terça-feira, 8 de setembro de 2009

CEM ANOS DE EUCLIDES DA CUNHA, 112 ANOS DA REVOLUÇÃO DE CANUDOS - I E II

CEM ANOS DE EUCLIDES,
112 DA REVOLUÇÃO DE CANUDOS -I

Paulo Matos (*)


O contato com a terra e o homem na visão da Guerra de Canudos (1893-1897), conflito secular ente sertanejos ocupantes da Fazenda Velha e o Exército. A relatou, em dez milhões de palavras, o jornalista Euclides Rodrigues Pimenta da Cunha. Este livro transformou o jornalista e criou o escritor de “Os sertões”. Que se tornou mundial por sua linguagem e sua história, publicado em dez países e disseminou a idéia do sucesso da organização popular autônoma na comunidade livre do interior da Bahia, ocupada dia cinco de janeiro de 1893 por três mil pessoas. Euclides tombou em um duelo a 15 de agosto de 1909, morto pelo amante de sua mulher, há cem anos.

A manifestação popular dos futuros canudenses, um grupo que seguia Antonio Conselheiro há 20 anos por sete estados nordestinos, havia rasgado os impostos recém-instituídos enviados pelo Governo. E foram atacados pelas as tropas federais em Cumbe, cidade ao lado. A quem derrotaram pela primeira vez com paus, pedras e coragem, levando suas armas. Derrotaram outras duas vezes, até o massacre. Esta comunidade exemplar não propagou seu exemplo. Quando Canudos foi destruído por canhões Krupp, em cinco de outubro de 1897, o núcleo tinha 30 mil almas, extirpada e eliminada a tiros e bombas.

O evento de Canudos superou as revoluções populares brasileiras, provando ser possível, pela auto-organização, o avanço social e a superação da miséria em pleno sertão nordestino explorado pelos coronéis. O local dessa comunidade antevia os ataques militares e, por isso, era estrategicamente de difícil acesso, cercado pelo Morro da Favela. Vem daí o nome do tipo de residência.

Euclides nasceu em Cantagalo, cidade do Rio de Janeiro, em 20 de janeiro de 1866. Foi escritor, sociólogo, repórter jornalístico, historiador e engenheiro. Órfão de mãe desde os três anos de idade, foi educado pelas tias. Freqüentou conceituados colégios fluminenses e, quando precisou prosseguir seus estudos, ingressou na Escola Politécnica e, um ano depois, na Escola Militar da Praia Vermelha.

Em cinco de outubro foram 112 anos do massacre final de Canudos, que exterminou a rica experiência de organização social. As tropas paulistas passaram por Santos e desfilaram em meio a aplausos aos 481 praças e vinte oficiais. Eles iam “defender a República” e destruir com tiros, bombas e degolas – em moda na época, imitava a guilhotina - cinco mil casas, plantações e uma comunidade feliz e produtiva, Belmonte ou Bom Jesus.

Euclides escreveu que "Canudos não se rendeu. Exemplo único em toda a história, resistiu até ao esgotamento completo. Expugnado palmo a palmo, na precisão integral do termo, caiu no dia 5, ao entardecer, quando caíram os seus últimos defensores, que todos morreram. Eram quatro apenas: um velho, dois homens feitos e uma criança, na frente dos quais rugiam raivosamente 5 mil soldados”.

Era a grande lição de Canudos, a ocupação da Fazenda Velha as margens do rio Vaza-barrís no sertão baiano, em área desenhada para a resistência em meio a um vale, ocupada em julho de 1893 com 300 pessoas que seriam 30 mil em quatro anos. Seria “misticismo religioso” o que os atraia ou o desejo de bem-estar?

O livro “Os sertões” foi publicada em 1902. O relato é sobre o episódio que a recente República quis usar o fato ideologicamente para afirmar-se, tratando o evento como uma suposta rebeldia monarquista, que seria apoiada pelo Conde D Eu em pleno sertão. Euclides inicialmente comparou Canudos à Vendéa, a vila francesa que se opôs à Revolução republicana francesa, ideal republicano que não correspondeu. Os textos são do período em que foi repórter local em Canudos do jornal O Estado de São Paulo.

A realização de Canudos era a reprodução do sonho de Thomas More no livro “Utopia”, que Conselheiro conhecia. Foi a extraordinária experiência comunitária de 30 mil pessoas que alcançaram o progresso social em pleno sertão, cercado pela miséria e que se tornou farta na propriedade comum.


CEM ANOS DE EUCLIDES,
112 DA REVOLUÇÃO DE CANUDOS - II

Paulo Matos (*)


No seu valor e mérito pessoais Euclides absorveu as lições do meio na sua expressão social de que o positivismo a - histórico lhe afastava, engajando-se e projetando o futuro. De conservador positivista que casou com a filha do general Sólon e desafiou o Império, com fé na falaciosa República que tentava imitar a Revolução Francesa sem a sua modernidade, Euclides se tornaria progressista e contestador, denunciador da violência que testemunhou e militante socialista acadêmico em São José do Rio Pardo, contando a Guerra de Canudos ao mundo.

Na primeira fase do livro “Os Sertões”, Euclides expõe sua visão da natureza na forma positivista, para quem o nordestino é um ser deformado pela mestiçagem índia, negra e européia. Mas na segunda parte, depois do massacre, designa o sertanejo como “um forte” que construiu um oásis sertanejo economicamente democrático. Na vivência de uma nova redenção popular da alma, neste caso da vida de milhares.

Este episódio tem sido relacionado a diferentes processos, como o de Maria Araújo e Padre Cícero, que se alinham com Conselheiro ente as lideranças místicas do Nordeste dominado pela religião. A linguagem de Conselheiro é, obrigatoriamente neste meio, simbólica e religiosa, mas rebelde e progressista do Conselheiro organizando percorrendo sete estados e lutando por terra, trabalho e liberdade.

A resistência quatro batalhas em que os guerrilheiros comandados por Pajeú e Macambira venceram milhares de soldados do Exército tomando-lhes as armas, só perdendo na quinta e última batalha para cinco mil soldados de onze estados, é heróica como a história de Maria das Cobras que as criava para lançar sobre os inimigos que defendiam o atraso e o passado. O massacre de 30 mil índios, ex-escravos e sertanejos, marginalizados e reunidos por Antonio Vicente Mendes Maciel, o Conselheiro, por bombardeios de canhões Krupp, é um episódio magistral e expressivo da estrutura social assentada sobre o país semi-feudal do trabalho explorado e oprimido.

A caminhada de vinte anos por sete estados do líder da Igreja Popular Antonio Conselheiro traduz um trabalho de construção social. Não era louco como desavisados historiadores analisam, ao revés de Rui Facó, que enxerga a Revolução em curso no processo ao lado do de Contestado, do beato José Maria e mesmo de Lampião – reconhecendo-lhes origens sociais na contradição com o poder.

A história das cinco batalhas, em que Euclides não presenciou – chegou depois da terceira e antes da quarta - são enfáticas e significativas que se iguala às revoluções européias. Canudos não poderia existir e graças a Euclides irradiou-se como exemplo possível, que aos 112 anos devemos recordar.


(*) Paulo Matos é autor do livro inédito “Santos retoma Canudos”, escrito a pedido do então prefeito David Capistrano no centenário da ocupação em 1993.
É Jornalista, Historiador pós-graduado e Bacharel em Direito.
 E-mail: jornalistapaulomatos@yahoo.com.br
Blog: http://jornalsantoshistoriapaulomatos.blogspot.com
F.13-38771292 – 97014788

Nenhum comentário: