terça-feira, 30 de junho de 2009

DIPLOMA DE JORNALISMO E DANO MORAL - misturando um Gilmar com outro

DIPLOMA DE JORNALISMO E DANO MORAL
- misturando um Gilmar com outro

Paulo Matos (*)


No passado, recordam os historiadores do Direito Tributário, contou-me o professor Denis Fiúza, uma medida esdrúxula foi aprovada pelo STF, o Supremo Tribunal Federal. Ela obrigava o pagamento de um percentual do imposto para o cidadão poder recorrer dele, uma condenação antecipada. Só o juiz Marco Aurélio Melo votou contra – como ocorreu na recente decisão acerca da exigência do diploma de Jornalismo. E foi com base em seu voto que, mais tarde, se concluiu pela inconstitucionalidade da norma e sua extinção, o da cobrança - o que era, aliás, de uma clareza fantástica, afirmando Exupéry, na voz de seu Pequeno Príncipe, que o essencial é invisível aos olhos.

Como o juiz cassador de profissões reagiria a notícia de que “O ex-goleiro e atual juiz do STF Gilmar dos Santos Neves ou Mendes, que já jogou no Corinthians e no Santos – onde teve desempenho superior ao que demonstra como juiz -, disse que o jornalista é inócuo, que “não pode causar danos”? E o dano moral de quem não domina a ciência jornalística e mistura um Gilmar com outro?

Foi sob o comando deste não tão brilhante Gilmar, que abre e não fechava as traves como aquele, de seu relatório, que se induziu um monte de gente a acompanhá-lo na aventura de extinguir a exigência de diploma para o exercício da profissão de jornalista. Gilmar Mendes, agora, entusiasmado com a polêmica gerada, ameaça prosseguir na sua sanha devastadora e neoliberal para redução dos custos patronais – que considera que a norma não foi recepcionada pela Constituição de 1988.

“Para ele, que apita por uma federação de nome “STF”, esta e um monte de profissões não servem para nada e é preciso fazer o que Collor fez com o produto brasileiro, desregulamentando tudo e chamando isso de modernidade.” Só Marco Aurélio Melo, outro juiz da citada federação, votou contra, de todos os que deram sua opinião.

Foi o ministro do STF Gilmar Mendes, jocosamente enquadrado no parágrafo anterior, quem disse que jornalista não causa danos como o médico e o advogado e por isso não necessitam de diploma. Ele mesmo um exemplo de dano à sociedade que posiciona um sujeito destes em cargo de decisão. Gilmar é o testemunho, cassador de profissões e proferidor de atos sobre matérias que não domina - como a do dano moral a que sujeita os cidadãos do país desqualificando seus comunicadores.

A violação da agressão moral não é apenas ao direito do indivíduo ao seu patrimônio mais importante, mas à norma protetora do direito de todos os indivíduos sociais e seus bens. Cada cidadão deve considerar sua própria proteção no caso de agressão física ou moral, na imputação de atos que não cometeram e pelos quais são obrigados a responder. É ela, pois, a base de nossa convivência, impossível prescindir. Por exemplo, Gilmar é alvo de processo por Dano Moral.

O direito moderno busca sempre ajustar as garantias sociais às suas decisões, porquanto dessa proteção depende a própria manutenção da sociedade como instituto de defesa mútua. O que se vislumbrou necessário, face ao domínio da inteligência sobre a força. Tivéssemos vivido noutros tempos e sobreviveria apenas o mais forte; superamos essa darwinista condição primitiva na constituição de direitos sociais, evoluindo como, por exemplo, com Pierre-Joseph Rousseau, em idéias que acompanharam o princípio da colaboração pela sobrevivência.

O dano moral, o que menoscaba a integridade do patrimônio maior das pessoas, que diminui para quase nada (minos) a cabeça, a existência (caput) no sentido de capacidade, viola o direito subjetivo que cada um constrói em sua trajetória de vida. É uma agressão ao direito tutelado, um dano jurídico à pessoa, irreparável, mas que se busca quantificar para efeito de castigo e reparação, buscando dissuadi-lo como prática nas relações humanas, grave que é.

O sistema jurídico que protege a propriedade de bens materiais, de autoria, de patrimônio, caracteriza como direito subjetivo o da imagem, do conceito desfrutado por quem se dedicou a construí-lo com zelo. Sua evidência é a prova do prejuízo, infere-se aos direitos adquiridos inscritos na proteção constitucional do Artigo quinto da Constituição Federal, Incisos V e X, que de tão fundamentais se repetem.

Atacando e vitimando a capacidade construtiva da vítima, através da demolição programada de códigos externos erigidos por toda a vida, no desrespeito à dignidade pessoal, à honra, ao nome, à imagem, inibe a atividade produtiva, econômica e socialmente. Viola, inclusive, a integridade bio-psíquica - depreendendo-se destes aspectos sua conotação pecuniária, que se exige ressarcida pelos agressores, sob pena de alastrar seu conteúdo e fazer retroagir conquistas sociais.

O estado psíquico anterior à agressão, o “status-quo-ante”, é irreparável, tem caráter de reversão irreparável – e sua pena, se houver, que se aplica ao agressor na supremacia da consciência ausente no ato, é o remorso. Como nos ensina Emile Zola, o notável defensor do Direito no “Caso Dreyfus” e seu “J acuse!” ou na majestosa obra de 1868 “Therése Raquin”, lição exemplar. O papel da sociedade organizada é o de impor a coerção – o remorso externo - sobre tais atos, para que não sobrevivam enquanto instituto de ação, na busca da manutenção e evolução do quadro social estável e desejável por todos, os que usufruem dos bens coletivos e denotam sua importância.

Tem lugar, então, as sanções penais e pecuniárias, reparações legais complementares a que cabe ao Judiciário arbitrar, no amplo respeito à moral atingida e a capacidade econômica do agressor. A honra tem valor determinante na capacidade produtiva do empresário, do político, do lojista, do profissional liberal, como uma perna para o futebolista ou o dedo para o pianista, de natureza relevante e fundamental.

Para o político, por exemplo, existe capítulo especial no Código Penal para a ofensa moral, previsão também no Código Civil. Assim, o comportamento de pessoas que reagem com ataques pessoais às correções legais de suas atitudes, quando aplicadas ao coletivo e responsável por suas instituições, exige-se claramente advertida e ressarcida: é a sociedade que está em risco, não apenas o ofendido. Mas há quem que, no afã de desqualificar a mão-de-obra na ótica cega do neoliberalismo e instalados no poder injusto e cruel, façam suas apostas – fomentadores do caos.


(*) PAULO MATOS - Jornalista, historiador pós-graduado e bacharel em Direito jornalistapaulomatos@yahoo.com.br

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