I, proíbe a caça nos parques públicos e jardins, em que se enquadram as praias. O artigo 13 prevê o licenciamento anual dos caçadores, o que não ocorre; o artigo 33 prevê a apreensão dos instrumentos infratores dos pescadores e das lojas.

A carta termina com um apelo para a manifestação junto às autoridades, enumerando-as – no encaminhamento que fiz também ao IBAMA. Existem também normas que proíbem o comprometimento da sobrevivência dos filhotes, o que ocorre. Enfim, a argüição e a sistemática pregação solitária fizeram efeito e a proibição foi determinada por portaria do IBAMA nacionalmente, uma vitória do ambiente – apesar dos opositores e convertidos. Foi mais um trabalho em prol da praia, espaço dos operários do sol.


(*) Paulo Matos é Jornalista, Historiador pós-graduado e Bacharel em Direito.
E-mail: jornalistapaulomatos@yahoo.com.br
Blog: http://jornalsantoshistoriapaulomatos.blogspot.com
Orkut: http://www.orkut.com.br/Main#Profile.aspx?rl=ls&uid=3193061565782244472
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